
“As coisas não estão fáceis para o setor neste momento, mas essa é a natureza da agricultura”, disse Steven Hawkins, presidente global da multinacional Syngenta Proteção de Cultivos, durante o One Agro Summit, em Brasília, no início deste mês. Na plateia estavam predominantemente produtores rurais que, juntos, cultivam cerca de 15 milhões de hectares. O encontro foi um tipo de “esquenta” para o One Agro, o maior evento corporativo da empresa no Brasil, marcado para 10 de junho. Hawkins se refere ao contexto global da atividade, incluindo desafios econômicos, geopolíticos e ambientais.

Steven Hawkins é presidente global da multinacional Syngenta Proteção de Cultivos
Em tempos de uma acirrada guerra comercial entre China e Estados Unidos, o mundo globalizado conhecido a partir dos anos 1990 enfrenta uma instabilidade: Donald Trump. Para discutir sobre esse cenário, Hawkins recebeu dois grandes especialistas na conjuntura econômica mundial, Marcos Troyjo, ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco dos Brics, e atual membro da INSEAD, escola global de negócios, e Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global. Juntos, eles analisaram o impacto das tarifas de Trump e as oportunidades para o agro brasileiro crescer e ensinar outras nações a produzirem com eficiência.
A suíça Syngenta é uma das maiores empresas de biotecnologias do planeta e inclui, além da Proteção de Cultivos, as divisões Seeds, Adama e Syngenta Group China. No ano passado, o braço de cultivos do grupo faturou US$ 13,2 bilhões no mundo (R$ 77 bilhões na cotação atual).
Para o economista Troyjo, “estamos vivendo o que chamo de ‘trumpulence’, uma junção de Trump com turbulência, em inglês”. E continua: “esse desconforto pode não ser necessariamente ruim, mas fato é que vamos ter que nos adaptar a ele”.
Troyjo explica esse cenário fazendo comparações. Durante anos, a desglobalização esteve do lado de “fora do avião”. Explicando, segundo ele mesmo, se a globalização fosse um grupo de passageiros em voo, as máscaras de oxigênio já teriam caído com as saídas dos EUA do Acordo de Paris, da Organização Mundial da Saúde, mais a suspensão das contribuições para a Organização Mundial do Comércio, das disputas comerciais com seus vizinhos parceiros, como o Canadá e México, e com a União Europeia. “Agora, cada vez mais vamos nos familiarizar com novas restrições nas relações com os EUA”, diz Troyjo.
No entanto, há 20 anos as expectativas para o cenário atual eram outras. “O futuro do mundo parecia promissor. Hoje, um produto ‘feito na China’, na verdade foi feito no mundo por um conjunto de matérias primas, peças, etc, de vários países”, afirma Troyjo. Ele se refere à quarta fase da globalização, marcada pela consolidação do processo de industrialização em países emergentes.
O agronegócio brasileiro surfou nos benefícios desse período. A política de agroindustrialização e o investimento em infraestrutura, ciência, pesquisa e tecnologia para aumentar a produção agrícola abriu mais mercados para os produtos agropecuários, destacando-se a soja, o milho, o algodão e as carnes. Graças a isso, desde 2023, o Brasil é o maior país exportador de commodities agropecuárias e agroindustriais, ultrapassando os EUA, segundo levantamento do Insper Agro Global, centro de estudos do Insper. E pode se beneficiar ainda mais, em meio às adversidades globais.
Mais uma vez, vai dar Brasil
O mundo acompanha um movimento de densidade populacional curioso. Segundo Troyjo, países como EUA, Índia, Arábia Saudita, Indonésia, Paquistão, Nigéria, Congo, Tanzânia, Uganda e Etiópia terão aumento populacional líquido considerável nos próximos 25 anos. A pergunta do milhão é: onde serão produzidos alimentos suficientes para nutrir a todos?
A resposta pode se chamar E7, um grupo formado pelas sete maiores economias emergentes do mundo: China, Índia, Brasil, Indonésia, Turquia, México e Arábia Saudita. Para Troyjo, esses serão os atores que impulsionarão a maior parte da expansão econômica global no futuro.
“O aumento populacional será turbinado pela expansão econômica global dessas economias emergentes. Seremos testemunhas de uma mudança estrutural no mapa da demanda global por alimentos”, diz. “O incremento de renda nesses países vai provocar uma alta no consumo de alimentos. Será uma revolução calórica”, completa. E o Brasil tem grandes chances de protagonizar esse movimento. China, Índia, EUA e Brasil ocupam as primeiras posições no ranking global dos países produtores de alimentos, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Com uma população na casa de 1,4 bilhão de habitantes, os chineses se consolidaram como os maiores importadores de alimentos do mundo. A Índia, também com 1,4 bilhão de habitantes, até produz, mas ainda conta com baixa infraestrutura. Os EUA conseguiriam suprir uma boa parte da demanda, mas, para Troyjo, é no Brasil que mora a solução. “Essa é uma enorme janela de oportunidade para o Brasil. Não posso afirmar com certeza que esse será o futuro mas, se for, é realmente muito atraente para nós”.
O Brasil é sala de aula
O professor Marcos Jank concorda e vai além. “O nome desse jogo é sustentabilidade e eficiência. Não vamos conseguir ir além sem isso”, diz. Ele acrescenta que o Brasil pode, não somente alimentar o mundo, como ensinar outros países a produzir de forma eficiente por meio de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), agricultura digital e de precisão, controle biológico, sequestro de carbono e genética. “Essas soluções podem ser replicadas em muitos outros países tropicais da América Latina, África e partes da Ásia, onde a produtividade ainda é baixa”.
Para Jank, os demais países tropicais podem aprender a produzir mais e gerar menos emissões. Ele lembra do famoso Boi China feito pela pecuária brasileira para atender a um mercado específico. Na sua opinião, essa demanda incentivou boas práticas sem necessidade de imposição regulatória. O Brasil conseguiu atender a demanda de exportar carne para o país asiático, que exigia um animal abatido com no máximo 30 meses de idade, o que levou a investimento em genética, pastagens de melhor qualidade, suplementação alimentar e sistemas de engorda mais eficientes, porque o prêmio pago por esse animal valeu o esforço.
“Tivemos um salto na produtividade do rebanho bovino brasileiro e, ao mesmo tempo, um ganho ambiental. Quanto menos tempo o animal passa no campo, menos metano ele emite, menos pressão ele exerce sobre o solo, e mais eficiente é a produção como um todo”, diz Jank.
O Brasil também se tornou um espelho quando se trata de rastreabilidade, outro pilar socioambiental importante da cadeia agropecuária. Em 2024, o país deu mais um passo rumo às comprovações e criou o Plano Nacional de Rastreabilidade Bovina. “A rastreabilidade dos alimentos será cada vez mais importante no mundo, porque o consumidor quer saber as condições em que aquilo foi produzido”, diz Jank. Para ele, o país precisa ser lembrado não somente como uma potência agrícola, mas também ambiental e de soluções de melhores práticas.
Hawkins compartilha do mesmo pensamento. Para ele, o agro global deve fazer mais e melhor, e o mundo pode aprender com o Brasil. O país esteve no centro das discussões como detentor de ferramentas para contornar as turbulências globais e ser reconhecido como uma potência em produção agrícola sustentável, embora tenha recebido também convidados de outros países, como Yuliya Bereshchenko, diretora da Astarta, uma das maiores holdings agroindustriais do Ucrânia. Na abertura do evento, Hawkins deixou o recado sobre as intenções da empresa: “Vamos refletir sobre onde podemos fazer mais e melhor”.