
“Nos espelhamos no Brasil”, disse à Forbes, Yuliya Bereshchenko, 50 anos, diretora de sustentabilidade da Astarta, uma holding agroindustrial da Ucrânia, com sede em Kiev. Yuliya desembarcou no Brasil, em Campinas, na semana passada, e rumou para Brasília. Fazia 31 graus aqui e um grau na sua terra. Ela esteve no Planalto Central pela primeira vez, a convite da multinacional suíça Syngenta, que é fornecedora de sementes à Astarta. Em 2024, os dados mais recentes mostram que a empresa faturou nos primeiros nove meses 441 milhões de euros (R$ 2,8 bilhões na cotação atual).
Yuliya, que é engenheira de produção e está há seis anos na Astarta, tem interesse em aprender com o Brasil e replicar o que for possível na Ucrânia. Entre eles está o plantio direto, como fazer uma boa cobertura do solo e também o cultivo vertical e integrado. Mas o que mais a agrada é a sustentabilidade dos sistemas agropecuários praticados no Brasil. Para ela, o país é um exemplo que precisa ser seguido no mundo.
Na Europa, a Ucrânia sempre foi um país importante na produção de alimentos e bioenergia. Hoje, apesar da guerra, seu país continua sendo para aquele continente um grande e importante produtor de grãos, cereais, oleaginosas, e o açúcar de beterraba. Por exemplo, antes da invasão russa, em fevereiro de 2022, a Ucrânia liderava o cultivo e processamento de óleo de girassol, flor que simboliza a paz. Eram 16,4 milhões de toneladas de sementes em 2021 e no ano passado caiu para 2,9 milhões de toneladas, queda de 82,3%.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Econômico, Comércio e Agricultura, cerca de 30% do potencial total do setor agrícola se perdeu por causa da guerra, incluindo áreas agricultáveis que estão contaminadas ou minadas. Junte-se isso à janela climática, onde é possível produzir a campo apenas no verão entre junho e setembro. O máximo de calor por lá são 23 graus celsius e o inverno chega facilmente a menos 8 graus celsius.
O que encanta tanto Yuliya na agricultura brasileira é justamente a influência do clima tropical na produção. Em seu país, duas safras na mesma área é algo impossível e inimaginável; três safras então é coisa de outro mundo. “Quando eu era pequena, só comia maçãs frescas nos dois meses de verão. Ao longo do ano, consumia o que minha mãe tinha congelado. Aqui no Brasil é um sonho. Vocês tem tudo o ano inteiro”, diz ela. Não por acaso, sua galeria de fotos do celular está cheia de imagens de árvores, plantações e até de orquídeas e de caju, fruta que achou fascinante. “Nós ucranianos não temos a menor ideia do que é essa fruta”.
As boas práticas e a sustentabilidade do setor no Brasil viram lições que ela tenta aprender para testá-las nas terras da Astarta. “Tentamos seguir a prática brasileira de aumentar a produtividade, ou seja, produzir mais em menos área, utilizando culturas de cobertura para melhorar o solo. Aprendemos com vocês e temos resultados realmente bons”, diz Yuliya.
Fundada em 1993, a Astarta, cujo nome é uma referência à deusa grega da fertilidade, é uma das maiores do setor agroindustrial do país. Ela atua na produção agrícola de grãos e leite, mais processamento e geração de energia renovável. Boa parte de sua produção, especialmente de grãos, é exportada para países da União Europeia.
A empresa opera 214 mil hectares de terras arrendadas em sete regiões (Poltava, Vinnytsia, Zhytomyr, Ternopil, Khmelnytsky, Chernihiv e Kharkiv) da Ucrânia, onde produz, além da beterraba-sacarina e girassol, também soja convencional e orgânica, milho, trigo, colza e cria vacas leiteiras. Somente de beterraba, segundo Yuliya, são cerca de 2 milhões de toneladas cultivadas fora das áreas de bombardeios, que processadas resultam em 380 mil toneladas de açúcar por ano.
“Também cultivamos soja, girassol, mostarda de forma orgânica, mas ainda é uma parcela mínima da nossa produção”, diz Yuliya. Na soja, por exemplo, são 2 mil hectares, 1% da área total. Para a pecuária, com produção toda destinada ao mercado interno, são 28 mil vacas que produzem cerca de 115 mil toneladas de leite por ano.
Para Yuliya, a agricultura é uma solução de descarbonização. E são as boas práticas que podem um dia se tornar um ativo econômico, caminho que o Brasil também vem buscando por meio da estruturação de um mercado de carbono e de serviços ambientais. “Por isso, os agricultores precisam ter seus esforços reconhecidos pelos compradores ao praticar a agricultura sustentável”, diz ela. “Precisamos integrar a sustentabilidade e encarar os efeitos das mudanças climáticas na agricultura, porque somos os mais vulneráveis e os que sentem primeiro”.
A Astarta tenta fazer sua parte. Yuliya conta que a empresa projeta reduzir 44% das suas emissões de gases de efeito estufa até 2030, ao aumentar a área das culturas de cobertura para 25 mil hectares. Hoje, elas ocupam 16 mil hectares. “Nossas metas de descarbonização foram ampliadas logo depois do início da guerra”, diz ela. Uma das práticas é apostar na circularidade.
Para tentar reduzir as emissões, a Astarta aproveita tudo. A safra de beterraba não vira somente o açúcar. As sobras e resíduos da produção são transformados em biogás para abastecer suas instalações. “Mas não é como no Brasil, que tem duas safras. O ciclo da beterraba dura apenas 100 dias e esse gás serve apenas para esse período”.
Além da beterraba, os resíduos da soja também vão para a produção de energia, o que ainda não é suficiente para a demanda da empresa. Mas o projeto é ser autossuficiente em biogás e se possível exportar para a Europa, onde há grande demanda de combustível verde. Essa é uma conversa que Yuliya tem escutado no setor, inclusive produzir culturas energéticas para recuperar terras contaminadas pela guerra.
“As áreas que foram severamente contaminadas devem levar décadas para serem restauradas e desminadas”. afirma Yuliya. “Mas esse processo pode ser feito a partir de soluções baseadas na natureza, como cultivar uma cultura energética nessas terras”. Para Yuliya, o futuro da agricultura e pecuária pós-conflito será mais verde. “Será mais orgânico, sustentável e gerador de energia renovável, com o Brasil”.