
As agtechs receberam um aporte total de US$ 1,6 bilhão (R$ 9,12 bilhões na cotação atual) em investimentos distribuídos em 159 negócios no terceiro trimestre de 2024, em todo o mundo, registrando um aumento de 15% no valor dos investimentos em relação ao segundo trimestre, segundo dados da PitchBook de 2024, empresa de inteligência de mercado. No entanto, o relatório também apontou uma queda de 17,6% no número de transações em comparação com o trimestre anterior, seguindo a tendência observada desde 2022. Apesar disso, o setor ainda enfrenta desafios e viu algumas empresas, como Benson Hill, FarmWise e Plenty Unlimited, entrarem com pedidos de falência.
Enquanto os investimentos de capital de risco iniciam uma recuperação gradual, o mercado de AgTech continua em expansão, avaliado em US$ 24,08 bilhões (R$ 137,2 bilhões) em 2024, com projeções que indicam que ultrapassará os US$ 40 bilhões (R$ 228 bilhões) até 2030. Os investimentos vindos de empresas e fundos de private equity também estão crescendo. Investidores estratégicos e corporativos estão financiando iniciativas focadas em resultados escaláveis e crescimento regional.
Em 2024, a Paine Schwartz Partners, empresa de private equity especializada em investimentos sustentáveis na cadeia alimentar global, apoiou a expansão global do Costa Group, maior empresa de horticultura da Austrália, incluindo seu programa de melhoramento genético de frutas vermelhas no país asiático Laos. Mitsubishi e Yamaha lançaram unidades de negócios focadas em agricultura, e a Driscoll’s, uma empresa familiar norte-americana especializada no cultivo e comercialização de frutas vermelhas frescas, ampliou sua área de investimentos para apoiar a produção de frutas vermelhas na América do Norte.
Segundo George Jessett, gerente geral de horticultura internacional — frutas vermelhas do Costa Group, nos últimos 15 anos a empresa estabeleceu operações de cultivo de frutas vermelhas no Marrocos e na China, utilizando sua genética de mirtilo e experiência agronômica. “Como resultado, nossas frutas vermelhas premium são vendidas e consumidas em todo o mundo, mas estamos constantemente buscando novas oportunidades para ampliar nossa presença internacional, e o Laos foi identificado como nosso próximo investimento estratégico,” disse Jessett. “O que torna o Laos um local ideal para cultivarmos mirtilos é o clima e a localização geográfica, mas também a oportunidade de exportar esses frutos para outros países da Ásia.”
Jessett afirmou que a Costa já estabeleceu 17 hectares de cultivo inicial e pretende plantar mais 50 hectares em 2026, com a meta de atingir 200 hectares até 2028. “Quanto a possíveis novos locais para investimento futuro, estamos atualmente conduzindo testes de cultivo de frutas vermelhas na Índia,” acrescentou.
Mais de 280 milhões de pessoas em 59 países enfrentaram insegurança alimentar aguda em 2023 — um aumento de 24 milhões em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, projeta-se que o consumo global de alimentos aumente 1,2% ao ano na próxima década, enquanto o crescimento da produtividade agrícola segue abaixo dos 2% necessários para atender à demanda. “Alimentar uma população global crescente com menos recursos representa um desafio e uma grande oportunidade”, afirmou Antonio Beltran, CEO da AgBelher, empresa agrícola familiar mexicana. “A AgTech permite que os produtores façam mais com menos, utilizando automação, ferramentas de precisão e culturas mais resilientes.”

O Costa Group possui um programa genético e de melhoramento de mirtilos baseado em dados e tecnologia
Do ponto de vista do investidor, Beltran explica que é possível observar o crescimento projetado do setor, as iniciativas de sustentabilidade e a demanda constante por alimentos. “Investidores guiados por critérios ESG estão apoiando inovações que reduzem o uso de água, emissões e desperdício de alimentos,” disse Beltran. “Mas a demanda constante por alimentos continua crescendo, e isso não vai mudar tão cedo.” Para ele, existem riscos — como regulamentações e barreiras à adoção —, mas o argumento para investimento de longo prazo permanece sólido.
Para os produtores, a pressão é ampliada pela variabilidade climática, volatilidade econômica e aumento de custos, o que torna o planejamento da produção cada vez mais difícil. Segundo o Fórum Econômico Mundial, muitos agricultores e pesquisadores agrícolas nos EUA estão tentando diversificar suas culturas e adotar métodos mais sustentáveis. No entanto, sistemas agrícolas de menor impacto exigem conhecimento altamente local — não apenas sobre plantas e pragas, mas também sobre clima, solo e os efeitos de longo prazo do estresse ambiental.
Uma lacuna global de dados
Apesar dessas pressões e das tendências de crescimento, ainda não existe uma estrutura global ou sistema padronizado para entender como as culturas se comportam em condições reais. Essa lacuna faz com que a maioria dos produtores opere sem referências consistentes, dificultando a adaptação de estratégias ou o planejamento para condições de mudança.
Embora organizações como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) relatem dados sobre produtividade e uso da terra, elas não monitoram o número de ciclos de cultivo completados por ano, nem como fatores como estresse ambiental, uso da água ou pressão de pragas influenciam os resultados.
“Os vazios existentes geralmente estão relacionados à agtech digital, que nem sempre é uma solução ‘plug and play’, ou seja, exige investimento para ser integrada e adaptada a requisitos específicos,” explicou Jessett por e-mail. “Também se trata da tecnologia disponível hoje e no futuro próximo, que possa ser adaptada e aplicada em escala, gerando economia de custos e um retorno financeiro proporcional ao investimento inicial.”
Jessett afirma que ter acesso a dados em tempo real é fundamental, pois isso permite tomar decisões de forma mais proativa do que reativa. “Isso é importante em diversas atividades que ocorrem durante o cultivo, a colheita e toda a cadeia de suprimentos pós-colheita”. “E pode fazer uma grande diferença na forma como alocamos recursos, tanto em termos de custo quanto de eficiência, reduzindo desperdícios, melhorando a qualidade do produto fornecido ao mercado, e, por fim, afetando o preço recebido e o retorno financeiro obtido,” acrescentou.
Mas, para Beltran, a prioridade deve ser tornar os dados mais utilizáveis. “Os produtores já estão sobrecarregados com informações que não conseguem usar,” disse. “Quando essa parte estiver resolvida, a IA poderá ter um impacto muito maior.” Sem parâmetros compartilhados ou pontos de referência longitudinais, decisões importantes sobre irrigação, uso de insumos e momento da colheita muitas vezes são tomadas sem acesso a dados consistentes. “A disponibilidade de dados bons, confiáveis e imparciais é a base para que a IA seja uma ferramenta valiosa para o agronegócio,” afirmou Armando C. Llanes, CFO do Agrícola Don Memo, empresa agrícola da Agrícola Belher.
“A IA funciona com dados, e a tecnologia fornece os meios para operar em ambientes controlados, o que resulta em safras mais consistentes e confiáveis”. Ele complementa que inovações que forneçam dados de campo sobre clima, condições de cultivo, produtividade e qualidade da colheita são inestimáveis.
Coletando dados em escala
Em 2020, a WayBeyond, startup neozelandesa de tecnologia agrícola, lançou o FarmRoad, um software de gestão agrícola projetado para ajudar produtores a tomar melhores decisões. Em função da fragmentação da indústria de AgTech e da falta de estruturas globais de dados, a empresa não tinha dados, nem modelos, nem clientes.
Darryn Keiller, CEO da WayBeyond, disse que o primeiro desafio foi identificar quais dados eram relevantes e, depois, desenvolver ferramentas para capturá-los. Em quatro anos, a WayBeyond passou de uma startup sem dados para uma plataforma que hoje integra mais de 2.500 anos de ciclos de cultivo e milhões de horas de modelagem climática. “Nos últimos quatro anos, nossos esforços escalaram para bilhões de pontos de dados e uma plataforma que hoje fornece insights em tempo real para produtores em várias regiões e culturas,” afirmou Keiller.
Segundo ele, a empresa construiu um sistema para descoberta, e não apenas um software. “Levou tempo para entender quais dados importavam, como capturá-los com confiabilidade, e como transformá-los em algo que os produtores realmente pudessem usar,” explicou. “Mas é isso que significa ser orientado por dados e representa uma visão longitudinal única de como as culturas se comportam em condições reais,” disse Keiller.
Para ele, essa é uma das poucas fontes conhecidas que vincula o comportamento dos ciclos de cultivo diretamente ao clima, à pressão de pragas e ao uso de insumos ao longo do tempo. Keiller afirma que a WayBeyond evoluiu para uma plataforma de inteligência longitudinal. “O mais importante é como esses dados estão sendo transformados em ação — desde prever a produtividade até otimizar o uso de água, ajudando produtores a antecipar o que vem pela frente e transformar isso em algo útil,” completou.
A abrangência da plataforma reflete não apenas volume, mas também diversidade operacional. Desde sua entrada no mercado em 2021, a WayBeyond já coletou mais de 3,3 bilhões de pontos de dados climáticos por meio de dispositivos de monitoramento em campo, registrou mais de 207 mil eventos de monitoramento de pragas e doenças, e reuniu 31 mil leituras de irrigação desde o lançamento desse recurso em 2024. Seus modelos também geraram quase 10 mil semanas de análises de condições ideais e mais de 400 semanas de previsões de produtividade para o tomate.
No México, uma empresa de sementes utilizou o módulo de irrigação do FarmRoad em um teste e reportou uma redução de 32% no uso de água em comparação com as práticas padrão. A empresa estimou uma economia potencial de fertilizantes de US$ 80 mil (R$ 456 mil) por hectare ao ano. Outro produtor no México relatou uma redução de 17% no uso de água utilizando o mesmo módulo.
A Costa Berries International está utilizando a plataforma FarmRoad da WayBeyond para monitorar o desempenho de variedades idênticas de frutas vermelhas cultivadas na Austrália, Laos, Índia e Marrocos. Os dados serão usados para avaliar como essas variedades respondem a diferentes microclimas. “Isso não é apenas coleta de dados — eles estão sendo aplicados para prever eventos como surtos de pragas, janelas de colheita e riscos ambientais,” disse Keiller. “É uma demonstração de mudança clara do modelo reativo para uma tomada de decisão proativa por parte dos produtores.”
Visão com satélites e inteligência térmica
Para empresas como a Constellr, startup alemã de tecnologia espacial especializada em monitoramento térmico da Terra por meio de satélites, os dados vêm da inteligência térmica, que, segundo a própria empresa, oferece insights contínuos não só para produtores, mas também para planejadores urbanos e cientistas ambientais.
Os dados térmicos oferecem uma base científica única porque a temperatura é tanto universal quanto precisa. Ao contrário dos visuais, que dependem de contexto, a temperatura conta uma história consistente em qualquer continente. 15°C são 15°C — seja no Quênia ou no Kansas, afirmou Max Gulde, CEO e cofundador da Constellr. No primeiro trimestre, a Constellr lançou seu primeiro satélite de infravermelho térmico, o SkyBee-1. “O SkyBee-1 marca o início de um novo capítulo transformador na inteligência agrícola,” disse Gulde. “Pela primeira vez, estamos trazendo dados de temperatura da superfície terrestre (LST) com alta resolução e precisão diretamente do espaço — diariamente — até o nível do campo.”
“Sistemas de monitoramento tradicionais, sejam sensores em campo ou satélites visuais, frequentemente não detectam sinais iniciais de estresse hídrico e declínio da lavoura,” explicou Gulde. “Eles são ou locais demais, ou pouco frequentes, ou capturam apenas sintomas quando já é tarde demais.” Segundo Gulde, o SkyBee-1 muda esse cenário.
“Com seus sensores térmicos resfriados por criogenia e resolução de até 5 metros, ele consegue detectar anomalias térmicas sutis — sinais precoces de estresse — semanas antes de as plantas apresentarem sintomas visíveis,” disse. “Isso permite intervenções antecipadas: irrigação mais inteligente, uso direcionado de insumos e melhor previsão de produtividade”. “É o equivalente a dar aos produtores olhos térmicos no céu — precoces, confiáveis e acionáveis,” acrescentou.
Insights contínuos
Gulde afirma que a grande promessa por trás de quatro satélites não é apenas a cobertura — é a geração contínua de insights. “Nosso gêmeo digital térmico, alimentado por IA, chamado Atlas, significa que não precisamos capturar imagens de cada campo todos os dias,” disse Gulde. “Interpolamos entre medições, como os modelos meteorológicos fazem, oferecendo dados térmicos consistentes e sob demanda — mesmo com cobertura de nuvens.” Segundo Gulde, isso é possível com dados de temperatura, ao contrário de dados visuais, porque a temperatura é uma variável ambiental bem compreendida e governada por leis físicas.
“Para os produtores e o agronegócio, isso representa um acesso em tempo real à saúde das lavouras e à dinâmica da água, todos os dias,” disse Gulde. “Precisa decidir quando irrigar ou ajustar a aplicação de nitrogênio? A plataforma fornece orientações claras, em nível de pixel. Está planejando a colheita ou gerenciando a volatilidade da cadeia de suprimentos? O Atlas detecta padrões regionais de estresse antes que se tornem crises.”
Gulde afirma que, no fim das contas, estamos passando de ‘fotos’ para fluxos de inteligência. “Isso transforma a forma como a agricultura lida com a incerteza — de reativa para resiliente,” acrescentou. Ele explica que a objetividade permite criar parâmetros comparativos entre biomas e regiões geográficas. Ao mapear como as culturas respondem a determinados limiares de estresse térmico em diferentes climas, é possível desenvolver modelos globais de referência para otimização de produtividade, necessidades de irrigação e alertas antecipados. “Esses não são apenas indicadores abstratos — são ferramentas preditivas para decisões locais e políticas globais de segurança alimentar”, diz Gulde.
Ele completa que, com o Atlas, a empresa pretende construir o primeiro padrão térmico global, calibrado por IA, para a agricultura. “Pense nisso como um índice agronômico global — baseado não em suposições, mas em física da temperatura”.

A Constellr é uma startup alemã de tecnologia espacial especializada em monitoramento térmico da Terra por meio de satélites
Tecnologia e resiliência climática
A variabilidade climática está pressionando cada vez mais o desempenho das sementes. Em sistemas agrícolas protegidos, como estufas de tomates e pimentões, o aumento das temperaturas, mudanças no comportamento de pragas e surgimento de novas doenças podem impactar rapidamente os resultados das colheitas. O vírus do mosaico marrom do tomate, identificado pela primeira vez no Oriente Médio em 2015, já se espalhou pela América do Norte, causando perdas de até 70% em algumas operações.
“Padrões climáticos imprevisíveis — incluindo secas, enchentes e alterações no comportamento das pragas — dificultam cada vez mais o planejamento e podem impactar seriamente a produtividade,” disse Beltran. “O clima é o desafio mais difícil porque está totalmente fora do nosso controle.” Os produtores estão recorrendo à tecnologia para estabilizar os resultados.
“Produzir sem dados no clima atual é como navegar sem bússola — é possível, mas arriscado. Estamos vivendo uma era em que a variabilidade climática, não apenas a mudança climática, é o grande desafio,” disse Gulde. “A escassez de água, as ondas de calor e as estações de cultivo irregulares deixaram de ser exceções — estão se tornando a norma.”
Gulde afirma que, sem dados de alta frequência e em escala de campo, as decisões são adiadas, os recursos são mal utilizados e as colheitas são comprometidas. “É uma receita para vulnerabilidades sistêmicas.”
“Acreditamos que a inteligência térmica é a camada que falta na resiliência climática,” disse Gulde. “Ela nos dá o pulso do planeta — como o calor se move, como a água evapora, como o estresse se acumula. Isso não é apenas útil; é essencial.”
“Em um futuro rico em dados, não apenas esperamos que as coisas deem certo — sabemos quando estão prestes a dar errado e agimos a tempo,” acrescentou Gulde. Os insights extraídos desses dados oferecem aos produtores a capacidade de monitorar e responder ao estresse ambiental em tempo real, incluindo variações de temperatura, risco de doenças e pressão de pragas, dentro da plataforma FarmRoad. “Isso ajuda a manter a saúde das lavouras em condições cada vez mais imprevisíveis,” afirmou Keiller.
Jessett afirma que a Costa sempre buscou adotar práticas agrícolas inovadoras e baseadas em tecnologia para lidar com os riscos e oportunidades trazidos pela variabilidade climática.
O programa genético e de melhoramento de mirtilos da Costa está em operação há mais de 25 anos, e a empresa desenvolveu variedades que podem ser cultivadas em diferentes climas, incluindo zonas temperadas e subtropicais. “Os dados e a tecnologia têm desempenhado um papel importante nisso,” disse Jessett. “Especialmente na forma como aumentaram nossa capacidade de mitigar riscos climáticos extremos, implementar novas práticas agronômicas, como cultivo fora do solo em substrato com cobertura protetora, e ser mais eficientes e direcionados no uso de recursos naturais, especialmente a água.”
“É por isso que nossos mirtilos têm sido cultivados com sucesso em regiões que incluem os estados do norte e sul da Austrália, África, sul da China e Américas,” disse Jessett. “Nosso programa de melhoramento está adotando progressivamente tecnologias avançadas, incluindo Seleção Assistida por Marcadores (MAS), genômica e fenotipagem objetiva de alto rendimento.”
Jessett diz que a expansão da empresa para o Laos é uma extensão natural de todo esse desenvolvimento. “Estar em uma região com temperatura mais amena, baixa latitude e capaz de fornecer produção antecipada complementa nossas operações na China,” acrescentou.
Gulde conclui dizendo que, ao mapear como as culturas respondem a limiares específicos de estresse térmico em diferentes climas, é possível desenvolver modelos de referência globais para otimização da produtividade, necessidades de irrigação e alertas antecipados. “Esses não são apenas indicadores abstratos — são ferramentas preditivas tanto para decisões locais quanto para políticas globais de segurança alimentar,” disse Gulde.
* Jennifer Kite-Powell é colaboradora sênior da Forbes EUA, onde escreve sobre tecnologia, com foco em inovação, ciência e sustentabilidade.