
A relação entre a escolha de um novo papa, em um conclave que começa hoje (7), e a alimentação é histórica e repleta de significados. Há mais de setecentos anos, regras dietéticas — algumas ainda válidas nos dias atuais — vêm acompanhando os bastidores das eleições papais. O ponto de partida para essa tradição remonta ao século 13, durante o Conclave mais longo da história, que se estendeu por 1.006 dias. Entre 1268 e 1271, dezenove cardeais reunidos no Palácio dos Papas, em Viterbo, enfrentaram impasses profundos quanto ao sucessor de Clemente IV. A demora gerou protestos populares e impôs pressão externa.
Foi somente em 1º de setembro de 1271 que se chegou a um consenso, com a escolha de Gregório X. Determinado a evitar repetições de tamanha lentidão, o novo pontífice instituiu normas severas para os conclaves seguintes. Entre elas, figurava o controle rigoroso da alimentação dos eleitores.
Conforme previsto na constituição apostólica Ubi Periculum, de 1274, após três dias de votação sem resultado, os cardeais passariam a receber apenas uma refeição diária. Se o impasse persistisse por cinco dias, o cardápio seria reduzido a pão, água e vinho. A intenção era clara: dificultar a procrastinação por meio do cansaço físico. Na época, a crença era de que a privação ajudaria o homem a se elevar a Deus e ao Espírito Santo. Hoje, o rigor é mais brando por causa da idade avançada de muitos cardeais, mas a austeridade é regra.
Cozinha sob confidencialidade
Na Idade Média, a escassez de alimentos na mesa dos cardeais era um artifício deliberado. Atualmente, a dieta é mais equilibrada, mas ainda reflete o clima de recolhimento e foco absoluto. Por exemplo, assim como no passado, continua proibido levar alimentos de fora para os espaços internos do Vaticano.
Bento XVI, que foi papa entre papa de 19 de abril de 2005 até 28 de fevereiro de 2013, reforçou essa norma ao exigir que todos os envolvidos no serviço da Casa Santa Marta — residência dos cardeais durante o Conclave — façam um juramento de sigilo com a mão sobre o Evangelho, inclusive os que trabalham nas cozinhas .
Por esse motivo, o cardápio oficial do Conclave não é divulgado em detalhes. Mas alguns pratos proibidos são de conhecimento geral, como as pesadas carbonara e as frituras. Reza a lenda que aspargos são evitados por causarem efeitos colaterais indesejados em ambientes fechados . Outro detalhe público são as sobremesas, geralmente composta de doces simples, como tortas e biscoitos secos, e servidos ocasionalmente.
O cardápio da votação no conclave
Durante o período do Conclave, as refeições seguem uma lógica de leveza e simplicidade. O café da manhã costuma ser básico, composto por café ou chá, pão e geleia. No almoço, carnes brancas ou peixes são acompanhados por vegetais cultivados nos próprios jardins do Vaticano. O jantar, ainda mais comedido, traz cereais, legumes da estação e peixe assado ou no vapor. A ideia é evitar digestões pesadas.
A culinária oferecida se inspira nas raízes italianas. Entre as curiosidades gastronômicas está um prato emblemático, chamado “Pasta del Conclave”, uma tradição composta de uma massa simples com manteiga e parmesão, simbolizando a sobriedade do evento.
Bebidas alcoólicas destiladas são vetadas. Mas o consumo de vinho é autorizado com moderação. Não por acaso, não é raro que alguns cardeais aproveitem os momentos que antecedem o isolamento para desfrutar de refeições mais elaboradas nos arredores do Vaticano, sabendo das restrições pela quais passarão.
A fazenda do Vaticano em Castel Gandolfo
Embora o Vaticano seja o menor país do mundo em extensão territorial, ele mantém uma operação agrícola fora de seus limites murados: trata-se da Fazenda Pontifícia de Castel Gandolfo, localizada a cerca de 25 quilômetros ao sul de Roma, às margens do lago Albano. São 55 hectares de área produtiva — dimensão superior à do próprio território vaticano —, administrados pela Santa Sé para fornecer alimentos frescos à residência oficial do papa, à Casa Santa Marta, além de abastecer cardeais e membros da Cúria Romana.
Criada em 1930 por iniciativa do Papa Pio XI, a fazenda é parte das Vilas Pontifícias, tradicionalmente usadas como refúgio papal durante os meses de verão. Desde sua fundação, a propriedade combina manejo agrícola clássico com uma gestão cuidadosa dos recursos naturais, sendo considerada um modelo de produção integrada e de sustentabilidade no contexto religioso e institucional da Igreja Católica.
A produção de hortícolas é ampla e variada. Entre os cultivos regulares estão abobrinhas, berinjelas, pimentões, cenouras, couve-flor e brócolis. Também há uma presença expressiva de árvores frutíferas, como macieiras, pessegueiros, ameixeiras, caquizeiros e até videiras. A produção de uvas serve à vinícola, de onde saem bebidas como o Cesanese del Piglio e rótulos brancos elaborados a partir das variedades Trebbiano e Malvasia , que são variedades típicas da região do Lácio.
O azeite de oliva também é uma das especialidades da propriedade. Extraído a frio, com métodos tradicionais e uso de moinho de pedra, o produto vem de oliveiras centenárias. Sem o uso de pesticidas ou aditivos químicos, o cultivo respeita princípios de preservação ambiental e se alinha ao discurso crescente do Vaticano em defesa da ecologia integral, como expresso na encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco.
No setor pecuário, a fazenda mantém um rebanho com cerca de 80 vacas leiteiras. O volume médio de produção é de 800 litros de leite por dia, utilizado para a fabricação de derivados como queijos artesanais — incluindo muçarela e primosale —, manteiga e iogurtes. Além do gado leiteiro, há também a criação de galinhas, coelhos, perus e, por um período, já foram criados avestruzes. Curiosamente, parte da alimentação das galinhas é composta por restos de hóstias não consagradas, produzidas por freiras beneditinas. O excedente da produção, embora não comercializado em grande escala, costuma ser oferecido a funcionários do Vaticano e moradores locais, especialmente em ocasiões festivas ou iniciativas pontuais.