Uma série de tuítes em português na noite da última sexta-feira (20), feitos pelo CEO global do Grupo Carrefour, Alexandre Bompard, dava a dimensão da crise aberta na marca após a morte de João Alberto, 40, em uma loja da rede em Porto Alegre na véspera (19) do Dia da Consciência Negra no Brasil. O assassinato motivou protestos ao redor do país e jogou ainda mais pressão na imagem da companhia, já bastante desgastada por crimes e atos racistas que aconteceram apenas nos últimos anos em suas instalações.
Ontem, as ações do Grupo caíram 5,3% na sessão da B3, no pior desempenho entre os papéis que compõem o Ibovespa, uma perda de valor de mercado de R$ 2,16 bilhões. Na França, sede do grupo Carrefour, os papéis da companhia acumulavam queda de 6,97% nos últimos cinco dias às 9h37, horário de Brasília.
“A liderança da organização está em cheque. O caso destrói os pilares sociais e de governança nas práticas ESG e tudo isso faz com que os investidores entendam que há um grande risco reputacional para a companhia. Hoje esse risco reputacional está precificado,” explica Dario Menezes, diretor executivo da Caliber no Brasil, consultoria internacional com sede na Dinamarca e foco em gestão de reputação corporativa.
“Essa é a resposta que estamos acostumados a receber em estabelecimentos comerciais. A prática de levar para uma salinha seguida de agressão por ser negro é algo corriqueiro para os brasileiros negros. Eu já fui agredido por tentar comprar um tênis à vista em uma loja por seguranças que imaginaram que o dinheiro vinha de um roubo. A gente sempre entra nos comércios tentando mostrar a bolsa, deixando as mãos ao alcance da visão dos seguranças, porque infelizmente a resposta com violência é algo comum no Brasil”, afirma Luiz Roberto Lima, fotógrafo e ativista pela igualdade racial.
Em um dos esforços para reduzir o impacto negativo na imagem da companhia, o Carrefour anunciou na noite de ontem a criação de um fundo para promover a inclusão social e combate ao racismo, com aporte inicial de R$ 25 milhões, montante que irá se somar às vendas das lojas no dia 20 de novembro, que a companhia prometeu destinar a iniciativas de combate ao racismo no país.
Na análise do executivo da Caliber, o desafio de reconstruir a confiança perdida na marca passa por uma comunicação com mais empatia às demandas da sociedade, demonstrando na prática o que será feito para que situações como essa não se repitam no futuro. “Seja na contratação direta ou de terceirizados, o que vai mudar na orientação, no treinamento e na supervisão dos colaboradores do Carrefour?”, questiona.
Para o economista e sócio da BRA, escritório credenciado da XP Investimentos, João Beck, como reincidente, o Grupo precisa efetuar uma reciclagem completa no treinamento dos funcionários, assim como uma auditoria rigorosa nos terceirizados. No curto prazo, os impactos diretos poderão ser observados em pressão nos estoques com o anúncio do fechamento temporário de algumas lojas, afetando a faturamento da companhia no Brasil no quarto trimestre.
“Não somente o Grupo Carrefour, bem como todas as empresas terão que ser rigorosos com práticas ESG. Os que esperarem aderir às práticas ESG após um tragédia pagarão um preço maior. Não somente consumidores, mas também conglomerados de investidores institucionais são rigorosos na fiscalização de todos os itens que compõem as três letrinhas e eles estão com o dedo no botão de saída ao primeiro sinal de danos ao meio ambiente e atos racistas. A empresa é punida dos dois lados: pelo consumidor e pelos investidores,” afirma Beck.
“Tudo isso é reflexo da falta de diversidade na contratação de profissionais para os espaços de poder, seja no Carrefour ou em outras empresas brasileiras. As companhias precisam ter uma política de diversidade real. Não adianta ter discurso, se na hora de contratar os responsáveis pela administração isso não se aplica. Isso tem que ser cobrado das empresas terceirizadas também. Quanto mais essa questão é relegada, mais casos como este acontecem,” avalia Lima.
Em fato relevante à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a companhia afirmou que “não compactua com esse tipo de atitude e que está adotando todas as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos nesse ato criminoso.” Segundo o Carrefour, as equipes de lojas passaram por treinamentos nos dias 21 e 22 de novembro “para reforçar os compromissos com a diversidade e contra a intolerância e violência.”
O Carrefour anunciou ainda a criação de um comitê independente de diversidade, formado por “colaboradores e especialistas externos em inclusão racial que terá o compromisso de criar ações em curto prazo para atuar na revisão de processos do Carrefour e no combate ao racismo estrutural no Brasil.”
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