A COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Glasgow, que começou em 1 de novembro e terminou na sexta passada (12), não nos aproximou muito do cumprimento da meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global bem abaixo de 2, ou de preferência 1,5 graus Celsius abaixo dos níveis pré-industriais. No entanto, o “Pacto Climático de Glasgow” estabeleceu uma base que poderia permitir uma intensificação da ação climática.
Entre os resultados positivos está um claro entendimento de que os combustíveis fósseis eventualmente precisarão ser eliminados, promessas de aumentar o financiamento climático e lidar com questões de justiça climática, e regras e padrões gerais sobre a contabilização de crédito de carbono para esse mercado. Os governos também concordaram em fortalecer seus planos nacionais, “conforme necessário”, até que a COP27 se reúna no Cairo em 2022.
LEIA TAMBÉM: UE propõe lei que proíbe importação de mercadorias ligadas ao desmatamento
Apesar de tudo isso, a concentração de emissões na atmosfera continua aumentando e o tempo de virar a maré está acabando. A má notícia é que as emissões de carbono permanecem na atmosfera por centenas de anos. Os cientistas nos dizem que, para evitar as piores consequências, as emissões globais precisariam ser reduzidas em 50% até 2030. Alcançar isso é uma tarefa difícil em qualquer medida. Mas ela é factível e quais medidas precisariam ser implementadas para que isso fosse realizado?
1) O relacionamento EUA-China é a chave
Os EUA e a China não são apenas os maiores emissores do mundo, eles também têm o poder de mudar o curso no front climático. O Acordo de Paris só foi possível porque os líderes desses dois países concordaram em colaborar. Tragicamente, os EUA e a China estão atualmente envolvidos em um tradicional jogo de poder, rivalidade e competição. Infelizmente, as antigas doutrinas de poder ainda governam a política moderna e as relações exteriores. Como a mudança climática provocada pelo homem está se tornando uma ameaça existencial para a humanidade, seria de se esperar que a política de grandes potências pudesse dar lugar à união de forças contra um novo inimigo – a mudança climática. Os Estados Unidos e a China têm a oportunidade histórica de abrir um novo capítulo na história da humanidade em que a colaboração supera os mitos do passado. Para que isso aconteça, a diplomacia climática deve se tornar a nova moeda das relações internacionais. Certamente, a UE e outros estariam dispostos a ingressar em um clube cujo objetivo é maior do que qualquer aspiração nacional jamais poderia ser.
2) Políticos — hora de aceitar a verdade
Muitos políticos em todo o mundo, inclusive na Alemanha e nos Estados Unidos, não estão dispostos a arcar com os verdadeiros custos da inação e, portanto, não conseguiram criar a vontade política necessária e o consenso para a ação climática. Na Alemanha, por exemplo, até o Partido Verde tem criado a impressão de que a descarbonização é em grande parte uma questão de regulamentação do setor, mas não explica que todos terão que fazer sua parte. Nos Estados Unidos, os políticos têm prometido preços baixos do gás e estão pedindo à OPEP para explorar mais combustíveis fósseis, enquanto afirmam a liderança climática no cenário internacional. Se os políticos explicassem a necessidade urgente de ação em vez de serem apanhados em ciclos eleitorais de curto prazo e disputas de popularidade, a maioria dos eleitores faria de bom grado a sua parte para garantir a sua própria segurança e o bem-estar futuro do mundo.
3) Finanças climáticas e justiça — hora de levar a sério
Existem argumentos morais e econômicos convincentes para aumentar significativamente o financiamento do clima para os países em desenvolvimento e para cobrir, pelo menos parcialmente, as perdas e danos que as pessoas nesses países já estão sofrendo devido à mudança climática sem tê-la causado. Os países da OCDE têm a obrigação histórica de fazer muito mais. Aumentar o financiamento climático, no entanto, não é apenas uma obrigação moral. Também deve ser do interesse nacional dos países ricos. Financiamento e compensação climática são investimentos que evitarão calamidades futuras muito mais caras, como refugiados climáticos e cadeias de suprimentos interrompidas, que em última instância terão que ser enfrentadas.
4) Soluções e tecnologia baseadas no mercado — acelerando as transformações do mercado
Os mercados começaram a antecipar um futuro restrito pelo carbono, os investidores estão cada vez mais integrando os riscos climáticos em suas análises e as empresas estão adotando a transição dos modelos da era industrial movidos a combustíveis fósseis. De acordo com a Bloomberg NEF, desde o Acordo de Paris em 2015, mais de US$ 2 trilhões foram investidos em tecnologias verdes. A promessa e a inevitabilidade do crescimento verde estão estimulando a P&D. A descarbonização, muitas vezes associada à digitalização, é agora amplamente vista como um impulsionador da competitividade. Os políticos são aconselhados a se concentrar mais nas oportunidades de crescimento verde. Eles podem fazer muito para apoiar a transformação, principalmente por meio de precificação eficaz do carbono e investimento em infraestrutura de apoio.
Dois anúncios importantes nas margens do evento de Glasgow trazem a promessa de maior responsabilidade neste importante espaço voluntário. A plataforma líder mundial para compromissos de negócios em descarbonização, a SBTi (Science-Based Targets Initiative) estabeleceu um padrão para garantir net-zero compromissos. Com mais de 2.000 membros corporativos em crescimento, agora existe a chance de estabelecer um padrão ouro global. Igualmente importante é a recente criação do ISSB (International Sustainability Standards Board) para estabelecer uma linha de base para divulgações de sustentabilidade.
A dinâmica do setor privado está cheia de contradições e, às vezes, hipocrisia, mas a direção da mudança é clara. As iniciativas baseadas no mercado são importantes não apenas pelo que realizam por si mesmas, mas também pelo que fazem como desbravadoras de caminhos e formadoras de opinião. Mas não podemos esperar que a tecnologia verde supere os modelos de negócios antigos — isso levaria muito tempo. E se as emissões não tiverem preços altos o suficiente, muitas promessas de descarbonização não serão cumpridas.
A ação governamental e a cooperação continuarão sendo essenciais. Como o The Economist afirmou recentemente de forma incisiva, mesmo se todos os investimentos ocidentais se tornassem verdes, apenas 14% a 32% da produção global de combustível fóssil seria afetada, uma vez que a maioria das empresas estatais de carvão, petróleo e gás não operam sob a influência de instituições privadas, investidores ou banqueiros privados. Mesmo a eliminação progressiva do uso de combustíveis fósseis no mundo ocidental seria insuficiente, já que a parcela do PIB global dos países não pertencentes à OCDE é agora superior a 50%. Simplesmente não há maneira de contornar a cooperação entre governos quando se trata de mudança climática, seja por meio de abordagens multilaterais, bilaterais ou baseadas em clubes.
Parece que um quarto de século de diplomacia climática internacional preparou o cenário para o jogo final. Os formuladores de políticas precisarão redescobrir a colaboração e as mudanças climáticas precisam subir na agenda em todos os domínios da política nacional e internacional. Abordagens baseadas no mercado, como precificação efetiva do carbono, agora são críticas para apoiar as transformações do mercado que já começaram em todos os setores da economia. O crescimento verde vai ganhar peso, mas precisa ser acelerado. Há agora um prêmio para empresas e investidores em responsabilidade e ações de curto prazo, em vez de no estabelecimento de metas elevadas para décadas no futuro.
* Georg Kell é colaborador da Forbes USA e presidente do conselho da Arabesque, empresa de tecnologia que usa IA e big data para avaliar o desempenho de sustentabilidade para análise de investimento e tomada de decisão. Também é diretor fundador do Pacto Global das Nações Unidas, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo. Durante quase três décadas nas Nações Unidas, trabalhou diretamente com os ex-secretários-gerais Kofi Annan e Ban Ki-moon.