Com a lei que estende a contratação da maior termelétrica a carvão do país até 2040, o setor carbonífero espera atrair investimentos inclusive em iniciativas de descarbonização, disse um representante da indústria, em meio a críticas e pressão pelo abandono da fonte poluente.
A promessa é de que, com um novo marco legal, a indústria carbonífera brasileira vai se modernizar e poderá neutralizar suas emissões de carbono com projetos inovadores, afirmou Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), à Reuters.
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“O que estamos fazendo é construir uma indústria de carvão descarbonizada. Para isso, tínhamos que ter um marco regulatório”, disse Zancan à Reuters.
Sancionada ontem (5), a Lei 14.229 determina que o governo compre, até 2040, energia de reserva de Jorge Lacerda, complexo termelétrico com 857 megawatts (MW) de potência que é movido a carvão nacional, extraído em Santa Catarina.
O texto também cria o “Programa de Transição Energética Justa” (TEJ), com o objetivo de promover uma transição sustentável para o pólo carbonífero do Estado. Segundo Zancan, a partir da lei, a indústria espera atrair investidores para projetos já em desenvolvimento.
A fonte de recursos para o carvão vem secando com o fortalecimento da agenda de transição energética. No ano passado, o BNDES anunciou que deixaria de investir em térmicas a carvão.
Uma das principais apostas do setor é uma planta piloto de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS, na sigla em inglês) instalada em Criciúma (SC). Mantido pelo Centro Tecnológico Satc (CTSatc), o projeto estuda a captura de CO2 a partir de um processo de adsorção à zeólita, um mineral sintético produzido com a própria cinza do carvão. Hoje, a tecnologia já é capaz de capturar 50% do carbono emitido. Já foram investidos 11 milhões de reais no projeto por parte de entes públicos e privados.
Para o presidente da ABCM, tecnologias de captura de carbono serão necessárias para perenizar outras fontes além do carvão, como o gás natural. “Vamos ter que ter uma matriz (elétrica) equilibrada, compensando a intermitência (das renováveis)”, avalia.
Zancan afirma ainda que a entidade buscará articular com o Congresso legislações semelhantes para outras regiões produtoras de carvão no país, como Rio Grande do Sul e Paraná.
O pólo carbonífero de Santa Catarina é o maior do país, e sua situação começou a ser discutida mais intensamente pelo governo nos últimos anos. Quase toda a produção de carvão da região é direcionada à termelétrica Jorge Lacerda, que, antes da lei, só contava com subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para a compra do carvão até 2027.
O município de Capivari de Baixo, onde está instalado o complexo termelétrico Jorge Lacerda –vendida em agosto pela Engie a uma empresa da Fram Capital–, é o maior emissor de CO2 do Brasil por área, com 85.633 toneladas de CO2 por km2, segundo um levantamento do Observatório do Clima. A lei que estende a contratação de Jorge Lacerda recebeu várias críticas de entidades do setor elétrico e grupos ligados ao meio ambiente.
Contrária à medida, a associação dos grandes consumidores de energia (Abrace) calcula que a compra compulsória da energia proveniente do complexo impõe aos consumidores custos anuais de cerca de 2,24 bilhões de reais.
“Prorrogar a queima do carvão não é uma resposta para o que o próprio título do programa propõe, que é uma ‘transição energética’. Transição significa sair de algo para começar outro. E do ponto de vista do setor elétrico, o carvão é uma coisa do passado para o Brasil”, afirma Roberto Kishinami, coordenador do portfólio de Energia Elétrica do Instituto Clima e Sociedade.
Para Kishinami, o governo poderia ter remanejado o valor bilionário de subsídios que já estavam previstos para o complexo até 2027 para a estruturação de um programa de realocação de trabalhadores e recuperação ambiental da região, dispensando a recontratação da termelétrica.