No dia 28 de maio, o então candidato à presidência Eduardo Campos, falecido nesta quarta-feira (13) em um acidente de avião, deu uma entrevista exclusiva à FORBES Brasil, publicada na edição de junho. Veja a seguir a matéria na íntegra:
Eduardo Campos chega à redação de FORBES Brasil e, como bom político, faz questão de cumprimentar todos os presentes. Acomoda-se na sala onde iríamos fazer a entrevista e começa a contar histórias de campanha. Uma delas: na última eleição para governador, acordava às 4 horas da manhã e visitava três feiras antes das 7 horas. “Enquanto meus adversários estavam acordando, eu já tinha apertado a mão de quase 500 pessoas”, lembra. “Nesta eleição para presidente, vai ser a mesma coisa.” Economista, Campos governou Pernambuco desde 2007, sempre muito bem avaliado.
Ele discorda veementemente de seus detratores, que nos últimos meses começaram a levantar dados segundo os quais seu estado estaria muito atrasado em termos de desenvolvimento humano. Para ele, um governador conivente com o atraso não seria reeleito com 83% dos votos, como foi seu caso em 2010. Com uma silhueta esguia, seu uniforme de campanha é calça jeans, blazer azul e camisa branca sem gravata. Enquanto muito políticos, como Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Maluf e José Serra, preferem ir às ruas sem relógio, Campos carrega no pulso, discretamente, um Rolex Oyster Perpetual modelo Date Just II. É início da tarde e sua equipe está visivelmente extenuada. Ele, contudo, está ligadíssimo e disposto. O corpo a corpo com os eleitores parece dar-lhe energia extra, tanto que aguentou o assédio pós-entrevista com galhardia e um sorriso no rosto. A seguir, a entrevista que o candidato deu a FORBES Brasil, a primeira que publicamos dos principais presidenciáveis.
FB: O seu partido, o PSB, tem a palavra “socialista” no nome. Quais são suas propostas para os capitalistas que leem a revista FORBES Brasil?
EC: Hoje, o que deve nos unir é a busca com o desenvolvimento da economia com qualidade. Preocupação com a inclusão social e sustentabilidade. Como fazer isso num mundo pós-crise? Primeiro, é preciso melhorar o ambiente de negócios. Precisamos de regras seguras para passar confiança aos que vão empreender. O mais importante, num país capitalista como o Brasil, é não ter preconceito nem com o empresário, nem com o lucro. Depois, precisamos promover regras bem feitas nos setores estratégicos. E fazer o dever de casa na macroeconomia. Para isso, precisamos colocar a inflação de volta ao centro da meta.
Para o centro da meta ou para 3% ao ano?
Precisamos primeiramente assumir o compromisso de atingir o centro da meta, que é de 4,5% anuais, para que depois possamos reduzir o objetivo para um padrão que existe bem ao nosso lado. O Chile, por exemplo, tem uma inflação de 3%. Mas isso ficaria para outro ciclo, depois dos primeiros quatro anos de governo.
FB: O senhor é partidário da independência do Banco Central?
EC: Nosso compromisso é o de termos um tripé que conta com um BC independente, política fiscal forte e política monetária sintonizada com as necessidades macroeconômicas. Além disso, é urgente reduzir o chamado Custo Brasil. Vamos precisar do capital privado para entregar a infraestrutura que o Brasil precisa. O Banco Mundial estima que gastamos US$ 240 bilhões a mais ao ano para fazer frente à falta de infraestrutura.
FB: Como compatibilizar a queda da inflação com o crescimento econômico?
EC: É uma equação difícil de conseguir, mas não impossível. O que não se pode é acreditar na história da carochinha na qual é possível trocar um pouco de inflação por um pouco de crescimento. O governo fez isso e o resultado foi baixo crescimento com alta de preços. Não tem mágica, mas na medida em que houver um plano de longo prazo, transparência nas contas públicas, usar a criatividade para impulsionar a economia, podemos crescer com baixas taxas de inflação.
FB: Quais os maiores desafios do país?
EC: Há um desafio central: rever a burocracia. Precisamos simplificar o sistema tributário e a relação do estado com o cidadão. Temos que fazer um grande esforço em inovação e educação. Trata-se de uma agenda que não é realizada num mandato. Mas temos uma proposta que deve unir o Brasil: alavancar a educação. Isso se dá ao ampliar os programas de creches e oferecer educação integral a todos. A ideia é acabar com o apartheid social que vivemos através da educação.
FB: Simplificar o sistema tributário ou promover uma reforma tributária?
EC: Temos hoje no Brasil todos os modelos de reforma tributária, para todos os gostos, nas prateleiras do Congresso Nacional, na academia brasileira ou junto aos fóruns empresariais. Por que o Fernando Henrique não conseguiu fazer a reforma e a carga tributária até subiu um pouco durante sua administração? Por que aconteceu o mesmo com o Lula? Os dois, no processo, ainda reduziram os repasses federativos para os estados e municípios. Por que isso? Porque se insiste em fazer uma reforma tributária para o ano seguinte. No final, esses governos acabaram fazendo microrreformas que aumentam o caixa federal, que impactam no Custo Brasil, que impactam na competitividade do país. E que terminam impactando na inflação, pois os empresários formam seu preço já pensando na criação de novos tributos no futuro. Precisamos fazer isso logo no primeiro ano de governo, mas com uma visão de médio prazo.
FB: O senhor pretende desonerar a folha de pagamento das empresas?
EC: Precisamos fazer uma política progressiva de desoneração para aumentar a formalização do mercado de trabalho do Brasil. Tudo o que possa ser feito na busca de uma solução terá de ser feito em conjunto, com empresários e sindicatos. Nosso foco estará nos setores intensivos de mão de obra, mas também precisamos observar atentamente aqueles segmentos nos quais é necessário retomar competitividade nos mercados internacionais. O Brasil, hoje, tem 3% do PIB internacional e apenas 1,3% do comércio exterior. Somente aqui, temos uma oportunidade fantástica para fazer acordos bilaterais que abram o mercado para produtos internacionalizados. O início desse processo se dará com a desoneração da folha.
FB: Sua campanha vem sendo marcada por um discurso de equilíbrio, a ponto de reconhecer pontos positivos nas gestões FHC e Lula. O senhor também consegue ver qualidades na gestão Dilma?
EC: Coube ao PSDB levar o Brasil a uma transição econômica, na qual se estabilizou a moeda e as contas públicas. O PT tem dificuldade em reconhecer esses pontos. Mas o PT, para ganhar as eleições, teve de garantir, através da Carta aos Brasileiros, que iria manter as mesmas condições de mercado de antes. O Lula, porém, foi além. Ele alargou o mercado interno, deu acesso ao ensino técnico, iniciou os grandes projetos sociais, como o Bolsa Família… Essas coisas todas não podem ser negadas, como faz o PSDB, que enxerga o governo Lula apenas pelos erros e pelas insuficiências. A expectativa era de que o governo Dilma desse sequência a essas conquistas. Mas ela não conseguiu liderar esse processo.
FB: O senhor já disse que a corrupção é fruto do modelo de alianças políticas fisiológicas. Como compatibilizar esse conceito com as necessidades práticas do dia a dia entre Executivo e Legislativo?
EC: Uma parte desse trabalho quem vai fazer, agora, é a sociedade, tirando com voto um monte de gente que está fazendo política da maneira errada. O restante, nós faremos, colocando na oposição quem pensa da maneira antiga. Se, no passado, tiramos os generais do comando de um poder autoritário ou derrotamos a inflação, por que o Brasil precisa ficar de joelhos diante da corrupção, quando a sociedade mostra todo o seu desprezo contra o fisiologismo? Um governo que tiver a coragem de fazer isso terá o apoio da sociedade para obter a maioria no Congresso Nacional.
FB: Como envolver a sociedade nesse processo?
EC: Não tem outro caminho para resolver a equação que está dada na sociedade brasileira para a prova de 2014: é preciso reduzir carga tributaria e entregar melhores serviços. Como fazer isso? Se entre a captação de recursos e a entrega de serviços estiver tudo o que é ruim na política, o cenário é o pior possível. Por isso, é preciso mudar a prática política. Quem representa essa mudança é a nossa candidatura, até porque as outras duas forças que disputam a eleição já comandaram o país do jeito antigo de fazer política. O episódio da aprovação da emenda de reeleição de FHC é muito parecido com o cenário político pós-2005 no governo Lula.
FB: Entre os empresários, há grande preocupação em relação à candidata a vice de sua chapa, Marina Silva. Qual o papel que ela terá no governo?
EC: Antes de tudo, vamos destacar o papel que ela terá em nossa campanha. A decisão que ela tomou, de vir ao nosso encontro, foi de maturidade política. Merece nosso reconhecimento. Permitiu que perfis complementares se unissem para oferecer uma saída segura e viável para governar o país. Vamos apresentar um programa de governo, que será como contrato de trabalho. Teremos que cumprir o que estiver escrito. Isso vale para mim, para ela e para todos em nossa equipe.
FB: O agronegócio é hoje um dos pilares de nossa economia. Há uma preocupação neste setor com o que pode ocorrer se for eleito um governo que tem na vice-presidência uma ambientalista como Marina Silva. Como o senhor lida com essa preocupação?
EC: Nosso governo vai trazer muitas oportunidades ao agronegócio. Eu conheço o mundo rural, pois dele eu vim – eu morei nos meus primeiros anos de vida numa propriedade rural. A visão que a Marina tem da questão ambiental não é uma visão conservacionista. É uma visão socioambiental. Hoje, o agronegócio brasileiro é inovador. Seus resultados têm a ver com pesquisas e novas técnicas.
FB: É possível compatibilizar sustentabilidade radical e crescimento?
EC: O mundo urbano vê o mundo rural como se fosse algo antiquado, mas isso não é verdade. Para o agronegócio, a parceria com a sustentabilidade é fundamental. O consumidor que está no Brasil urbano ou no exterior é cada vez mais ligado nas questões relativas ao meio ambiente. Se ele souber, por exemplo, que um produtor de carne desmatou uma floresta, nem vai quer saber daquela marca. Grandes redes de supermercado, no mundo inteiro, têm compromissos de não comprar de fornecedores não sustentáveis. Tenho certeza de que se sentarmos na mesma mesa, os empresários do agronegócio vão ver que não há incompatibilidade entre crescimento e sustentabilidade.
FB: Há algum setor que precise de ajuda urgente do governo?
EC: Há um setor que demonstra uma situação que perde importância ano após ano: a indústria brasileira. O país não pode abrir mão de ter uma indústria competitiva. No passado, nos anos 70, o Brasil focou em setores como semicondutores, mas perdemos essa corrida. Hoje, há oportunidades na biotecnologia verde, na biotecnologia vermelha, setores da indústria de remédios, como os biológicos.
FB: Recentemente, o senhor declarou-se contra o aborto, como a ex-ministra Marina Silva. E sobre o casamento gay, qual é sua opinião?
EC: Eu separo o que é o Estado e o que é a Igreja. Tenho uma formação católica e nunca misturei minha fé com a minha atividade de parlamentar, ministro e governador. Neste caso, a Justiça Brasileira já decidiu, em suprema corte, que o casamento civil é um direito adquirido. Não se pode excluir de uma pessoa os direitos civis por conta de sua orientação sexual. É uma questão de direitos humanos. A pessoa tem o direito a sua orientação sexual e não pode ser discriminada por isso. A homofobia é uma discriminação e, como toda discriminação, deve ser combatida. Eu sei o que é discriminação política e não achei bom. Como é que eu posso concordar com discriminação cultural ou por orientação sexual? O Estado não pode impor a nenhuma Igreja sua opinião sobre uma determinada discriminação. Ao Estado cabe combater a homofobia.
FB: Já sofreu algum preconceito por ser nordestino?
EC: Por posições políticas, já. Mas por ser nordestino? (pausa) Sei que há pessoas que tem esse tipo de preconceito – talvez hoje menos do que já houve. Mas, pes-soal-mente, nunca sofri.