U ma vez por semana, em média, o empresário do ramo imobiliário Manoel Assunção dirige os poucos quilômetros que separaram seu escritório do aeroporto de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e embarca em um jato Embraer Phenom 100 pronto para decolar, à sua espera. O destino, invariavelmente, são cidades nas quais a empresa que fundou e comanda, a Ecoresort Empreendimentos de Ecoturismo, tem projetos em andamento. Assim, um dia normal de viagem a trabalho pode começar em Navegantes, Santa Catarina; Londrina, no Paraná; Caldas Novas, em Goiás, ou Arraial do Cabo, no litoral fluminense. Mas dificilmente terminará longe de casa. “Antes, perdia muito tempo me deslocando. Para ir a Caldas Novas, por exemplo, precisava voar até Goiânia e, de lá, alugar um carro. Levava um dia para chegar, pelo menos. Tinha que dormir em hotel”, diz o empresário de 68 anos.
A compra do jato, há cerca de um ano, mudou tudo. Assunção é morador do Rio de Janeiro, uma das cidades com maior frota de aviões executivos do país, ao lado de São Paulo e Belo Horizonte. Mas a história que conta é cada vez mais comum na diversa geografia econômica brasileira. O empresário faz parte de um grupo que prosperou nos anos de bonança desta e da última década e trocou as salas de embarque dos superlotados aeroportos nacionais pela promessa de conveniência da aviação executiva. Grandes corporações, como BRF, Santander, Banco Safra e Hyundai, têm hoje aeronaves próprias para transportar executivos e técnicos dentro e para fora do Brasil, sem o contratempo de horas de espera em frente a esteiras de bagagem, viagens em carros alugados e noites maldormidas em hotéis. Em fronteiras agrícolas do Centro-Oeste, do Norte e Nordeste, fazendeiros enriquecidos pela exportação de commodities formam um dos maiores grupos compradores de aeronaves.
No Nordeste, em particular, setores como varejo, infraestrutura, hotelaria, educação e finanças ajudam a puxar as vendas. Em grandes centros de serviços, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, firmas de consultoria, engenharia e advocacia também aparecem na lista.
De avião em avião, o Brasil se tornou em poucos anos um dos maiores mercados do mundo. De acordo com a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), entidade que elabora o anuário do setor, o mercado brasileiro de aviação com finalidades de negócios acompanhou a escalada econômica dos anos 2000 e continuou a crescer acima de 5% ao ano, mesmo após a crise econômica de 2008. Com o aumento das vendas, somente no ano passado o setor movimentou US$ 12,5 bilhões em aeronaves, exportação e venda local de peças e serviços e operação de frotas. São números ainda pálidos se comparados aos dos Estados Unidos, a referência em aviação executiva. Mas o Brasil já é o segundo em volume de vendas e número de aeronaves (são cerca de 14,5 mil, entre aviões e helicópteros).
“Existe dinheiro e existe motivo”, diz Rogério Andrade, presidente da Avantto, uma das principais empresas de gestão e venda de aeronaves compartilhadas no Brasil. “Os negócios no país se desenvolvem cada vez mais longe dos grandes centros, mas a aviação comercial tem baixa capilaridade e frequência nessas novas fronteiras econômicas.” Dos 5,5 mil municípios brasileiros, pouco mais de cem recebem voos regulares de companhias aéreas comerciais. Para piorar o quadro, mesmo viagens entre capitais de estados costumam exigir escalas em aeroportos centrais, como São Paulo e Brasília. Em contraponto, afirma Ricardo Nogueira, diretor e porta-voz da Abag, há pistas de pouso, ainda que de terra, em cerca de 3,5 mil municípios brasileiros.
O dólar relativamente estável e barato, predominante nos últimos anos, é apontado como outro fator de impulso à atividade por Volney Gouveia, professor e coordenador adjunto do curso de aviação civil da Universidade Anhembi Morumbi. Na aviação executiva, a moeda americana é a baliza de preço tanto de aeronaves quanto de peças de reposição, combustível e de parte dos serviços. Para grandes companhias, com acesso ao mercado internacional de capitais e necessidade de transportar grande número de executivos, o câmbio não chega a ser impeditivo. Mas costuma assustar quem estuda a primeira compra e pode adiá-la. “Se você for olhar para trás, no final de 2002, o dólar chegou a bater em R$ 4. Em momentos do pós-crise, como em 2011, chegamos a tê-lo por volta de R$ 1,50”, diz o professor da universidade paulista.
Nas grandes cidades, é o trânsito caótico, alimentado pela forte expansão da frota de automóveis em anos recentes, que impulsiona as vendas helicópteros de companhias como Robinson, Bell e Helibras, esta a única companhia do segmento com fábrica no país. São Paulo, por exemplo, é a cidade com a maior frota de helicópteros do mundo, a grande maioria para uso executivo.
Com a expansão da frota, a expectativa do mercado agora é de que a infraestrutura venha atrás. Uma das principais reclamações do empresariado do setor atualmente é o aumento no preço de operação em aeroportos públicos de grandes centros, como o Campo de Marte, em São Paulo. Há projetos em andamento que prometem aliviar a pressão gerada sobre os custos pela falta de espaço, como a construção de aeroportos privados destinados à aviação executiva. O Catarina, da JHSF, em São Roque (SP), é um exemplo. O Aerovale, em Caçapava (SP), outro. Em paralelo, para centros menores, o governo anunciou no final de setembro que tem prontos 230 estudos de viabilidade e trabalha em 140 anteprojetos de engenharia para tocar o programa de investimento em aeroportos regionais, anunciado em 2012 e orçado em R$ 7,3 bilhões. Até que saiam do papel e comecem a funcionar, porém, a alternativa que resta ao setor é negociar com a Infraero.
A infraestrutura, em especial no interior, importa também porque é uma das variáveis a determinar o perfil da frota. O número de jatos privados em operação no Brasil tem crescido rápido. De 2008 para cá, mais que dobrou: foi de 350 para 820 aeronaves desse tipo. Mas, segundo a Abag, os aviões mais vendidos para uso como ferramenta de negócios no Brasil ainda são bimotores com seis a oito assentos, baixo custo de operação e capacidade de pousar e decolar tanto em Congonhas quanto em estradas de chão no Tocantins — modelos como o Seneca V, da Piper, ou o King Air 290, da Beechcraft. Aviões com motores à pistão e turbo-hélices, têm limitações de velocidade. Mas são tradicionalmente uma opção melhor e mais segura para operação em pistas curtas de terra.
O que mais preocupa o setor no curto prazo, no entanto, é o cenário político e econômico. “O mercado de aviação executiva passa por um momento de ajuste”, afirma Marcus Matta, presidente do Prime Fraction Club, uma das empresas brasileiras de venda de aeronaves compartilhadas. “As eleições, o desaquecimento da economia e a volatilidade do dólar levaram potenciais compradores a adiarem suas compras ou optarem pela compra de aeronaves mais baratas.” Nogueira, da Abag, concorda. “A instabilidade está obrigando alguns fabricantes a financiarem, seja por conta própria, seja através de parcerias, a compra de aeronaves. É um tipo de venda relativamente novo no mercado e contribui para reduzir o impacto do desaquecimento da economia”, diz.
No médio e no longo prazo, no entanto, poucos duvidam do potencial do mercado brasileiro. A Embraer, por exemplo, estima que nos próximos dez anos, só no segmento de jatos privados, haverá espaço para a venda de 540 a 560 aviões, com valor estimado em US$ 9,4 bilhões. “O segmento de jatos leves é o que mais cresce em nosso mercado”, concorda Fernando Pinho, presidente da TAM Aviação Executiva, representante no Brasil dos aviões da Cessna e também concorrente nesse mercado. Além da venda das aeronaves, em si, há pistas, hangares e serviços.
Willians Paulo Mischur, fundador e presidente da Consignum, do setor de tecnologia, é um potencial comprador. Entrou no mercado este ano, com a aquisição de um Eclipse Total, junto com outros dois empresários de Cuiabá, e reduziu o número de dias de viagem por mês de 20 para cinco. Animado, afirma que já sonha em migrar para um jato maior, em busca de conforto. “O avião mudou minha vida”, diz.