Fungos, raízes de árvores queimadas, troncos, galhos caídos e coqueiros secos podem parecer apenas lixo e restos inutilizáveis, mas, para a artista plástica Bia Doria, são matérias-primas perfeitas para a confecção de suas obras de arte. Nascida em Pinhalzinho, Santa Catarina, desde sua infância Bia tem um olhar voltado para a natureza. “Minha arte se tornou sustentável em um momento que a sustentabilidade estava em alta. Não começou porque eu escolhi; foi um processo natural, já que cresci no meio de araucárias centenárias. A arte sustentável é a minha essência”, conta Bia.
Em seu ateliê, em São Paulo, com mostra permanente, mais de 90 obras feitas de madeira de árvore, mármore, bronze e outros materiais compõem o ambiente no momento. São nos mais variados formatos: bailarinas, mulheres com cabelos, corpos, figuras abstratas e algumas poucas mesas e bancos. “Minha inspiração vem quando eu vejo o material — não penso antes no que vou fazer. Olho para um tronco, vejo o formato de um cabelo, por exemplo, e vou fazendo uma mulher.” A ideia para cada peça surge assim que a artista dá uma olhada na matéria-prima a ser usada.
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Formada em educação física, a catarinense não tem medo de escalar as grandes esculturas que faz. “Este galho aqui está me incomodando, preciso encontrar outro que encaixe melhor”, diz, referindo-se a uma obra ainda em processo de produção, com cores diferentes de madeira, já que ainda não foi polida e nem pintada. Para encontrar a matéria-prima que necessita, Bia faz algumas expedições por ano. “Além da minha própria procura, o que mais acontece é entrarem em contato comigo para dizer que em tal lugar vou encontrar bastante material.” Assim que recebe fotos do local, Bia vai com um caminhão, sua equipe de ajudantes e as ferramentas necessárias, como a motosserra. A artista pega o que acha que vai usar, vai à cidade mais próxima e procura o Ibama para ter autorização para levar os resíduos embora.
“Quando veem que é um resto de madeira, é fácil conseguir. Mas um tronco de madeira verde, por exemplo, não posso levar. De qualquer maneira, para mim também não serve, pois ela racha e não é boa de se trabalhar”, explica. Na volta, o material recolhido é levado para o seu galpão em Cotia e lá faz toda a dedetização — cobras, sapos, formigas e cupins são alguns dos bichos que vêm de brinde.
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Com seu estilo criativo e contemporâneo, similar ao de Frans Krajcberg, escultor polonês, naturalizado brasileiro, Bia faz sempre exposições no Brasil e no exterior. Recentemente, expôs 35 peças no Museu de Arte Contemporânea de Goiás. “Em uma das instalações, coloquei carvão no chão, como forma de protesto contra as derrubadas e queimadas.” Na X Bienal de Florença, que terminou no dia 25 de outubro, a artista plástica ficou em quarto na categoria escultura. “Havia obras maravilhosas de artistas renomados, fiquei muito feliz de ter conquistado essa colocação.”
Mas mais significativo do que ter recebido o reconhecimento na bienal fiorentina foi ter feito a intervenção na usina hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. Conhecido como um dos maiores desastres ambientais que se tem notícia no Brasil, os mais de 2.300 km² de área florestal foram alagados pelo Rio Amazonas, que vem de todos os lados. “A floresta inteira ficou embaixo d’água. Ali morreram índios, animais, plantas. Todo o ecossistema do local foi prejudicado.” Bia foi até lá com uma equipe e todo o equipamento necessário para gravar um documentário e fazer sua intervenção artística.
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A série, chamada de Labirintos, é documentada por um filme e apresenta os troncos, completamente podres, que ficaram para fora da área afogada, pintados de vermelho pela artista, em um barco a motor. “Não dá para explicar o que é estar nesse lugar, é algo desesperador. Resolvi fazer isso como um grito de alerta e denúncia.” Trabalhando com essa matéria, Bia consegue transformar algo que vai ser jogado fora em arte.