Uma vez eu perguntei ao CEO da Rolls-Royce, Torsten Müller-Ötvös, se a montadora tinha planos de fabricar carros esportivos algum dia. Ele foi rápido ao responder que não, pelo menos enquanto ele fosse o chefe da icônica marca britânica.
Aperte a tecla fast-forward, e lá estou eu, num belo e quentíssimo fim de tarde de verão, ao lado da pista do Speed Vegas, um autódromo particular recém-construído nas redondezas de Las Vegas, no deserto de Nevada. O céu mais parecia uma pintura divina, tamanha a quantidade de cores e matizes, os tons pastéis contrastando com o preto do asfalto e daquelas belas e imponentes máquinas perfiladas, à espera dos sortudos motoristas que iriam, pela primeira vez, dirigi-las.
Tratava-se do mais audacioso lançamento da tradicionalíssima e reverenciada Rolls-Royce, a série Black Badge. Ao fim da rápida apresentação técnica, um dos instrutores da marca, que já me conhecia de outra visita à fábrica, na Inglaterra, me convidou para segui-lo até o Wraith Black Badge, com interior azul que aguardava, graciosamente estacionado sobre a linha de largada. Ele me olhou e disse: “Pode sentar, você vai dirigindo!” Para um amante de carros e velocidade, dirigir num autódromo já seria, por si só, motivo de alegria — eu sabia que aquela experiência era diferente.
VEJA TAMBÉM: Rolls-Royce entrega na China sua maior encomenda da história
Fui me aproximando do “meu carro”. Quanto mais perto chegava, mais impressionado eu ficava com a sua cor. Foi justamente a cor preta que inspirou o lançamento desta série. Durante um encontro de proprietários da marca britânica, em Los Angeles, Torsten e Giles Taylor, o chefe de design, ficaram impressionados com a quantidade de Rolls-Royces customizados que lotavam o estacionamento do Hotel SLS, em Beverly Hills, onde acontecia o encontro. Era bem o estilo das ruas de Los Angeles, cidade em que os carros são na sua grande maioria customizados em preto fosco, com enormes rodas pretas, envoltas em grandes pneus Pirelli. Ambos perceberam, ali, que poderiam oferecer um carro na cor preta com toda a qualidade e detalhamento que nenhum dono de Rolls-Royce conseguiria com customização.
Surgia ali a série Black Badge, criada para atender um perfil de cliente jovem, que quebra regras, vive de maneira não-convencional, e é obcecado por suas próprias realizações. Para a fabricante, esse consumidor quer “demostrar seu sucesso por meio de uma simbiose entre a obra de sua vida e as marcas que escolhe”.
A marca que vem, nos últimos anos, lançando produtos voltados cada vez mais para esse cliente jovem olhou para o seu passado de glórias para encontrar o DNA certo deste lançamento, e buscou inspiração em alguns de seus mais famosos clientes que foram disruptores em suas gerações, como o estilista Yves Saint Laurent, o piloto Malcolm Campbell, o pugilista Muhammad Ali, o aviador Howard Hughes, o músico Keith Moon, e Charles Rolls, um dos fundadores da Rolls-Royce.
LEIA MAIS: “Nossos clientes não querem um Rolls-Royce a cada esquina’, afirma CEO
Os executivos da Rolls-Royce gostam de dizer que o Wraith Black Badge e o Ghost Black Badge são uma espécie de alter ego de seus dois tradicionais modelos. Os dois automóveis são “mais assertivos, confiantes e poderosos”. Posso afirmar que o plano foi executado à perfeição. É simplesmente brilhante o trabalho que o time de designers da Rolls-Royce, sob o comando de Giles, fez. É quase como se o famoso “Black is Beautiful” tivesse sido cunhado diante de um daqueles bólidos ingleses. O preto dos Black Badges não é um preto comum. A marca desenvolveu novos níveis de intensidade do preto com múltiplas camadas — 16, para ser mais exato — de tinta e verniz polidas à mão diversas vezes. É o mais exigente processo de pintura e polimento já utilizado em uma cor sólida. Na superfície do carro, o resultado é um preto mais escuro e intenso.
Para seguir o estilo dark, a marca realizou, especialmente para o Black Badge, duas interessantes mudanças em dois de seus famosos símbolos. O Spirit of Ecstasy, a charmosa estátua presente no capô, agora vem na cor preta brilhante (ela já tinha sido feita em ouro, prata, cristal e aço inoxidável), ganhando ares de vampiro. Já o logo formado pelo RR na cor preta sobre uma base prata foi invertido: agora o fundo é escuro e as letras prateadas. Ao longo da história da Rolls-Royce, foram poucas as vezes que esses icônicos itens sofreram alterações.
Outra característica externa importante e marcante do Black Badge está nas rodas. Elas apresentam uma nova composição em fibra de carbono com liga leve que a Rolls-Royce levou quatro anos para desenvolver. São 22 camadas de fibra divididas em três eixos. Elas são dobradas sobre si mesmas nas bordas externas da roda, fornecendo 44 estratos de força. Ao ver aquelas enormes e lindas rodas, eu suspeitava que ainda iria me surpreender bastante com aquele carro.
VEJA MAIS: Rolls-Royce lança coleção Zenith do Phantom
Não demorou para me certificar de que as minhas suspeitas estavam corretas. Bastou entrar no veículo e começar a olhar de perto os detalhes desse espetáculo de tecnologia e alto luxo. A cabine é feita de um material normalmente usado em aeronaves. Trata-se de fios de alumínio de 0,014 milímetros de diâmetro entrelaçados e ligados com fibra de carbono. O material recebe seis camadas de verniz e, na sequência, “descansa” por 72 horas. O toque final é um polimento à mão com acabamento espelhado. O resultado é um painel e revestimentos com visual e textura que você jamais viu em nenhum outro veículo.
O painel apresenta detalhes que diferenciam o Black Badge de seus “irmãos” da marca. O relógio analógico, um tradicional item nos RR, vem com o símbolo do infinito, que apareceu primeiro no Phantom Drophead Waterspeed lançado em 2014 para homenagear Sir Malcolm Campbell — o piloto e jornalista de corridas britânico que quebrou vários recordes de velocidade na terra e na água durante as décadas de 1920 e 1930. As saídas de ar condicionado foram escurecidas com um método chamado Physical Vapour Deposition, uma das poucas maneiras de colorir metal. O processo garante que as peças manterão sua cor original ao longo dos anos, mesmo com o uso contínuo.
Lá estava eu sentado ao volante, após uma breve apresentação do circuito e volta de reconhecimento — em baixa velocidade — com a pista livre à minha frente. Chegara a hora de ver do que o Black Badge era capaz de verdade. “Ok, preparado? 3,2,1, Go, Go, Go!!! Full Power!!!” Depois dessa frase do instrutor sentado ao meu lado, eu só consigo me lembrar de ter enfi ado o pé no acelerador e ter sentido aquele enorme motor Twin-Turbo de 12 cilindros, 6.6 litros e 623 cavalos de potência — alterado para a série Black Badge, que ganhou mais 70 Nm de torque, o que o faz chegar a 870 Nm — nos catapultar da inércia aos mais de 150 quilômetros por hora em poucos segundos, quando já estava na hora de frear para entrar na primeira curva.
LANÇAMENTO: Land Rover traz novo Discovery para o Brasil
Foram três voltas no circuito, quando pude perceber que tudo ali era diferente de um Wraith convencional. O câmbio automático de oito velocidades foi atualizado, e as trocas de marcha acontecem entre 200 e 500 rotações por minuto acima das versões tradicionais — quanto mais rpms, mais o motor vai acelerar, garantindo, portanto, maior potência. Os freios também foram atualizados e oferecem uma resposta mais rápida. A suspensão foi otimizada, e lá se foram aqueles comuns e indesejáveis movimentos laterais e frontais, mais comuns numa lancha, que acometem um carro de mais de 2,5 toneladas dirigido em alta velocidade. O Wraith Black Badge é bem mais colado no asfalto do que seu irmão sem o distintivo preto.
Desci do carro em estado de puro êxtase. Poderia ter ficado ali um dia inteiro. Que carro confortável, que carro veloz, que belo conjunto de design e desempenho. Fui logo cercado por alguns executivos e engenheiros da marca que estavam ansiosos para saber minha opinião. Pensei, num primeiro momento, que por eu ter dirigido um outro Wraith durante alguns dias em Miami, algumas semanas antes, eu poderia comparar melhor uma e outra experiências, mas a ansiedade tinha uma explicação ainda maior. Eu era o primeiro “civil” no mundo, nas palavras deles mesmos, um não-membro do sta Rolls-Royce, a dirigir um Black Badge. A primeira coisa que eu disse foi: “Vou ter que ligar pro Torsten e perguntar por que ele me disse que a Rolls-Royce jamais iria fabricar um carro esportivo. Se aquilo que acabei de dirigir não for um carro esportivo, não sei mais como classificar essa categoria”.
É obvio que um Rolls-Royce não é um carro esportivo, e eles continuam não tendo essa intenção, tanto que você não encontrará atrás dos volantes do Black Badge as manoplas para mudança de marchas — o carro faz isso por você. Mas o fato é que, com a série Black Badge, eles se aproximaram muito desse status. Nenhum carro esportivo jamais oferecerá o conforto e o luxo que um Rolls-Royce oferece. Não importa a distância a ser percorrida, ou o tipo de terreno, se plano ou acidentado, num Black Badge você chegará rápido, confortavelmente descansado, e com muito estilo. Ponto para os britânicos.
Veja na galeria de fotos mais detalhes do Wraith Black Badge:
-
À noite, os faróis
de LED automáticos
propiciam excelente
visibilidade -
Volante com logo com fundo escuro
e letras prateadas -
Logo com fundo escuro
e letras prateadas na roda -
Logo da
empresa na dianteira -
Anúncio publicitário -
A nova cor do Spirit
of Ecstasy -
O Black Badge possui
portas do tipo suicida -
Porta do tipo suicida do novo Black Badge
À noite, os faróis
de LED automáticos
propiciam excelente
visibilidade