Foi-se o tempo em que os amantes de carne buscavam apenas os cortes considerados convencionais e “de primeira”, como a picanha e o filé mignon. De acordo com os especialistas, chefs e proprietários de açougues premium (onde o processo de produção é bastante cuidadoso), cada vez mais os consumidores procuram cortes da parte dianteira do boi. Por isso, esqueça o mito de que eles só servem para o preparo na panela, após muito cozimento.
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Nessa onda, um corte vem ganhando destaque: o Flat Iron ou “shoulder” (ombro, em inglês). “Esta é uma parte bem vascularizada, marmoreada. Tem até um sabor um pouco ferroso, que lembra o do fígado, mas é muito saborosa”, diz Marcio Valenti, responsável pela gestão do Açougue Feed, localizado no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. O estabelecimento, inaugurado em 2014, comercializa cerca de 40 cortes diferentes e de raças distintas, como dos bois Angus, Bonsmara, Hetterford, Brahma e Wagyu. O principal diferencial no sabor da carne é o controle da produção. “Nós somos um açougue do produtor. Os cortes vêm diretamente da fazenda do proprietário Pedro Meirolla, então temos um controle de qualidade maior e um processo de seleção para o abatimento do gado”, explica Valenti. “Tratamos a carne como uma seleção de vinhos.” Por lá, o quilo do Flat Iron sai por R$ 64,90, e a demanda dos clientes é alta, principalmente aos finais de semana. O especialista adianta que outro corte do dianteiro em ascensão é o “prime steak”, ou ponta do acém.
O açougue Beef Passion, localizado no centro de São Paulo, também possui uma proposta diferenciada. Suas sócias fundadoras, Amália e Julia Sechis, sempre tiveram contato com carne em casa, graças ao pai açougueiro e criador de gado para consumo próprio. Por iniciativa de Amália, há seis anos, o cenário mudou. “Na Beef Passion, nós controlamos todo o processo de produção. Nosso pai é o fornecedor, de quem nós compramos o boi inteiro. Aí cuidamos da parte do açougue e da distribuição”, conta.
Mas não pense que as cabeças de gado comercializadas são convencionais. Para começar, o gado é criado em um “spa bovino”, com direito a música, liberdade, espaço coberto e climatizado e ração de primeira qualidade. Para isso, é feita uma parceria com a UNESP, que estuda e faz as devidas alterações anualmente para a melhoria da qualidade, do sabor e da maciez da carne, que atualmente possui percentual de 70% de gordura insaturada. O portfólio inclui as raças Wagyu (boi japonês) e o Angus Australiano. São disponibilizados 72 tipos de cortes aos clientes, que podem ir até a loja física ou comprar pelo site da empresa.
Um dos clientes da Beef Passion é Alex Atala, para o abastecimento de seus restaurantes Dom, Açougue Central, Dalva e Dito e o recém-inaugurado Bio. O premiado chef é um verdadeiro admirador das carnes dianteiras e de pedaços inexplorados, buscando sempre utilizar completamente o animal. O Açougue Central, uma de suas casas, trabalha, inclusive, com a filosofia de mostrar que a diferença entre as chamadas “carnes nobres” e “carnes de segunda” é muito relativa, já que a seleção genética e os cuidados com os animais implementados nos últimos anos possibilitaram obter cortes saborosos e macios de partes antes desprezadas.
A dupla de irmãs atribui o sucesso ao Flat Iron – que por lá é comercializado com o nome “sete de paleta” – a diversas razões: “No começo, vendíamos mais para restaurantes, mas hoje a procura de pessoas físicas aumentou. Uma questão importante é que os consumidores brasileiros passaram a se interessar pelo processo de produção da carne e a procedência do que está em seu prato. Outra razão é que as pessoas viajam muito e, lá fora, o consumo do shoulder é muito grande”.
Outro açougue que também oferece o corte é o The Butcher, localizado em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Um dos sócios, Bruno Rabinovich, declara que o interesse começou a aumentar no primeiro semestre do ano passado: “Mas a busca cresce mês a mês. Os clientes apreciam a carne por sua maciez e sabor”. No estabelecimento, os produtos são provenientes de parceiros, que atendem a todas as certificações e recebem visitas frequentes do time do The Butcher. Atualmente, o local é abastecido por fornecedores uruguaios e brasileiros.
O chef Jorge Boratto está se preparando para servir o Flat Iron na próxima edição do Churrascada. Promovido pela agência Haute e pelos chefs Rogério Betti e Gustavo Bottino, o evento, que será realizado em São Paulo no próximo dia 5 de agosto, atrai atrai amantes de carnes dispostos a pagar R$ 320 por uma tarde regada a muita carne. Para Boratto, a popularidade do corte deveria ser bem maior, mas ele concorda que os cortes do dianteiro estão ganhando muitos apreciadores entre os brasileiros. E revela algumas dicas. “Eu gosto de fazer de duas maneiras, sempre na churrasqueira: fogo baixo e finalização em fogo alto ou direto no fogo alto. Uma sugestão de acompanhamento é o molho de blue cheese.”
O Eataly serve o Flat Iron no restaurante Brace, no topo do empório. Por lá, o prato é oferecido em formato de tagliata, com azeite de oliva e pimenta do reino. A sugestão de harmonização é a farofa de pão temperada e arroz vermelho refogado. O Feed também conta com espaço de restaurante em esquema diferenciado: o cliente escolhe a carne na própria geladeira e ela é preparada na hora. Como acompanhamento, um buffet de saladas. Quem quiser comer no Beef Passion, há a alternativa de eventos esporádicos ou exclusivos (é possível fazer aniversários e outras comemorações no local), onde o Flat Iron pode fazer parte do menu.