A cidade de Las Vegas, que deixou de ser um centro urbano qualquer e se sagrou destino exclusivo para os amantes da gastronomia, cultura e luxúria, sempre supera as expectativas. Já soube que a cantora Lady Gaga tem uma nova residência de shows na cidade? Que o empresário David Chang inaugurou por lá, recentemente, a primeira unidade ocidental do restaurante Momofuku? E que o artista plástico brasileiro Henrique Oliveira suspendeu a raiz de uma árvore no teto do Park MGM, em Las Vegas?
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Com inúmeras opções para alimentação e compras, e com uma vida noturna agitada, a atual tendência em Vegas é essa, que recai para um território historicamente mais refinado: as belas artes. Houve um tempo no qual os restaurantes e bares da “cidade do pecado” eram apenas lugares para se ir antes dos jogos nos cassinos. E os lobbies e corredores dos hotéis eram espaços meramente funcionais, que se tinha de atravessar antes de chegar ao quarto para dormir. Já na nova era de ouro de Las Vegas, todos os corredores, paredes, salões e até os tetos são locais a serem explorados como uma exposição de obras de arte. Nos bastidores, uma equipe pequena, mas dedicada, trabalha duro para repaginar cada centímetro dos espaços e transformá-los em galerias de arte públicas.
Entre os visionários que insuflam a tendência, está Tarissa Tiberti, diretora executiva de arte e cultura do grupo hoteleiro MGM Resorts. Seu trabalho consiste em gerenciar as exposições de arte em hotéis pelo mundo, comissionar (encomendar) novos trabalhos e supervisionar as parcerias com foco em artes visuais da MGM, como a da Art Basel.
Tarissa também supervisiona o novo programa de residência artística da MGM, lançado no ano passado. O primeiro artista a participar da iniciativa foi o japonês Kisho Mwkaiyama, que passou seis meses criando uma série de obras em um estúdio ao lado da galeria Bellagio Gallery of Fine Art (BGFA). A pedido do artista, todas as 24 pinturas passaram a ser expostas no Mandalay Bay Convention Center. A localização do estúdio do pintor é estratégica: do outro lado da entrada da piscina do Bellagio, o que faz com que qualquer um que passe por ali dê uma espiada. Mwkaiyama conseguiu atrair uma audiência animada quase todos os dias e até respondeu perguntas de curiosos enquanto trabalhava.
Em entrevista, a diretora executiva do MGM Resorts falou sobre seu papel na transformação de Vegas em um destino das artes visuais:
Como você faz a curadoria de arte da MGM? Costuma seguir diretrizes rígidas?
Tarissa Tiberti: Eu sempre parto da premissa da diversidade e da inclusão, algumas das principais missões da MGM. Em outras palavras, tento proporcionar um certo nível de entretenimento para todos os hóspedes. E, de acordo com as diretrizes de cada unidade da MGM, faço adaptações na programação. Há inúmeras coisas a se levar em conta quando se trata de curadoria de arte em um lugar como Vegas.
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Antes de mais nada, é preciso lembrar que tudo será público, o que significa que temos que pensar em como e onde posicionar as obras. Em segundo lugar, precisamos protegê-las, já que as pessoas podem querer tocar ou subir nos trabalhos, no caso de uma escultura, por exemplo. Precisamos ter essas coisas em mente. No caso das pinturas do Mwkaiyama no Mandalay Bay Convention Center, ele queria trabalhar naquele espaço com luz natural. No entanto, milhares passam ali toda semana, o que representa risco às obras. Estamos considerando colocar alguma barreira para que as pessoas não cheguem muito perto.
Outro exemplo foi o “Soundsuit”, de Nick Cave, um terno gigante coberto por botões, tecido e arame, comprado em 2014 pelo hotel Bellagio como parte de sua coleção permanente. Queríamos expor o trabalho no Via Bellagio, o mini-shopping do hotel, mas havia a preocupação com a fragilidade da obra, já que se trata de uma passagem pública, com mais restrições que o corredor de uma galeria de arte. No final, usamos uma vitrine.
Pode dar exemplo de uma exposição que você tenha criado e que refletisse as características do ambiente ou da arquitetura?
TT: A unidade da MGM na cidade de Springfield é um ótimo exemplo. Lá, temos o compromisso de trabalhar com artistas locais sempre que possível, e essa questão pode ser vista nas mostras. Ao contratar Mia Pearlman [criadora da peça “The Flying Tidings Whirled”, que apresenta placas de alumínio na forma giratória de um tornado], nós buscávamos uma ode ao tornado que devastou a cidade anos atrás. O título foi inspirado em um poema de Emily Dickinson, que também fala de Springfield.
A obra “Bench of Expectation” (Banco da expectativa, em tradução livre), de Jeppe Hein, é outro exemplo da nossa tentativa de reconhecer que somos responsáveis pelas comunidades em que existimos. A peça é um convite para as pessoas sentarem e passarem um tempo juntas. Trata-se de um banco vermelho alongado, exibido ao ar livre na praça da MGM Springfield.
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O presidente e CEO do grupo MGM Resorts International, James Murren, também tem conhecimento sobre história da arte. Como ele participa das decisões relacionadas às coleções e programações artísticas?
É fantástico ter alguém no topo da empresa tão apaixonado por arte. Ele acompanha nosso planejamento na maioria das exposições, e se envolve bastante quando é algo de maior escala, como a raiz de árvore do artista brasileiro Henrique Oliveira, suspensa no teto do Park MGM, em Las Vegas. Um exemplo são as impressões das fotografias de David Hockney que temos na unidade do Park MGM. Ele as viu em uma exposição no museu britânico Tate Modern, em 2018, e pensou que seriam perfeitas para o hotel. Foi tudo ideia dele. Murren entende que não se trata de ter artistas renomados e obras famosas. Ele reconhece a importância de uma coleção que conta uma história com sinceridade.
A arte tem assumido um papel importante em Las Vegas, dadas as transformações na cidade em prol da inclusão e da diversidade de gostos e mercados?
Com toda a certeza. A arte e, especialmente, a arte pública. Claro, a galeria do hotel Bellagio está lá há anos, mas costumava ser um lugar visitado apenas em ocasiões especiais. Era necessário tirar um dia para ir ao local, fazer o passeio e ver uma obra de Monet. A arte era inatingível. Hoje, a arte em Las Vegas não é mais coisa de elite. Estamos tentando torná-la um patrimônio público, divertido e envolvente. Acho que as pessoas realmente apreciam esse movimento. Todo mundo gosta de andar por aí e ver obras expostas. É importante culturalmente, também. E do ponto de vista do turismo. Se os turistas fizerem apenas uma viagem ao ano, e ela for para Vegas, eles poderão ter diferentes tipos de experiências em uma única jornada.
Qual tem sido o projeto mais desafiante?
Algumas das exposições na galeria de arte do Bellagio foram desafiadoras. O espaço é um pequeno salão no meio de um cassino, construído para mostrar peças de arte em um tamanho menor, como pinturas. Então, quando tentamos fazer ali algo como a exposição “Primal Water”, em junho do ano passado, foi complicado. [A exposição destacou 28 trabalhos em várias formas, incluindo pinturas, esculturas, fotografias e filmes.]
A obra de Yasuaki Onishi — “Vertical Emptiness BG, 2018”, uma grande instalação criada a partir de galhos de árvores locais suspensos no teto — também foi um desafio. Precisei falar até com a equipe de horticultura e explicar a obra para eles. A equipe entendeu, mas, a princípio, nos deu árvores trituradas. Tivemos de insistir para ter uma árvore inteira. O efeito final foi hipnotizante. Onishi cobriu os galhos com uma algo que remetia a neve cristalizada. As pessoas não sabiam bem o que era aquilo, mas todos apreciaram. Dava para ver.
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Quais são suas obras favoritas da coleção do MGM?
Sem dúvida, a escultura da árvore de Oliveira está entre as minhas preferidas. Outra favorita é o pedaço de Frank Stella [“Damasco Gate Variation I”], atrás da recepção do hotel Vdara, também em Las Vegas. Não dá para perceber, mas a obra é da década de 1970. As cores são vibrantes, o que é perfeito para Vegas. Parece que foi feito para estar lá.