Resumo:
- Em entrevista, especialista Martina Olbertova desafia marcas de luxo a fazerem perguntas sobre como se encaixam no atual contexto cultural e seu papel no futuro;
- Segundo ela, a busca pelo significado de uma grife deve começar com uma profunda compreensão de seu significado para o consumidor;
- O luxo deve se transformar, definindo novos valores para seus clientes de forma positiva.
Perdoe-me por declarar o óbvio, mas o luxo perdeu sua importância. Se não for tão óbvio para as grifes – e pelo o que observei, não é -, é para os clientes dos quais o futuro delas depende. Para qualquer um que ganha a vida conversando e pesquisando consumidores, esse fato é tão claro quanto o logotipo LV em uma bolsa da Louis Vuitton.
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Considere o recente estudo Affluent Perspective 2019, da YouGov, que realiza uma pesquisa com mais de 8.000 consumidores abastados no topo do espectro de renda de seus mercados. Por exemplo, a renda bruta para um consumidor norte-americano foi de US$ 200 mil ou mais. Os entrevistados não são posers ou “aspirantes”, mas compradores com rendas altas que podem facilmente pagar por marcas de luxo.
Mais de dois terços (67%) concordaram com a afirmação “Muitas marcas populares agora oferecem um nível de qualidade comparável às de luxo.” Isso é música para os ouvidos da Everlane, por exemplo, varejista de roupas norte-americana, que se posiciona como “luxo por menos”. Isso significa que algo está seriamente errado para as grifes tradicionais.
Martina Olbertova, doutora em estudos de mídia da Charles University, em Praga, e fundadora da consultoria Meaning.Global, diagnosticou o problema e prescreveu a cura em um novo estudo, intitulado The Luxury Report 2019: Redefining the Future Meaning of Luxury (O Relatório de Luxo 2019: Redefinindo seu Futuro Significado, em tradução livre).
“Há uma lacuna no significado e em como as marcas são gerenciadas”, ela afirma. “Grifes continuam em seu legado de longa data, mas não têm sentido para os consumidores de hoje. Para eles, tudo depende da relevância pessoal.” As marcas estão enfrentando uma crise de significado. Os antigos conceitos não se aplicam mais, e muitas ainda precisam descobrir o que os novos consumidores querem para se tornarem relevantes dentro desse contexto.
“Marcas de luxo são naturalmente criadoras de valor. O conceito ou essência é expresso em uma rede de associações simbólicas que criam importância para o cliente”, diz Martina. “Elas são particularmente sensíveis ao significado, já que seu valor simbólico ultrapassa de longe os aspectos funcionais dos produtos.”
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As grifes estão na mira, à medida que o mercado se torna global e cultural, porque o luxo é, antes de mais nada, uma construção cultural. “O luxo ganhou uma posição de destaque em nossa cultura como um poderoso catalisador que satura as necessidades pessoais e sociais complexas”, escreve ela. “Os gestores de marca devem aprender a vê-las e gerenciá-las como ecossistemas dinâmicos de significado cultural.”
A quebra no significado de luxo
A quebra no significado do luxo é causada por uma mudança na forma como os consumidores percebem o conceito de valor. No atual contexto cultural, a busca por itens mais sofisticados perdeu sua definição e foi substituída pelo desejo de criar um estado de sentimento luxuoso, que pode ter pouco a ver com a coisa em si.
“Não queremos mais possuir as coisas porque elas acabam nos apropriando”, relata Martina. “Queremos ser livres, principalmente a próxima geração. Isso está dando origem à economia compartilhada, em oposição à dominante.”
Martina identifica as seguintes mudanças na vida dos consumidores, que causam um profundo impacto no significado do luxo e como eles o percebem e tornam parte de suas vidas:
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Jeremy Moeller/Getty Images 1. Perceber o eu autêntico
As pessoas estão lutando por autenticidade em um mundo inautêntico. O luxo diz menos sobre as próprias marcas e mais sobre permitir que os outros se tornem cada vez mais quem realmente são. “É tudo sobre o que a marca pode fazer pelos clientes, não sobre ela em si”, ela compartilha.
Observe as bolsas Louis Vuitton Monogram. Elas transformam o proprietário em um outdoor ambulante para a marca. Como isso fortalece o cliente em seu desejo de expressar sua individualidade?
Por outro lado, a Bottega Veneta, com sua famosa estratégia de logotipo, é chamada por Martina como uma marca de luxo com “estilo discreto” que capacita o cliente por meio de seus “códigos de atemporalidade, manufatura e simplicidade.”
A Bottega Veneta é rica em conteúdo simbólico e não em extravagâncias, as quais não condizem com o atual desejo dos consumidores de possuir menos coisas, mas com qualidade duradoura. “Isso inverte a dinâmica da indústria, as pessoas passam do desejo de possuir uma marca ao de se empoderar e mostrar suas próprias expressões criativas”, ela desafia.
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Hero Images/Getty Images 2. Criar experiências significativas
O crescimento da classe alta significa que mais pessoas podem se dar ao luxo de itens mais caros, mas a psicologia humana básica não consegue encontrar satisfação nisso. Quanto mais coisas podemos comprar, menos isso significa para nós.
“Estamos nos afastando dos aspectos tangíveis do luxo pessoal para os intangíveis”, compartilha Martina. Em vez disso, procuramos “as experiências únicas e personalizadas que têm o potencial de melhorar e transformar nossas vidas.”
Essa busca de significado cria oportunidades no luxo experimental. “Ao contrário do material, as experiências são singulares e insubstituíveis para cada indivíduo, pois estão vinculadas a um momento específico no tempo.”
As oportunidades são óbvias, como jantar e viajar, e não tão óbvias, como o autocuidado e a autodescoberta. Por exemplo, a Selfridges, cadeia de lojas de departamento no Reino Unido, criou um Laboratório de Fragrâncias que permite aos clientes explorar diferentes câmaras sensoriais para descobrir novas sensações. Depois, eles podem trabalhar com especialistas em fragrâncias para criar um perfume pessoal e exclusivo.
Oferecer também é uma maneira de elevar os bens de luxo em experiências significativas e memoráveis. Martina aponta que os rituais de presentear aumentam o sentimento de valor próprio, ao mesmo tempo em que fomentam relações pessoais mais profundas.
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Fancy Veer Corbis/Getty Images 3. Democratização do luxo
Isso reflete um afastamento do excesso, da raridade e da riqueza para descobrir o significado luxuoso dos momentos cotidianos. As pessoas estão à procura de luxo como parte de suas vidas diárias, graças à sua crescente riqueza e o acesso instantâneo às compras pela internet. Esse desejo também é fomentado pelas novas e mais diversificadas definições de luxo, além do desejo de ter e de possuir.
“Em uma era de supersaturação do mercado, os novos consumidores conscientes buscam uma qualidade superior para atender e satisfazer suas próprias necessidades”, explica ela. Por exemplo, o luxo e o cotidiano se encontram na marca de lingerie PrimaDonna, que aproveita o desejo das mulheres pelo conforto diário e o combina à sensualidade indulgente. Também se reflete na experiência luxuosa e sensual de uma caixa de chocolates Godiva.
Experiências cotidianas, como cozinhar e tomar banho, são elevadas além do comum e recebem um novo significado, por meio de aparelhos de cozinha, utensílios e acessórios de luxo ou bancadas e pisos de pedra no banheiro. Sim, eles podem ser belos, até mesmo opulentos, mas o verdadeiro valor vem dos sentimentos especiais que as pessoas têm ao usá-los.
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iStock 4. Novo minimalismo
Os consumidores estão encontrando significado em um novo minimalismo, onde menos é realmente mais. Talvez essa seja a mudança mais perturbadora para as marcas de luxo, ainda que a mais instrutiva também. “Os códigos-chave do novo luxo andam de mãos dadas com a nossa crescente necessidade de autenticidade e simplificação”, compartilha Martina.
Com um compromisso com um estilo de vida sustentável que minimize seu impacto ambiental, os consumidores estão rejeitando a base materialista do estilo de vida consumista, ou o que Martina descreve como “cultura de desperdício”. Isso faz com que as marcas de luxo invistam na criação de produtos duradouros e de alta qualidade, produzidos de acordo com as mais altas especificações, de maneira mais responsável. Assim, os clientes das grifes poderão viver a vida que querem.
“As marcas de luxo de sucesso estão percebendo que, ao defender valores sociais e culturais com os quais seus clientes se importam, eles podem expandir seus negócios organicamente, e ainda permanecer autênticos à sua essência interior”, diz.
Da perspectiva do consumidor, Martina explica: “Não se trata de comprar um estilo de vida raro, buscar a aprovação da sociedade ou se encaixar melhor, mas manifestar valores e crenças pessoais por meio de nossas escolhas de luxo.”
A indústria de luxo se acostumou à melhorar o valor de seus produtos à sua forma mais elevada de expressão, mas Martina acredita que a busca por lucro e vendas está levando muitas marcas a “ceder às massas e se tornarem mais como centros de compras para ser mais culturalmente relevantes.”
Em vez disso, ela aconselha: “Eles deveriam estar fazendo exatamente o oposto. Ao inflacionar o valor simbólico, as grifes criarão algo que é visto como luxuoso, que as pessoas podem realmente valorizar a longo prazo.”
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Hero Images/Getty Images 5. Como criar significado?
O estudo de Martina é uma leitura rica e gratificante que desafia as marcas de luxo a fazerem perguntas sobre como se encaixam no atual contexto cultural e seu papel no futuro. Ela percebe que criar um ponto significativo de diferença é mais difícil do que nunca, devido aos costumes excessivamente complexos e em rápida transformação. Mas isso é essencial hoje e sempre.
A busca pelo significado de uma grife começa com uma profunda compreensão do valor para o consumidor e, em seguida, passa para a cultura corporativa na qual deve se enraizar.
As marcas de luxo serão culturalmente relevantes ao explorar sua essência e fixar um novo significado que permaneça fiel à herança e ao legado da marca, traduzindo essa definição para se alinhar aos valores dos clientes atuais e os antigos. Sem isso, “o legado das marcas de luxo logo se tornará obsoleto”, alerta Martina.
Esse novo conceito, mais profundo e culturalmente relevante, deve ser instigado no estágio criativo, refletido na estratégia da marca e levado adiante para a execução de produtos e marketing. Muitas vezes, acredita Martina, este novo valor, se é que existe, é perdido.
O mundo está constantemente em mudança, e o luxo deve se transformar também, ao definir novos valores de uma forma positiva para os clientes.
“É por isso que as marcas de luxo precisam explorar novos caminhos para o crescimento, para garantir relevância futura, criar valor autêntico e manter seu status luxuoso para aumentar ainda mais a valorização e a equidade da marca”, conclui Martina.
1. Perceber o eu autêntico
As pessoas estão lutando por autenticidade em um mundo inautêntico. O luxo diz menos sobre as próprias marcas e mais sobre permitir que os outros se tornem cada vez mais quem realmente são. “É tudo sobre o que a marca pode fazer pelos clientes, não sobre ela em si”, ela compartilha.
Observe as bolsas Louis Vuitton Monogram. Elas transformam o proprietário em um outdoor ambulante para a marca. Como isso fortalece o cliente em seu desejo de expressar sua individualidade?
Por outro lado, a Bottega Veneta, com sua famosa estratégia de logotipo, é chamada por Martina como uma marca de luxo com “estilo discreto” que capacita o cliente por meio de seus “códigos de atemporalidade, manufatura e simplicidade.”
A Bottega Veneta é rica em conteúdo simbólico e não em extravagâncias, as quais não condizem com o atual desejo dos consumidores de possuir menos coisas, mas com qualidade duradoura. “Isso inverte a dinâmica da indústria, as pessoas passam do desejo de possuir uma marca ao de se empoderar e mostrar suas próprias expressões criativas”, ela desafia.
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