Angústia, incertezas, fake news. A sequência de palavras não é das mais animadoras, mas reflete o momento do planeta e as incógnitas de como lidar com o presente e o futuro da humanidade, oprimida por necessidades básicas e fluxos migratórios que estão longe de encontrar um final feliz. Tal cenário desolador dá o tom da 58ª edição da Bienal de Veneza, de 11 de maio a 24 de novembro, que deve atrair cerca de 500 mil visitantes para a mostra central, com 79 artistas de 38 países. “Nossos visitantes são nossos maiores parceiros”, comenta Paolo Baratta, presidente da Bienal de Veneza.
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Sobre os artistas, vale mencionar que quase metade da lista é formada por mulheres – fato inédito nesse evento, iniciado em 1895 –, e mais de um terço são nomes nascidos na década de 1980. O número de artistas caiu em relação às edições mais recentes (em 2017, foram convocados 120; em 2015, 138).
Para amarrar todas as pontas da mostra central, o curador norte-americano Ralph Rugoff escolheu o mote May you live in interesting times e não chamou nenhum brasileiro. “Talvez a arte possa ser uma espécie de guia sobre como viver e pensar em ‘tempos interessantes’”, declarou Rugoff em nota sobre a ausência de uma temática mais específica. Mesmo que inconscientemente, o fio condutor proposto levou os artistas selecionados a criarem peças que dialogam com o momento global.
Além da mostra principal, a Bienal reúne representações de dezenas de países com curadorias próprias e outras mostras espalhadas pela cidade. O pavilhão do Brasil, no Giardini Castello, com curadoria do espanhol Gabriel Pérez-Barreiro (curador da 33ª Bienal de São Paulo), expõe a arte de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. A brasiliense e o alemão, ambos radicados em Recife, assinam Swinguerra, videoinstalação que apresenta um recorte da cultura popular recifense. No caso, a swingueira, ritmo local que surge da adaptação do axé baiano com o brega pernambucano e o funk carioca. A dupla trabalhou com três companhias de dança: Cia Extremo, La Máfia e O Passinho dos Maloka. “Swinguerra apresenta um panorama profundo e empático da cultura brasileira contemporânea, em um momento de significativa tensão política e social. Os corpos predominantemente negros na tela estão de muitas formas no centro de disputas sobre visibilidade, direito e autorrepresentação”, explica o curador Pérez-Barreiro.
A história da dupla com a cultura recifense vem de 2015, quando começou a pesquisar sobre a fusão de ritmos populares, o que deu origem ao filme Faz Que Vai (2015). “Naquele ano, estávamos pesquisando os modos pelos quais formas de dança tradicionais do carnaval do Recife, como o frevo, são atravessadas pelo brega, o funk e a swingueira nos corpos de jovens que começam a trabalhar como artistas”, conta a artista Bárbara. A dupla passou a frequentar competições da dança nas quadras esportivas de escolas públicas da cidade.
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“O sentido de disputa é algo que não está somente dentro do universo das competições. Os direitos sociais são campo de disputa no Brasil”, analisa Wagner, sobre a brincadeira semântica do título entre as palavras “guerra” e “swingueira”. A videoinstalação está sendo exibida em duas salas, assim como uma exposição de fotos dos personagens retratados no filme.
O trabalho dos artistas brasileiros ganhou destaque na mídia internacional, sendo considerada uma das obras must-see. As revistas W e Garage destacam a obra; a revista virtual Designboom ficou “impressionada” com a performance dos personagens, enquanto a publicação norte-americana de arte Artnews chamou o trabalho de “exuberante”. “Na abertura, o pavilhão ficou lotado o tempo todo. É uma obra extremamente sedutora, as pessoas permanecem durante toda duração do vídeo”, conta José Olympio da Veiga Pereira, comissário da representação do Brasil na Bienal de Veneza e presidente da Fundação Bienal de São Paulo, além de colecionador e apaixonado por arte.
Entre os destaques estrangeiros, artistas de peso como o norte-americano Jimmie Durham, premiado com o Leão de Ouro pelo conjunto da obra. Palmas também para o Muro Ciudad Juarez, da mexicana Teresa Margolles; para a dupla chinesa Sun Yuan e Peng Yu, que deu vida a um robô que “varre sangue” e para a névoa da artista italiana Lara Favaretto, que recebe os visitantes no pavilhão principal – como se dali em diante todos entrassem em uma dramática nuvem que sombreia os dias atuais.
Entre os pavilhões dos países participantes, o Leão de Ouro ficou com a Lituânia. A instalação Sun & Sea, de Rugile Barzdziukaite, Vaiva Grainyte e Lina Lapelyte, recria uma praia artificial, com direito a areia, sol falso, acessórios e 20 atores que participam de uma ópera-performance, unindo música, arquitetura e teatro.
Reportagem publicada na edição 68, lançada em junho de 2019
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