Em uma noite fria de novembro, 49 pessoas entraram na cripta gótica sob a Igreja da Intercessão no bairro de Washington Heights em Nova York. Lá, estavam cercadas pelas cinzas daqueles que foram cremados e estão enterrados desde 1915.
Desta vez, entretanto, eles não vieram visitar os mortos, mas ouvir melodias transcendentais de Beethoven, Liszt e Schumann tocadas pelo pianista israelense Matan Porat, na penúltima apresentação da série “Death of Classical”, de Andrew Ousley. O organizador realiza concertos desse estilo musical na cripta e nas catacumbas do Green-Wood Cemetery no Brooklyn desde 2017.
VEJA MAIS: O CEO fã de punk rock e hardcore que entrega música clássica
O nome da série é uma ode aos espaços não convencionais em que os shows são realizados, mas também alude ao seu objetivo: garantir que a música clássica não se torne apenas uma memória de um passado antiquado.
Nas últimas décadas, o interesse por esta forma de arte diminuiu. As vendas de ingressos para concertos caíram, a música clássica não é priorizada nas grades das escolas públicas e as vagas de emprego deverão diminuir em orquestras e companhias de ópera por causa do financiamento limitado. A tendência é vista há anos. O ex-crítico de música do “New York Times”, Allan Kozinn, observou em 2006: “As próprias lamentações sobre o estado da música clássica se tornaram uma indústria”.
Ousley, um amante da música e filho de um cantor de ópera, reconheceu cedo que esse estilo musical era importante para ele, mas também seriamente mal compreendido. “O gênero clássico tem sido considerado uma disciplina muito séria”, diz ele, ao acrescentar que pode ser “incrivelmente pretensioso ou chato”. Na busca por uma maneira de compensar isso, o “Death of Classical” nasceu.
A série de concertos começou originalmente como um projeto paralelo, quando Ousley passava a maior parte de seus dias representando músicos clássicos e artistas performáticos na Unison Media, empresa de relações públicas e marketing que ele iniciou em 2015. O fundador acreditava que poderia dar um salto na música clássica, de modo a atrair novos públicos e revigorar o interesse por meio de concertos em locais incomuns, como criptas ou catacumbas. A maioria de seus shows também oferece um período de coquetel antes de começar e tem duração média de uma hora ou mais. “Na minha visão, é tempo suficiente para proporcionar uma experiência musical verdadeiramente relevante e não ser cansativo ao público”, diz Ousley.
Os ingressos para os shows de Ousley quase sempre se esgotam não só porque são populares mas também em vista dos locais pequenos onde acontecem. Na Igreja da Intercessão, os membros da plateia se sentam em cadeiras de plástico e comem queijo da rede de varejo Costco antes de descer para a cripta. No histórico e atmosférico Green-Wood Cemetery, onde os shows são realizados nos meses mais quentes, as performances são precedidas por uma degustação de uísque e, em seguida, um passeio ao luar pelo cemitério até as catacumbas.
Tanto a cripta da igreja como as câmaras do sepulcrário oferecem ambientes íntimos para música à luz de velas e um ar de mistério. Na cripta, arcos e candelabros enquadram os artistas, e as performances anteriores incluíram a violinista Lara St. John, o violoncelista Joshua Roman e o contratenor de ópera John Holiday.
Ousley tem o dom de atrair patrocinadores e trabalha para manter os custos baixos: a Yamaha fornece os pianos, comida e álcool são doados por parceiros como Blackened American Whisky e Virgil Kaine Lowcountry Whisky Co. ou comprados a granel, e os músicos recebem pouca compensação. O organizador, entretanto, espera transformar a série em uma instituição sem fins lucrativos, pois embora consiga controlar os custos, ele ainda perde dinheiro. Atualmente, conta com um grupo de voluntários, mas gostaria de um dia ter uma equipe de produção real a partir de um modelo de associação que ofereça aos membros em primeira mão detalhes sobre ingressos e outros benefícios e permita que mais shows sejam apresentados.
Ousley acredita que há interesse. “Muitas pessoas vieram e disseram: ‘gostaria de apoiar isso’. Mas, por enquanto, estou literalmente movendo cadeiras na tarde da apresentação”, explica ele.
O organizador espera continuar sua radical reinvenção da maneira como a música clássica é apresentada e expandir para locais ainda mais incomuns. Ele diz que está de olho na caverna abaixo da Igreja de St. George, em Nova York. Mas o que quer que faça no futuro, diz ser “igualmente inesperado, transformador e macabro”.
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.