Sabe aquela dúvida do que fazer da vida, típica da juventude e dos momentos que antecedem a escolha de um curso universitário? O paulistano Cássio Vasconcellos, hoje com 54 anos, não passou por tal drama: sempre soube que seria fotógrafo. O olhar diferenciado para essa arte surgiu prematuramente, logo aos 7 anos de idade, em uma viagem com a família para o Rio de Janeiro. No Pão de Açúcar, em vez de focar a paisagem da Cidade Maravilhosa com a Kodak Instamatic, fazia fotos da sombra do bondinho, experimentava ângulos nada óbvios, clicava prédios a 45 graus; inventou tanto que virou motivo de piada do irmão mais velho. Aos 15 anos, outro marco: uma viagem com os pais para Serra Negra (SP), dessa vez com uma Pentax SP 1000. “Daí, não parei mais”, recorda. “Durante o colegial, fiz dois semestres de um curso de fotografia na Escola Imagem-Ação e acabei não fazendo faculdade – não existia formação acadêmica na área.”
O mergulho na fotografia fez com que as coisas acontecessem rapidamente para o paulistano que cresceu no bairro do Brooklin. Aos 19 anos, ele já havia exposto no Masp, no Centro Cultural São Paulo e no MAM, do Rio. “Até tentei prestar para outros cursos, mas não levava as provas a sério, perdia a hora… Tomei coragem para falar com meu
pai e dizer que ia desistir de fazer uma faculdade. Ele olhou para mim, indignado: ‘Você ainda estava pensando em fazer faculdade? Como assim? Você nasceu para a fotografia, dedique-se a isso!’”, recorda Cássio, rindo. O pai, Paulo Vasconcellos (1932-2010), era marchand, sempre levava para casa as peças que comercializava e curtia reunir os três filhos para dois dedos de prosa sobre as obras de arte. “Minha faculdade foi meu pai. Ele tinha muito bom gosto. Apreciava arte, móveis brasileiros, modernistas, concretistas, era amigo de artistas importantes. As obras não eram nossas, mas ficavam em casa uns dias e isso foi muito rico para minha formação e meu olhar.”
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ÁRVORES E HELICÓPTEROS
Com uma carreira autoral intensa de 38 anos de experiência (recheada por passagens em fotojornalismo e 15 anos de foto para publicidade), Cássio celebra em 2019 dois fatos marcantes: o ingresso na prestigiada Galeria Nara Roesler e o sucesso da exposição Nous Les Arbres, aberta em julho na Fundação Cartier, em Paris. O sucesso é tamanho que a data de término, programada para 10 de novembro, foi adiada para 5 de janeiro de 2020, algo raro para a instituição.
Com a curadoria de Bruce Albert, Hervé Chandès e Isabelle Gaudefroy, a exposição reúne o trabalho de artistas, botânicos e filósofos que trouxeram um novo olhar sobre o universo das árvores. São desenhos, pinturas, fotografias, filmes e instalações de nomes da América Latina, Europa, Estados Unidos e Irã, além de aldeias indígenas (como a yanomami), divididos em três linhas narrativas: o conhecimento, a estética e a devastação das árvores, os organismos vivos mais antigos do planeta, com 385 milhões de anos. A participação de Cássio ganhou notoriedade entre os nomes multidisciplinares, já que suas fotos acabaram pinçadas para ilustrar o convite e toda identidade visual da exposição, como cartazes no metrô parisiense, a fachada da fundação e a capa do catálogo.
“Eles [Fundação Cartier] estão bem contentes com o êxito da exposição [mais de 150 mil visitantes desde julho] ; tem fila todo dia. A Fundação me procurou para participar, eu mandei umas 20 fotos, das quais quatro foram selecionadas. São imagens da série Viagem Pitoresca do Brasil, um trabalho que realizo desde 2015 em florestas brasileiras, principalmente de Mata Atlântica.” Cássio conta que a inspiração da série são os pintores europeus que desembarcaram no Brasil no século 19, entre eles Debret, Rugendas e o botânico Ludwig Riedel, seu tataravô, que fez parte da épica expedição Langsdorff, de 1824 a 1829. “A ideia é passar a emoção que eles tiveram quando vieram para o Brasil pela primeira vez e se depararam com uma natureza que nunca tinham visto, nem tinham referência. Desenvolvi um processo em que a imagem transmite uma espécie de sensação da época – são muitas horas no computador para cada foto.”
Surpreender com a pós-produção do clique é uma marca de outras séries emblemáticas de Cássio, um apaixonado por helicópteros desde as brincadeiras com Vertiplano na infância e começar a trabalhar com fotos aéreas, aos 24 anos, quando voou em Itu (SP) para fotografar um terreno. “Tenho o maior acervo aéreo do Brasil. São mais de 20 anos de fotos desse tipo em cerca de 900 horas de voo”, comenta o fotógrafo (que tem brevê desde 1996). Para a série Coletivos, a obra Aeroporto é composta por mil fotografias e demorou um ano para ficar pronta. “Elaborei um aeroporto imaginário e fui trabalhando avião por avião, respeitando fielmente a proporção de cada um dos 250 aviões, nada ali é repetido. É um trabalho de montagem que dá a ilusão de ser verossímil. Ficou com 5 metros de largura, com superdefinição de detalhes. Considero como um trabalho âncora, algo que ninguém fez. Às vezes temos que arriscar, fazer loucuras, ainda mais em um momento em que a fotografia foi banalizada.
Veja abaixo galeria de fotos de Cássio Vasconcellos:
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Cássio Vasconcellos Aeroporto (2011): 250 aviões em uma montagem de 5 m de largura e 2 m de altura que demorou um ano para ficar pronta
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Cássio Vasconcellos Shangai, série de 2013
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Cássio Vasconcellos Série Tecidos Urbanos, de 2007, mostra uma invasão clandestina em uma curva do rio Tietê, na altura de Itaquaquecetuba
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Cássio Vasconcellos Ceasa (2011), com 1,5 m de altura por 4 m de largura, traz uma montagem de caminhões fotografados em voos sobre o local
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Cássio Vasconcellos Série Viagem Pitoresca pelo Brasil, iniciada em 2015
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Cássio Vasconcellos Série Noturnos São Paulo (1998-2002) enquadra o Belém, na zona leste da cidade
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Cássio Vasconcellos Série Coletivos (2018)
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Cássio Vasconcellos Deserto de Atacama (norte do Chile), na série Fly to Mars (2012)
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Cássio Vasconcellos Viagem Pitoresca pelo Brasil, resultado de expedições na Mata Atântica e que procuram trazer a emoção que viajantes europeus tiveram ao vislumbrar nossas florestas
Aeroporto (2011): 250 aviões em uma montagem de 5 m de largura e 2 m de altura que demorou um ano para ficar pronta
Reportagem publicada na edição 73, lançada em dezembro de 2019
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