Depois de tormentas a partir de 2014, a aviação executiva começou a ver o tempo abrir no último trimestre do ano passado, quando números positivos do segmento credenciaram 2020 a uma temporada de voos altos, em um céu cada vez mais limpo. “Desde 2014, a nossa economia está muito ruim. Começamos a respirar um pouco melhor no fim de 2019. A expectativa de 2020 era muito boa”, comenta Flávio Pires, diretor geral da Associação Geral de Fabricantes de Aviação (Gama).
De fato, os números dos últimos anos apontam para um lento restabelecimento. A frota da aviação geral de 2017 para 2018 cresceu 0,84%: de 15.361 aeronaves para 15.490. De 2018 para 2019, a frota deu um passo menor ainda: 0,48%, e atingimos 15.564. E, se em 2019 entraram 313 aeronaves no país, muitas voaram no sentido contrário. Segundo a análise da associação, o cenário apresenta um setor em recuperação – o mercado de aviação abriu 2020 com grande otimismo, empurrado pelo último trimestre relativamente forte.
“Em 2019, houve uma negociação maior em cima de jatos, o que é um sinal de melhoria do segmento – quando o empresário investe em aeronaves mais caras, ele demonstra acreditar em um horizonte melhor também. A venda de jatos ultrapassou a de turboélices e outras aeronaves”, conclui Flávio. A associação informa que o segmento de aeronaves com maior registro de importações foi o de jatos (62%), seguido de turboélices (24%), aeronaves a pistão (12%) e helicópteros (2%).
“Quando o empresário investe em aeronaves mais caras, ele demonstra acreditar em um horizonte melhor também”, diz Flávio Pires, diretor geral da Gama
O impacto fulminante da pandemia da Covid-19 na aviação regular comercial criou oportunidades para as empresas de táxi aéreo no transporte de passageiros e cargas. Dia 27 de março, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) autorizou o transporte de cargas biológicas (exames, amostras, testes, vacinas, medicamentos, equipamentos médicos e insumos hospitalares), por meio de uma portaria com o objetivo de auxiliar o país no combate ao vírus.
O BALANÇO DA EMBRAER
Os bons ventos que sopravam no início do ano refletem os números da Embraer de 2019 – e a força do último trimestre. A receita líquida consolidada da empresa foi de R$ 21.802.100, valor que corresponde a um crescimento de 16% em comparação a 2018 – salto causado principalmente pela variação cambial do período, mas também pelo crescimento na receita da divisões de defesa e segurança (39%), de aviação executiva (35%) e de serviços e suporte (16%). Segundo a Embraer, em 2019, a área de aviação comercial da empresa representou 40,9% do total das receitas; a aviação executiva, 25,9%; serviços e suporte, 19% e defesa e segurança, 14%.
Com a entrega de 46 aeronaves no quarto trimestre de 2019 (dez a mais que no mesmo período de 2018), a parcela da receita de aviação executiva naquele trimestre subiu para 29,8%. No ano todo, o número de entrega de jatos executivos chegou a 109 (foram 91 em 2018). A empresa fechou 2019 com US$ 1,4 bilhão de pedidos dessas aeronaves em carteira.
Os modelos mais entregues da Embraer seguem sendo os jatos Phenom 300 e Phenom 300E, single-pilot mais veloz e com maior alcance no mundo – já são 530 entregas do Phenom 300 desde dezembro de 2009. E, com pouco mais de um ano de lançamento, os Praetor 500 e Praetor 600 ganharam destaque na categoria graças aos avanços tecnológicos que transportam.
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Nos esforços contra a Covid-19, a Embraer iniciou na primeira semana de abril as entregas dos componentes para montagem de ventiladores pulmonares. A iniciativa, liderada por ela, envolve outras sete empresas do setor aeronáutico da região do Vale do Paraíba e Campinas (no interior de São Paulo). As empresas vão apoiar a fabricação de 5 mil aparelhos.
EXPERIÊNCIA EM TSUNAMI E TERREMOTO
Entre as aeronaves mais procuradas pelo cliente brasileiro nas categorias light e superlight da Air Charter Service, lá está a família dos Phenom, com as versões 300 e 100. As vedetes entre os midsize: Cessna Citation XLS e Cessna Citation Sovereign. Para voos mais longos: máquinas como o Gulfstream G650 e os Bombardier Global. Ana Benavente, diretora executiva da ACS para América do Sul, informa que o faturamento da empresa no Brasil em 2019 foi de aproximadamente R$ 34 milhões, enquanto o da operação global foi o equivalente a R$ 3,14 bilhões – um crescimento de 15% em nível nacional e de 10% no internacional.
“Desde o início da pandemia até o meio de abril, verificamos um aumento de cerca de 30% na demanda”, contabiliza Ana. Ela explica que a empresa tem três divisões: fretamento de jatos executivos, fretamento para grupos e fretamento de carga. “Passamos por três momentos: no começo, um aumento da demanda de voos executivos para repatriação de executivos e famílias; em um segundo momento, aumento da demanda para grupos em voos de repatriação de turistas e funcionários de empresas; e, desde o início de abril, uma grande demanda para fretamento de cargas, principalmente vindas da China, onde temos três escritórios que facilitam toda a operação.
O setor de carga ainda deve se manter forte pelos próximos três meses. Até que a demanda por jatos executivos se recupere, as demais áreas devem manter as vendas”, planeja a executiva da ACS. “A expectativa para 2020 e 2021 era de manter o crescimento do ano anterior e solidificar ainda mais a empresa no Brasil e em toda a América do Sul. Vamos manter esse foco, mas com a tendência de terminarmos o ano com break-even.”
A Air Charter Service acredita que a experiência em voos humanitários em casos de guerras e acidentes naturais pode fazer a diferença nos serviços prestados em um momento de pandemia. “Este certamente é um dos nossos diferenciais – sabemos trabalhar e ajudar nas questões de emergência”, garante a executiva da empresa que tem 27 escritórios espalhados pelo mundo, em todos os continentes.
VOOS DE REPATRIAÇÃO
O trimestre de estreia de 2020 também foi promissor para o Flapper, aplicativo em que é possível escolher entre mais de 210 jatos, turboélices e helicópteros para voos compartilhados. “Nos primeiros três meses do ano percebemos uma alta de demanda por voos domésticos (12% YoY) e internacionais (69% YoY). Várias operações, porém, não comercializaram, com autoridades recusando voos não essenciais e fechando fronteiras na última hora. No total, a receita aumentou, mas menos do que o esperado”, diz o polonês Paul Malicki, CEO da Flapper.
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“Abril trouxe uma mudança de cenário na aviação executiva, com queda forte de voos de lazer e voos executivos”, continua Malicki. “Adaptamos rapidamente as nossas operações para transporte de carga e voos de repatriação. A estimativa é de crescimento em nossa receita, graças às mudanças que implementamos.”
Entre as rotas mais procuradas na pandemia, Malicki cita China-Brasil e China-Estados Unidos. “Já estamos numa situação em que faltam aviões para realizar todos os voos de carga.” Prestes a realizar um voo trazendo 120 brasileiros de volta para casa quando concedeu esta entrevista, ele calculava que os voos de repatriação deveriam continuar por mais algum tempo.
No caso da Flapper, a pandemia fez com que os voos aeromédicos correspondessem a 10% da receita – o principal volume de voos é de carga médica. “A maioria dos voos executivos realizados recentemente foi em aeronaves menores, como Phenom 100, King Air B200 GT e helicóptero Esquilo. Mas aumentou muito a procura por aviões de alcance intercontinental, como Gulfstream G450 ou G550.” Malicki conta que até o meio de março o voo cotado mais caro atingiu US$ 1,7 milhão, em Boeing 777 Freighter, trazendo máscaras de China; entre os de passageiros, um para mais de 400 pessoas por US$ 1,1 milhão.
Com os serviços de fretamento (19 aeronaves de asa fixa e três de asa rotativa), manutenção e hangaragem, a Icon Aviation também realizou repatriamento de vítimas da Covid-19. Entre março e abril, foram voos de brasileiros que estavam nos EUA, Arábia Saudita e Suíça; e também o inverso: estrangeiros no Brasil voltando para casa.
A empresa de aviação executiva de Michael Klein ofereceu ainda transporte de cargas biológicas, equipamentos médicos e respiradores, além de disponibilizar o Icon Med, com UTI aérea, resultado de um investimento de US$ 5 milhões na aeronave (Pilatus PC-12) e US$ 95 mil em equipamentos. “Essa aeronave é considerada a melhor e mais segura da categoria, podendo realizar pousos e decolagens em pistas pavimentadas, de terra, cascalho ou grama”, diz Klein.
CUIDADO COM O COLETIVO
A repatriação entrou nas contas da Líder Aviação, empresa de 61 anos de história, com sede em Belo Horizonte, que faturou R$ 500 milhões em 2019, apoiada em cinco unidades de negócio (a mais rentável é a operação de helicópteros que atende às plataformas da Petrobras). O maior movimento de voos executivos para repatriação nesse período de pandemia se deu entre cidades da América do Sul.
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“Antes disso, os empresários estavam animados e positivos no início do ano, acreditando nas reformas do país. A expectativa era boa tanto para o fretamento como para a venda de aeronaves”, comenta Júnia Hermont, diretora superintendente. Com 20 bases no Brasil, a Líder tem um portfólio de fretamento de 24 aeronaves (helicópteros e aviões) e uma frota de off-shore e on-shore de 34 helicópteros. “Tivemos um aumento de 12% nas cotações de fretamento de março”, conta Júnia.
Se, por um lado, o segmento manobra rapidamente para crescer mesmo na pandemia, mostrando uma eficiente capacidade de mudança e de adaptação, Júnia chama atenção para a lição que está atingindo todos os setores: a necessidade de criar um mundo diferente. “Temos que ter mais cuidado com o coletivo.”
Reportagem publicada na edição 77, lançada em maio de 2020
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