“Estavam os três quebrados, quebradinhos. Mas imaginavam marotagens, conluios, façanhas, brigas, fugas, prisões — retratos no jornal e todo o resto —, safadezas, tramoias; arregos bem-arrumados com caguetes, trampolinagens, armações de jogo que lhes dariam um tufo de dinheiro; patrões caros aos quais fariam marmelo, traição; imaginavam jogos longínquos, lá pelos longes dos subúrbios, naquelas bocas do inferno nem sabidas pela polícia; principalmente imaginavam jogos caros, parceirinhos fáceis, que deixariam falidos, de pernas para o ar. E em pensamento funcionavam. E os três comendo as bolas, fintando, ganhando, beliscando, furtando, quebrando, entortando, mordendo, estraçalhando…”
É de arrepiar a escrita do paulistano João Antônio (1937-1996) em seu livro de contos de estreia “Malagueta, Perus e Bacanaço”, de 1963, em que narra as andanças de três jogadores de sinuca por endereços sombrios da Lapa, Barra Funda e Pinheiros. Assim que ponho os pés na villa Espate, do Six Senses Botanique, dou de cara com esse clássico na edição da Cosac & Naify, de 2004. Com cigarras zunindo ao fundo, folhas que se soltam do galho em câmera lenta e pássaros de brincadeira na copa das árvores, sou fisgado por um sofá absolutamente confortável, que me abraça e não me larga enquanto passeio por duas ou três páginas da obra – antes mesmo de ver como é o quarto.
SAIBA MAIS: Botanique nasce como modelo de pós-luxo e conquista Six Senses
Esse é o tipo de surpresa com que o hóspede deve se acostumar nessa pérola da hotelaria nacional, localizada no Triângulo da Serra (entre Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e Santo Antônio do Pinhal), e que passou a se chamar Six Senses Botanique no dia 9 de fevereiro. Trata-se da 20ª unidade da rede internacional – a primeira nas Américas. O hotel pendurado entre montanhas da Serra da Mantiqueira, onde nuvens brancas resvalam em araucárias, foi inaugurado em 2012, mas sua semente remonta ao início dos anos 2000. Na época, a empresária Fernanda Ralston Semler desenvolveu o conceito de pós-luxo baseado em cinco pilares: qualidade de matéria-prima, atemporalidade, originalidade, valor justo e propósito maior/identidade local. Vivendo nessas montanhas com a família desde 2007, Fernanda criou o Botanique como forma de materializar tal conceito. A visão de mundo de Fernanda casou perfeitamente com as premissas do Six Senses.
MAÇÃ, CANELA, AVEIA E BABOSA
Quando os olhos escapam do livro, acham um mobiliário escolhido a dedo e obras de arte selecionadas pela galeria de arte Casa Triângulo. A curadoria de design é uma parceria com Adélia Borges – ela compôs uma lista de cerca de 100 nomes do design nacional, e Fernanda arrematou as peças que mais conversavam com o DNA Botanique. Já os 400 livros espalhados nas dependências comuns e nas acomodações atendem à peneira feita pelo editor Cassiano Elek Machado. São sete suítes no prédio principal e 11 villas que variam de 100 a 350 metros quadrados – o plano é expandir para 34 acomodações. Há também a curadoria do crítico Inácio Araújo para 36 filmes nacionais (relíquias como “Terra em Transe”, de 1967, de Glauber Rocha, com Paulo Autran e Jardel Filho) e quase 70 estrangeiros – há uma sala de cinema privativa esperando por você.
Entre as novidades, o Alchemy Bar, com a proposta de ensinar receitas de ervas para serem replicadas em casa. Quem conduz a experiência de preparar o meu esfoliante corporal é o argentino de Buenos Aires Julio Arias, de 65 anos, há dez no Botanique, especializado em terapias corporais e nos poderes mágicos de plantas. Na receita do esfoliante de maçã e canela, temos: açúcar mascavo, aveia em pó, babosa, óleo de coco, canela e maçã ralada. Antes da prazerosa aula e de misturar os elementos com um pilão, Julio põe fogo na ponta de um defumador de ervas frescas, capim-limão, citronela e sálvia. “A diversidade de plantas medicinais da Mantiqueira é extraordinária. Usamos argila de Minas Gerais. Reutilizamos sobras do hotel para fazer produtos naturais. Essa é a transformação do Six Senses: levar conhecimento, poder fazer em casa.” Com meu pote de esfoliante pronto para ser usado no spa, me despeço de Julio com um longo e afetuoso olhar – talvez ressaltado pelo uso mútuo de máscaras. Sem grandes explicações, fico emocionado e saio com um nó na garganta – que se repete agora, enquanto escrevo.
Se já estava levitando sob os aromas da Mantiqueira e as palavras de Julio, o que dizer então ao passar aos cuidados da massoterapeuta mineira, Fabiana Fernandes, no spa. Esfoliação seguida de massagem, corpo inteiro. Os trabalhos começam com o toque de sino, em uma tigela tibetana. Sabe-se lá quanto tempo depois, troco de sala e me entrego a uma chaise-longue de frente a um enorme quadro panorâmico, com plantas vermelhas e baixas em primeiro plano e, ao fundo, uma parede vegetal verde. Entre os dois planos, uma roseira, com uma única flor que parece estufar o peito, de tão aberta que está. Percebo estar diante de uma janela – e não de um quadro – quando o vento bate e a rosa acena para mim, como se me acordasse.
De pele nova, flutuo até outra instituição do Six Senses Botanique: o Restaurante Mina, com paredes de vidro, um visual de 180º de montanhas verdes e vales. Ali, uma orquestra de 32 pessoas toca sob a batuta do chef Gabriel Broide, de 39 anos. Paulistano do Sumaré, Broide tem 22 anos de avental, com passagens mais marcantes no Laurent, DOM e Bistrô Jaú, assumindo o Mina em 2012, três anos depois de ter o próprio restaurante. Broide conta que ele e equipe receberam a visita do português Nuno Miranda, diretor de Food and Beverage do Six Senses por um mês. “Foi uma verdadeira imersão nos conceitos da marca. Temos um programa chamado Eat With Six Senses, bastante complexo e importante nos pilares da companhia. Fui ‘tratorado’. Aprendi muito. A grande descoberta foi entender que um hotel deste calibre precisa ter muitas atividades de F&B acontecendo ao mesmo tempo.” Questionado sobre qual prato do menu de jantar faz mais sucesso entre os hóspedes, Broide garante: “nosso tradicional arroz de pato com tucupi” – e eu não tenho como discordar.
Entre as experiências trazidas por Nuno, um piquenique de comer de joelhos (literalmente), servido na sombra de um jatobá-mirim. São nove pratinhos deliciosos que cercam uma tábua de charcutaria, acompanhados por espumante Malbec Rosé Brut, da gaúcha Don Guerino. Café da manhã no quarto (com itens escolhidos na noite anterior) é outro “detalhe” que valoriza o ambiente da villa e o simples desfrute de observar a natureza sem pressa, pelas amplas paredes de vidro. Agora, vivência inesquecível foi o menu degustação de oito etapas, em pé, no meio da cozinha do restaurante. O primeiro prato aconteceu na lareira do lobby: crocante doce de polvilho azedo, com PANCs e cúrcuma, servido em um pratinho de madeira que é arremessado às chamas. Uma dose da cachaça Claudionor (clássico mineiro de Januária) fez parte do brinde inaugural do jantar, feito em companhia do chef. Aí sim, na cozinha, acompanhei o preparo dos pratos que vão para o salão e a sinergia da equipe, enquanto aterrissavam em minha mesinha maravilhas como tempurá de cambuquira, com caviar siberiano, pancetta tesa e cebolinha (3º prato) e o magret de marreco grelhado, com rabanete fondant e mostarda fresca (6º prato). Nos momentos que Broide se desloca para acompanhar outra degustação na Adega, quem assume a toada da cozinha é Matheus dos Santos Brito, de 22 anos, que demonstra uma satisfação enorme de estar ali, naquele recital tão bem ensaiado. De volta à villa Espate, lá estão os chocolates artesanais de cacau amazônico, ao lado de – surpresa! – uma ampliação da foto feita horas antes, no momento do brinde com Broide, assinada pelo próprio.
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FARM TO TABLE
Ao caminhar pelos jardins do hotel, o paulistano Fernando Brugnera, de 32 anos, gerente de sustentabilidade do Six Senses Botanique, vai pescando em uma moita aqui, outra ali, exemplos de matos que vão parar nos pratos do Mina. Pega um lírio-do-brejo e explica que a folha substitui o papel-alumínio. Esfrega folhas nas mãos, apresenta cheiros. Mostra a horta de orgânicos, com vegetais, frutas e ervas que também abastecem o spa. Passamos pelo espaço onde galinhas botam ovos sem stress (telhas sustentáveis abafam o som da chuva de granizo) e as cabras – Gringa e Charlote – colaboram com o ciclo da compostagem. Vimos de perto as abelhas colocando a água da chuva para fora da colmeia. A caminhada remete à infância de Fernando, que brincava na horta do quintal da avó Lúcia, na Freguesia do Ó, entre pés de araçá e uvaia. “Ela me ensinou tanta coisa…”, reflete, olhando as montanhas.
No hotel desde a inauguração, quando chegou como confeiteiro, Fernando esmiúça a relação com fazendas vizinhas, que representam 70% das compras. “São 32 fornecedores que não importa o que a gente quer; importa o que eles têm fresco. Estamos agora abolindo a cultura de receber produtos em plásticos. A ideia de Plastic Free, da Six Senses, trazida em novembro, começou a rolar em janeiro e já cortamos 65%.”
No dia do retorno a São Paulo, pela manhã, peguei uma bicicleta para visitar a Cachoeira do Lajeado, a 15 minutos do hotel. Dia nublado, a ideia era só dar uma olhada. Mas cruzei com o norte-americano Dominic Scoles, gerente geral do Six Senses Botanique, pessoa adorável. “Você tem que entrar.” Tinha razão. A respiração profunda sob água geladíssima selou a visita a essa esquina da Mantiqueira. Já na estrada rumo à capital, enquanto a garoa cai, me pego pensando em uma nova demanda: onde vou encontrar babosa para fazer meu esfoliante corporal.
Conheça um pouco do Six Senses Botanique na galeria de fotos a seguir:
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Reprodução/Forbes O chef Gabriel Broide, feliz da vida, levando à mesa do
Restaurante Mina o que há de mais fresco da horta e dos fornecedores vizinhos -
Reprodução/Forbes Prato servido no Restaurante Mina, comandado pelo chef Gabriel Broide
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Reprodução/Forbes Detalhe do pilão usado
no Alchemy Bar, onde
você prepara o próprio
esfoliante antes de ir ao Spa -
Reprodução/Forbes Banheira cercada por verde
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Anúncio publicitário -
Reprodução/Forbes O norte-americano Dominic
Scoles, gerente geral do
hotel, que vem de trabalhos
no Vietnã e nas Maldivas -
Reprodução/Forbes A empresária Fernanda Ralston Semler, que inaugurou o Botanique em 2012
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Reprodução/Forbes Paredes de vidro harmonizam com paredes de pedra
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Reprodução/Forbes Villa com 350 metros quadrados e piscina particular
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Reprodução/Forbes Detalhe de acomodação no Six Senses Botanique
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Reprodução/Forbes Cachoeira do Lajeado, a 15 minutos de bicicleta do hotel: banho gelado selou a
visita pra lá de especial
O chef Gabriel Broide, feliz da vida, levando à mesa do
Restaurante Mina o que há de mais fresco da horta e dos fornecedores vizinhos
Reportagem publicada na edição 85, lançada em março de 2021
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