“O voo do Thiago atrasou. Ele vai precisar pegar a estrada, vamos entrar por telefone mesmo”, avisou Paulo, o assessor. Naquele momento, a mensagem só me pareceu o aviso de um imprevisto, algo até comum em entrevistas. A videoconferência combinada virou uma ligação telefônica turbulenta, de sinal oscilante – ele viajava de Ponta Porã a Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para embarcar para São Paulo. Mas serviu para entender o comprometimento de Thiago com a agenda, mesmo com os obstáculos que surgiram pelo caminho, incluindo um bloqueio policial na rodovia.
Na segunda e definitiva conversa, pude chamá-lo de Thiago. É assim que ele é visto por amigos, parceiros de negócios e familiares. E é dele que vamos falar: do homem por trás da “Ousadia e Alegria” e do fenômeno que atende pelo diminutivo: Thiaguinho. Vamos falar do Thiago André, de 38 anos, tão esperado pelos pais Glória e João que já tinha nome escolhido antes mesmo de nascer em Presidente Prudente, no interior de São Paulo.
Na infância, ele dava sinais de algo que ficou claro durante a entrevista: parceria é a palavra-chave do seu dicionário. Ela permeia tudo o que ele cria, seja na música, seja nos negócios ou na vida pessoal. Tal comportamento não surgiu depois da fama. Quem relembra a história dos tempos em que Thiago era criança e adolescente em Ponta Porã é o pai. “Ele sempre foi eleito o melhor companheiro e amigo da sala. Desde criancinha sabe agregar, tem um comportamento de conciliação e tranquilidade”, relata João.
Em 2002, aos 18 anos, tentou a sorte ao participar do reality show musical “Fama”, da Rede Globo. Foi o quarto eliminado, mas o programa o colocou nos trilhos rumo à cidade grande. Já no ano seguinte, ao lado de Péricles, assumiu os vocais do Exaltasamba. No grupo, ele conquistou o coração do público, ganhando o Grammy Latino em 2011. Um pouco antes teve início o lado Thiago S/A. Em 2009, ele criou a Paz & Bem, editora que se tornou a responsável pela administração de suas canções e obras. Abriu a empresa com o sócio e amigo de longa data Bruno Azevedo. Quando o Exaltasamba anunciou seu fim, em 2011, Thiaguinho já estava com o caminho pavimentado para começar a brilhar em carreira solo.
4 MIL VIDAS
Na evolução do mercado da música e do entretenimento, impulsionada pela internet e pelo declínio de velhas instituições, os artistas entenderam que podiam – e deveriam – assumir o papel de gestores de suas próprias carreiras. Na virada de 2015 para 2016, ele rompeu com o escritório do qual fazia parte e a Paz & Bem ganhou um novo braço, passando a gerir a carreira dele. “Eu era muito novo na época do grupo, não tinha o conhecimento de tudo o que acontecia no mercado da música e até hoje busco conhecimento, porque é um universo muito amplo. [Cuidar da própria carreira] foi uma ótima oportunidade para crescer enquanto artista em todos os sentidos. Não só musicalmente, mas também como gestor – e entender tudo o que envolve uma carreira”, explica Thiago.
A Paz & Bem conta com 210 funcionários com carteira assinada e não encerrou nenhum contrato durante a pandemia, mantendo o pagamento do salário de todos. O Thiago gestor tem plena consciência do seu papel como provedor para inúmeras famílias – a projeção é de impacto indireto em cerca de 4 mil pessoas. “Sempre fomos muito organizados financeiramente, sempre tivemos preocupação com o caixa para que pudesse dar segurança caso acontecesse alguma coisa comigo. Conseguimos não mandar ninguém embora na nossa equipe, e isso me deixa muito feliz. Valorizo muito a galera que me ajuda a ser quem eu sou e poder fazer o que amo.”
O braço mais recente da Paz & Bem crava de vez o rompimento do artista com os modelos tradicionais de viver de música. Após investimento de R$ 52 milhões, Thiago se tornou dono da própria gravadora. Sua saída oficial da Som Livre foi anunciada em abril deste ano. Seu novo disco, a segunda parte do projeto “Infinito”, foi lançado pela Paz & Bem em julho. No primeiro momento, a gravadora estará focada em lançar os seus trabalhos, mas o artista não descarta tocar projetos de outros artistas no futuro. “Tudo vai depender do crescimento dela, mas seria uma honra. Sou um cara muito curioso nesse sentido de procurar artistas e compositores novos”, afirma.
PUBLICIDADE E GIM
Afastado dos palcos e das plateias por causa da pandemia, o artista teve mais tempo para focar no lado empresário, com mais braços sendo adicionados à empresa e novas oportunidades de negócios surgindo no horizonte.
“A Paz & Bem começou a se tornar uma empresa guarda-chuva, construindo relacionamentos para trazer sociedades importantes tanto para a empresa quanto para fortalecer a imagem do Thiago como artista. Diversificamos a atuação em vários setores e iniciamos participação em outros negócios”, explica o sócio Bruno Azevedo. “Não domino todos os assuntos da minha carreira e preciso de pessoas em quem confio para me ajudar a ter a tranquilidade de exercer a minha maior função que é cantar, compor e fazer shows”, acrescenta o artista.
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Ainda que a música ocupe a maior parte do faturamento de R$ 2 bilhões ao ano da empresa, a publicidade também traz cifras expressivas para a receita. Durante a pandemia, Thiago fechou contrato com a Reebok para se tornar embaixador da marca esportiva, com a criação de uma linha exclusiva de produtos. Entre as marcas com que mantém parceria estão Colgate, Nivea Men, Red Bull e XP Investimentos. A maioria dos contratos que o artista fecha com outras empresas é de licenciamento, em que ele entra como marca também – e não apenas como um garoto-propaganda –, trazendo ideias para os produtos. “Fico feliz por representar marcas porque é uma responsabilidade grande. Apostam na sua imagem e em tudo o que envolve a sua carreira. Tem a ver com sua conduta e sua credibilidade”, pontua.
Com exclusividade à Forbes, Thiago revelou sua entrada no setor de bebidas alcoólicas. A convite do empresário e “irmãozão” Marcos Buaiz, ele assumiu como head de comunicação e marketing do gim capixaba DryCat. A microdestilaria foi criada pela dupla Luiz Flávio Zanon Brêda e Ari Oliveira e teve início na laje dos dois. A empreitada também conta com a colaboração de Gilberto Lopes, da rede Hortifruti. Buaiz, que havia sido sócio de Thiago no grupo Exaltasamba, já tinha alertado o artista sobre esse modelo de negócios: deixar de ser apenas garoto-propaganda para participar da criação, contribuindo com ideias e fazendo parte efetiva da empresa. A prática é comum nos Estados Unidos: JAY-Z, além de rapper, é dono da marca de champagne Armand de Brignac, com garrafas que custam entre R$ 2 mil e R$ 8 mil, enquanto Sean “Diddy” Combs é dono da vodca Ciroc. Com quatro rótulos de gim no portfólio, a DryCat já ganhou prêmios internacionais, incluindo tripla premiação na Inglaterra, no London Spirits 2020, obtendo o melhor resultado entre os destilados da América do Sul. “Estou me juntando com pessoas maravilhosas, vencedoras, o que vai me fazer crescer bastante como gestor em um negócio que não seja música. É algo novo para mim, um desafio interessante, e esse envolvimento faz com que a gente consiga comunicar melhor um produto ao público por fazer parte do processo de criação”, explica Thiago.
RACISMO: E AÍ, ATÉ QUANDO?
Em seu Instagram, ele criou o quadro “E aí, até quando?”, em que compartilha com os 9 milhões de seguidores casos de racismo acontecidos no país. As publicações são parte da iniciativa do artista de olhar ao redor e ajudar a sociedade de alguma maneira. “Não é nem uma questão de posicionamento, é vivência. Acho importante mostrar e falar para combater algo que considero um dos maiores problemas do nosso país. Vejo isso acontecer com a família e amigos, além de sentir na pele. Quero fazer de tudo para que as próximas gerações sintam menos do que eu.”
Filho de professores e com origem humilde, Thiago afirma que ainda está se acostumando com a ideia de ser visto como referência para pessoas mais jovens, que sonham em conquistar o que ele conseguiu. Pedindo perdão sobre o uso da terceira pessoa para falar de si mesmo, ele reflete: “A cada dia que passa, o Thiago – junto com o Thiaguinho, que é quem possibilita levar os sonhos dele adiante – pensa mais no outro. Não sei tudo sobre a vida, mas me sinto cada vez mais olhando para o lado e tentando ajudar as pessoas da minha maneira”. Recentemente, ele lançou o projeto Junthos pela Arte, um fundo para captar recursos para ajudar outros artistas que vivem exclusivamente de cultura e estão passando dificuldades durante a pandemia. Em um mês, foram arrecadados R$ 54 milhões, que serão distribuídos para ONGs e projetos sociais.
O olhar social não é novo para Thiago. Durante a turnê “Tardezinha”, que durou quatro anos e meio e rodou o Brasil, o público era incentivado a doar alimentos nos shows. As doações ajudaram mais de 500 mil famílias com a doação de 450 toneladas de alimentos, além de cobertores, colchões, meias e casacos. Ele também é padrinho do Instituto Compartilhar, do técnico Bernardinho, e uma porcentagem dos seus lucros é repassada ao Instituto Neymar Jr. “Eu não paro de sonhar. Isso me move. Peço para Deus colocar oportunidades na minha vida para crescer em todos os sentidos, para aparecer algo que me desafie e me faça contribuir para o mundo de alguma maneira”, finaliza.
Reportagem publicada na edição 88, lançada em junho de 2021.
Após a publicação original, Thiaguinho realizou uma reformulação de sua empresa Paz & Bem, que passou a ser exclusivamente liderada pelo próprio cantor e compositor. Assim, foi encerrada a parceria mantida nos últimos cinco anos com Bruno Azevedo, descrito aqui como sócio.
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