“Alguém já disse que existe uma parte incompleta dos nossos cromossomos que é reparada ou encontrada quando chegamos a Nova Orleans. Alguns de nós simplesmente pertencem a este lugar.” A frase, atribuída ao ator John Goodman, é citada pelo guia durante um tour pelo Garden District, bairro de mansões históricas e ruas sombreadas por carvalhos a poucos quilômetros do vibrante French Quarter. Estamos diante da casa que Goodman comprou de Trent Reznor, da banda Nine Inch Nails, e dá para intuir no ar morno de uma manhã de março por que o ator – e outras celebridades – se encontraram.
Para quem não tem um endereço para chamar de seu na cidade, uma nova opção de hospedagem é o Four Seasons New Orleans, à beira do rio Mississippi. Inaugurado em 2021, em um prédio histórico recentemente restaurado, o hotel pode ser um ponto de partida estratégico para explorar, com conforto e assessoria do concièrge, o espírito bon vivant incansável de NOLA.
O passeio a pé pelo Garden District é um exemplo de atividade que até pode ser feita por conta própria, mas ganha novas camadas de informação quando se está acompanhado de quem conhece a área. No tour agendado pelo Four Seasons, o guia segue apresentando estilos arquitetônicos, causos e moradores: esta é a casa de Sandra Bullock; os jogadores de futebol americano Peyton e Eli Manning cresceram ali; aqui rodaram o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”; aquela construção em que turistas se enfileiram para tirar fotos foi encomendada por um magnata do algodão no século 19 e aparece na série “American Horror Story” como a academia de bruxas de Miss Robichaux.
A parada seguinte do passeio é uma festa de rua para celebrar o St. Patrick’s Day, talvez com uma cerveja verde em uma mão e um po’boy (sanduíche local) na outra. A programação segue com uma visita, agora empunhando uma taça de champanhe, à loja de arte, antiguidades e joias M.S. Rau. Ali, a poucos passos do movimento da Royal Street, o vendedor Phillip Youngberg apresenta de uma bandeja de vidro de US$ 54 mil a um quadro de Claude Monet de US$ 9 milhões, passando por um faqueiro Fabergé de US$ 300 mil. “Temos peças de US$ 1.000 a US$ 10 milhões”, diz ele.
Em Nova Orleans, é normal tropeçar em história – antiga ou recente, real ou ficcional. O próprio hotel Four Seasons é um exemplo: ocupa um edifício de 33 andares projetado pelo arquiteto modernista Edward Durell Stone (do Radio City Music Hall e do Museum of Modern Art de Nova York e do Kennedy Center for the Performing Arts em Washington).
Erguido em 1967, o prédio se tornou o primeiro World Trade Center do mundo em 1968. Situado na base da Canal Street, era então a construção mais alta da cidade. Seu formato de compasso com quinas apontando para os pontos cardeais aludia à navegação no Mississippi e à importância de Nova Orleans no comércio global. Com o tempo, no entanto, perdeu a relevância. Estava fechado desde 2011 e esvaziado desde antes, com a crise provocada pelo furacão Katrina, de 2005. Em 2014, foi listado como patrimônio histórico. Agora finalmente volta a ser ocupado.
Para abrigar os 341 quartos e 92 unidades residenciais do novo empreendimento, o World Trade Center passou por três anos de renovações, ao custo de mais de US$ 500 mil. Na transformação do antigo centro de escritórios em hotel de luxo, o designer de interiores Bill Rooney procurou introduzir na arquitetura histórica elementos atuais e referências à riqueza natural e multicultural de New Orleans.
Nos quartos, com vista para o rio ou para a cidade, painéis sobre as camas fazem referência a plantas da região. O deck da piscina se debruça sobre o Mississippi, com suas idas e vindas de grandes embarcações. O lobby, subdivido por telas de carvalho e ferro, remete a um pavilhão em um jardim e tem no centro o Chandelier Bar e seu lustre cintilante composto por fios pendurados individualmente com 15 mil cristais.
Na reforma, o prédio também ganhou um patamar adicional, o 34º, onde acaba de ser inaugurado um observatório ao ar livre, com vistas 360º sobre Nova Orleans. O mirante é ligado a um museu interativo sobre a herança cultural da cidade – com raízes indígenas, francesas, espanholas, africanas e americanas. Chamado de Vue Orleans, o espaço tem atrações como uma mesa de controle de barcos (virtuais) no Mississippi, um café em que se escolhem pratos típicos (que têm então suas receitas apresentadas em uma tela) e cabines para ouvir músicos que contribuíram para o nascimento do jazz.
A entrada para o novo ponto turístico é por um elevador à parte, mediante cobrança de ingresso. Mas o próprio hotel, com seus bares e restaurantes, tem atraído tanto viajantes quanto locais. Dois chefs reconhecidos da cidade foram chamados para capitanear a gastronomia do Four Seasons. No Miss River, no térreo, Alon Shaya exalta clássicos da Louisiana em pratos como frango frito inteiro e ostras locais em massa folhada.
Já Donald Link, une referências aos sabores locais (e frutos do mar do Golfo do México) a técnicas francesas no Chemin à la Mer. Ali o bar de ostras disputa atenção com as janelas com vista para o Mississippi. “Quando o Four Seasons me convidou, pensei: tenho seis restaurantes (entre eles os premiados Cochon, Herbsaint e Pêche), não preciso do dinheiro. Então eu vi o lugar”, contou Link, entre um lagostim e outro, durante um almoço com jornalistas. (Ele escolheu um despretensioso restaurante que não é seu, o The Galley, para apresentar ao grupo uma tradição local, o boiled crawfish, uma espécie de “lagostinada” que se come com as mãos. Já no Chemin à la Mer crawfish é servido em preparos como salada com estragão e ovos recheados, para comer com talheres.)
O Chandelier Bar, do térreo, também tem atrativos suficientes para receber gente da cidade e de fora. Ali, em uma happy hour embalada por jazz, talvez estejam músicos que, pouco antes, você viu em um show intimista no Preservation Hall, casa dos anos 1950 a que você foi com ingressos obtidos com o concièrge do Four Seasons. No Chandelier, drinks clássicos preparados com esmero fazem companhia para a música. “Queremos servir a história dos cocktails de Nova Orleans”, diz Hadi Ktiri, gerente de bebidas do hotel. “Não inventamos as receitas, mas queremos fazer a melhor versão delas. E temos o privilégio de usar produtos que ninguém mais usa ou pode usar.”
Um exemplo é Ramos Gin Fizz, um dos muitos drinks que nasceram na cidade – este, em 1888. No Chandelier, ele leva creme de leite de uma leiteria local e clara de ovo fresco de uma fazenda da região. É batido à mão, como deve ser. Mas pode ser servido em um copo plástico para levar por aí. Exceção entre as cidades americanas, Nova Orleans permite o consumo de bebidas alcoólicas na rua – excentricidade que pode ser explorada em um tour por bares do French Quarter.
“Fazemos as coisas de um jeito diferente aqui”, diz o guia Brian Huff, explicando por que a cidade não só não levou a sério a Lei Seca dos anos 1920 como a considerou “uma afronta”.
5 comidas e bebidas para experimentar em Nova Orleans
BOILED CRAWFISH – Sentar-se diante de uma tigela desses lagostins e descascá-los com as mãos para comê-los é um esporte local
BEIGNET – A massinha frita polvilhada com açúcar parece simples, mas fica irresistível quando servida quente, acompanhada de café
SAZERAC – É o cocktail oficial da cidade (sim, ela tem um cocktail oficial), com Sazerac Rye Whiskey, Herbsaint, Peychaud’s Bitters e açúcar
PO’ BOY – O recheio mais comum para este sanduíche é uma combinação de camarões e ostras fritas, mas não faltam variações
GUMBO – O ensopado servido com arroz tem origens francesas e do oeste da África.
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