A Brasília partida ao meio, obra inédita de Gabriel Wickbold, foi uma das instalações mais surpreendentes da última edição da SP Arte, no final de agosto. Seu interior abrigava um sofá capitonê e um lustre de cristal Scatto Lampadário, em uma alusão ao país dividido e ao jogo de poder que se desenrola nos bastidores da capital federal. Tinha tudo a ver com o tema da feira, “Rotas Brasileiras”, e também com o momento do artista.
Depois de atrair colecionadores jovens do mercado financeiro, e ver suas fotos serem disputadas como um investimento garantido, ele agora quis se expressar em outro formato artístico, enquanto guia sua carreira para uma nova etapa. Além de ter sua própria galeria em São Paulo, evitando representantes e intermediários na venda de suas obras, ele acaba de inaugurar uma galeria em Londres, onde pretende se firmar como uma artista global. E esse é só o começo de um plano audacioso de expansão.
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“Ouvi o Kanye West dizer que o artista hoje em dia não precisa mais de um empresário, precisa de um CEO. E eu concordo totalmente. O artista é uma empresa, é uma marca, é um branding completo, que pode atuar nos mais diversos seguimentos. Busco a consolidação da minha marca-empresa, que é o negócio da arte”.
O movimento de internacionalização vem se desenhando desde 2019, quando Wickbold partiu para uma série de exposições e eventos no exterior, participando de festivais e mostras renomadas na Europa e no Oriente Médio. Na ocasião viu suas obras serem muito bem aceitas pelos colecionadores locais. “Percebi que não precisava de ninguém para me colocar no colo. Eu poderia estar lá com minha manager, meu network, fazendo minha representação, dando palestras, produzindo eventos”, diz ele. “Para se colocar no mercado é preciso conectar todas as pontas.”
Famoso no circuito das artes de São Paulo por suas séries fotográficas, Wickbold tratou de alimentar várias frentes, tanto na parte criativa quanto no business em si. De um lado, vem afinando as antenas sociais a partir de uma evolução íntima e espiritual. “Isso garante o elemento bruto, que é a concepção artística autoral”, diz ele. Seu estilo pessoal é apurado, ele desenha as próprias roupas estampadas e coloridas que veste com um alfaiate moderno que virou seu amigo.
Paralelamente, tem sua galeria que também é seu ateliê, verticalizado o processo de produção e ativando conexões com partners e colecionadores. Desenvolveu ainda uma tabela com valores progressivos para vender suas fotos — e essa, sem dúvida, foi uma grande sacada.
Na maioria dos casos, cada uma de suas fotos possui cinco cópias. A número um vale menos, sai por R$ 45 mil. A segunda custa R$ 55 mil, a terceira, R$ 65 mil. A quarta sai por R$ 85 mil e a quinta salta para R$ 150 mil. Quem compra a ultima cópia sabe que essa obra tem saída e tem valor de mercado, porque já foram vendidas 4 delas. Enquanto outros investidores preferem apostar na primeira cópia da série, que pode virar um hit ou não.
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Foi com essa formula, na qual a recompensa de valor surge como em um game, que Wickbold conseguiu atrair para sua carteira de clientes a turma de investidores da Faria Lima. “São pessoas que não fazem nada sem investir. Eles pensam: ‘se vou gastar em um carro de R$ 1,5 milhão, vai ser um carro de coleção numerado, que vai valorizar e vou vender por R$ 1,8 milhão. Se vou comorar um apartamento, vou comprar na planta no prédio de um arquiteto renomado. Esse mindset envolve o comprador do meu trabalho”.
Recentemente, um de seus quadros atingiu o valor de R$ 1 milhão, durante um leilão com renda revertida para a ONG Amigos do Bem, que tem iniciativas de educação e assistência a populações carentes do sertão nordestino. A obra pertence à série “Sexual Colors”, em que o artista usou corpos como tela e cobriu os modelos de tinta para depois fotografá-los.
Com o jogo ganho em São Paulo, ele agora mira na expansão internacional. Em Londres, com investimento de cerca de R$ 1,4 milhão e uma expectativa de retorno em seis meses, abriu sua galeria no Ham Yard Village, uma localização excelente entre lojas, restaurantes e ateliês, dentro do Ham Yard Hotel, no Soho – o bairro é um dos epicentros londrinos de arte.
A principio, foram expostas peças de suas principais séries fotográficas a preços que variam de 8.000 a 35.000 libras. Entre elas, está a série “Sans Tache”, com imagens de corpos nus que ficaram expostas à técnica de grilagem (uma antiga prática que consiste em deixar as obras em contato com grilos fazendo com que o papel adquira marcas e arranhões).
Ainda este ano, Wickbold pretende abrir galerias em Portugal, onde já está negociando um ponto, e, em Miami, onde participa da Art Basel, em dezembro. Além disso, tem planos de ter uma galeria em Brasília e em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
Carioca, de 37 anos, Gabriel Wickbold começou sua carreira em 2006, e desde então participou de exposições em cidades como Nova York, Estocolmo, Lisboa, Londres e Miami. O gosto pelas artes vem desde menino. “Minha mãe é artista e em casa tinha tinta espalhada por todos os lados. Essa sensação de sujeira colorida é uma explosão minha, uma vontade infantil de jogar tinta para todos os cantos. Já meu pai era empresário e faleceu quando eu tinha 18 anos. E isso me deixou com uma responsabilidade muito grande”, diz ele, que pertence à família fundadora da empresa pães Wickbold, na qual seu irmão Pedro é o CEO.
Atualmente, 15 obras suas fazem parte de coleções permanentes de museus, como Erarta (São Petersburgo, Rússia) e MAB (São Paulo, Brasil). Em 2019, em uma parceria com a BMW, Wickbold expôs seu trabalho durante a semana da abertura da Paris Photo e, no mesmo ano, recebeu uma homenagem no Xposure International Photography Festival, nos Emirados Árabes Unidos.
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Foi lá que o sheik Al Qasimi comprou um de seus quadros, que agora adorna a entrada de seu palácio em Sharjah. “O grande “core” do momento é a segurança em que eu me encontro com a minha trajetória de exposições, projetos, livros e o reconhecimento que alcancei. Agora, quero me estabilizar internacionalmente”.
Jornada fotográfica
O universo da fotografia se abriu para Gabriel Wickbold durante uma missão exploratória de 45 dias, percorrendo o trajeto da nascente até a foz do Rio São Francisco. Quando voltou, decidiu virar fotógrafo. “Ali, conheci gente simples, iletrada, esquecida pela sociedade”, diz ele, que expôs a série na SP Arte deste ano, além de lançar o livro “Brasileiros” reunindo as imagens.
“Convidei o Emicida para escrever o prefácio e durante as discussões com ele, falamos sobre a viagem no tempo, sobre a capacidade da fotografia de ultrapassar barreiras. Esse abismo social que há 15 anos já era gigantesco, piorou muito”, diz ele.
Esse abismo também faz parte da ideia geral da “Partida”, a instalação que trouxe o carro Brasília dividido ao meio na SP Arte. “Essa viagem que fiz lá atrás acabou sendo fonte de inspiração que continuou a moldar minha forma de enxergar as cores e as texturas”.
Reportagem publicada na edição 100, lançada em agosto de 2022.