Por muito tempo, pensei que o The World era um mito. Uma comunidade de residentes abastados navegando pelo mundo em tempo integral em um transatlântico de luxo? Parece o enredo de uma série de sucesso da Netflix. Mas, há algumas semanas, tive a rara oportunidade de embarcar no navio, onde descobri que a realidade está longe de ser ficção.
The World é o primeiro navio privado que é ocupado, possuído e administrado por seus residentes. Ele tem cruzado o globo quase sem parar desde sua jornada inaugural, em 2002 e, depois de superar alguns desafios nos primórdios, tem funcionado com sucesso desde então. O nível de ocupação é alto e raramente surgem apartamentos disponíveis. Mas, se você sempre se interessou pela vida no mar, a chance é agora: vários espaços no navio estão à venda.
VIDA NO MAR
Aqueles que já ouviram falar do The World saberão que ele é notoriamente privado. A imprensa raramente é convidada a bordo, por isso, quando fui chamada para uma visita às instalações e residências à venda, agarrei a oportunidade.
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“Não o chamamos de navio de cruzeiro”, corrigiu-me Eddie Wong, diretor residencial, enquanto embarcávamos. Acontece que o The World é muito mais uma casa no mar, apesar de sua aparência externa de cruzeiro.
No interior, a entrada abre-se para um espaçoso átrio, que é o principal ponto de acesso entre os 12 conveses do navio. Os dois decks superiores são dedicados principalmente às instalações comuns do navio, incluindo seis restaurantes e vários salões e bares. Em uma ponta da escala, há o casual Fredy’s Deli e o Tides, em estilo mediterrâneo, com sua varanda ao ar livre e noites temáticas. Do outro, está o restaurante de fusão asiática East e o Portraits, que tem uma excelente carta de vinhos.
“O vinho é muito importante no navio”, diz Wong enquanto me mostra a impressionante adega. “Temos uma das mais extensas e conceituadas cartas de vinhos no mar. São cerca de 15.000 garrafas de vinho a bordo e já ganhamos inúmeros prêmios.”
Outro point para os enófilos é o bar Regatta, com tema de iate e apresentações de bandas, pianistas ao vivo e até noites de karaokê. É também a casa do The World Yacht Club, um clube credenciado com sua própria bandeira e afiliações recíprocas com clubes náuticos de todo o mundo, de Mônaco e Cornwall à Nova Zelândia e Canadá.
Alimentos, bebidas e entretenimento a bordo estão incluídos na taxa de serviço anual de cada residente – cada pessoa recebe um crédito para que possa comer e beber o que quiser sem precisar se preocupar com a conta. A taxa anual é calculada com base na metragem quadrada de cada residência, e uma parte justa dessa taxa também vai para a manutenção da embarcação.
As instalações do navio são amplas e adaptadas aos interesses dos moradores. Como muitos gostam de golfe, o navio contrata um instrutor de golfe licenciado para ajudar os residentes a trabalhar em seu swing no simulador de 72 campos. Há também um centro fitness e spa, piscina externa e jacuzzi, biblioteca, sala de pôquer e um grande teatro onde os hóspedes podem assistir a filmes e shows. É também o único cruzeiro no mar com uma quadra de tênis em tamanho real.
VOLTA AO MUNDO
Uma das tarefas mais difíceis é organizar o itinerário global. Esse trabalho é feito por um conselho especial, que ajuda o capitão e a comissão de gestão a elaborar as rotas votadas pelos residentes. As opções preferidas são então reduzidas e editadas em outras rodadas de votação, até que um favorito da maioria seja encontrado.
A cada ano, além de visitar portos nos principais destinos de iates em todo o mundo, duas ou três grandes expedições estão incluídas. “O navio está sempre cheio durante as expedições, porque em que outro momento você iria a esses lugares?”, Wong diz, enquanto relembra histórias de lugares remotos como Melanésia, Antártica, Madagascar e a Passagem do Noroeste.
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“Acabamos de concluir a expedição à Islândia, foi incrível. Cerca de 30 líderes de expedições vieram conosco e navegamos até pequenas ilhas, enseadas e vilas para aprender sobre a história e a cultura do país”, conta. “Em outra ocasião, na Passagem do Noroeste, encontramos um urso polar tão curioso que entrou na água e deu voltas ao redor do navio. Todos estavam olhando de suas varandas. Foi surreal.”
Em 2023, o The World embarcará em duas expedições consecutivas ao Círculo Polar Ártico: a primeira aventurando-se pela Groenlândia e Ilha Ellesmere, a segunda ao longo da costa acidentada de Baffin, no Canadá. Em seguida, o Ano Novo será celebrado na Antártica, onde os residentes descobrirão as paisagens de tirar o fôlego e a vida selvagem do continente nevado.
Antes de chegar a cada destino, os moradores são convidados para palestras ministradas por especialistas convidados. “Como parte do programa de enriquecimento, isso é muito importante”, diz Wong. “Todos estão tão bem informados que, quando chegam a um país, sabem o que está acontecendo.” O navio recebeu uma variedade de palestrantes no passado, incluindo alguns ganhadores do Prêmio Nobel. “Os residentes são muito bem relacionados”, diz ele com um sorriso reservado.
O grupo é uma boa companhia para se estar por perto, percebo ao conhecer residentes que incluem várias personalidades famosas, empresários de alto nível e ex-líderes da indústria que estão aproveitando plenamente suas aposentadorias e muito mais. Muitos dos que reconheço são dos EUA, embora as estatísticas oficiais revelem que os residentes vêm de 19 países diferentes.
À VENDA
A cada ano, uma pequena seleção de residências – variando de estúdios de 30 metros quadrados a apartamentos de três quartos de 310 metros quadrados – são disponibilizados para revenda a custos que variam de US$ 2,5 a US$ 15 milhões (entre R$ 13 e R$ 78 milhões), mais os custos anuais de propriedade. Layouts e decoração podem ser personalizados a gosto, e muitos compradores optam por trazer seus próprios designers de interiores a bordo. Afinal, eles não estão criando uma casa de veraneio, mas sim uma residência. Embora não haja pressão para viver a bordo em tempo integral.
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The World/Divulgação -
The World/Divulgação -
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Descubro que apenas uma pequena porcentagem dos residentes vive a bordo em tempo integral. A maioria também tem uma segunda (ou várias) propriedades em terra e escolhe embarcar no navio para suas partes favoritas do itinerário ou por vários meses de uma vez.
As partes interessadas devem se inscrever e passar por um processo de aprovação, que geralmente envolve embarcar no navio para explorá-lo. Isso é importante porque, como descobri, os residentes se reúnem como uma grande comunidade cheia de seus próprios grupos de amigos – e, imagino, dramas -, embora eu não tenha testemunhado nada disso enquanto os via se cumprimentando como velhos amigos, ou mesmo familiares.
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E essa comunidade se estende além da vida no mar. Participei de uma caminhada com alguns moradores e conheci pessoas que fizeram amigos, parceiros de negócios e até pares românticos na rede comunitária do navio. Disseram-me que um convidado australiano convidou todos os residentes para uma festa em sua casa quando o navio estava no porto de sua cidade natal, enquanto um americano dono de uma empresa de helicópteros convidou todos os seus amigos marítimos para um voo.
Saí da minha curta passagem pelo The World mais curiosa do que cheguei, e com mais histórias do que sou capaz de contar. Mas, como a maioria das coisas na vida, não tem graça revelar todos os segredos.