Quando tinha sete anos, Burle Marx ganhou uma Alocasia cuprea da tia. Não conseguiu dormir à noite. A eletricidade que tomou seu corpo era tamanha que ele parecia saber que a espécie presenteada seria a primeira de uma extensa lista de plantas que colecionaria ao longo da vida, ao passo em que se tornava o maior paisagista do século 20. O paisagismo, ele dizia, é o ato de transformar a natureza, ordenando-a pelo e para o homem. Com sua obra, no entanto, fez mais que isso: introduziu uma nova linguagem artística na modalidade da arquitetura paisagística, criando uma definição própria para o enlace do homem com a natureza – “cientificamente, metafisicamente, esteticamente”, como define Oskar Metsavaht, fundador e diretor criativo da Osklen, que lança este mês, ao lado do recém-inaugurado Instituto Burle Marx, a mais nova colaboração de sua Art Series.
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Sugiro a Oskar que a combinação caiu como uma luva para a marca (faz todo o sentido imaginar o encontro da grife que se tornou porta-estandarte internacional do movimento Brazilian and cool com o artista que, entre outros feitos extraordinários, criou o painel urbano que cobre o solo de quatro quilômetros de extensão da Avenida Atlântica, cartão-postal do Rio de Janeiro). Mas existe, sim, o chamado timing. E aqui ele parece acertado: em um momento de retomada dos valores culturais, um tipo de resistência nos relembra da fertilidade brasileira, tanto no solo quanto na criatividade. “Sinto um movimento no zeitgeist de tirar a mão da tela e colocar a mão na terra – é tanto algo político e ativista quanto um ato simples, de pisar no chão. Estamos florescendo novamente, em diversos aspectos”, diz Oskar. Daí talvez a sequência das coleções “Natureza”, “Blooming” e “Jardins Tropicais”, que, ele garante, não foi pensada como uma trilogia, mas reflete a força invisível, porém constante, da regeneração natural – como as folhas que atravessam blocos de concreto em centros urbanos, a natureza nunca nos deixa esquecer: a vida quer viver.
South American way
Concebida há mais de 20 anos, a Osklen Art Series apresenta itens de colecionador, que se utilizam da moda como suporte para iluminar a beleza da arte nacional, tanto através da parceria com mostras e instituições (caso da 34a Bienal de São Paulo e do Instituto Inhotim), quanto com o legado de artistas (como aconteceu com a coleção-cápsula que celebrou o centenário de Lygia Clark e com a aplaudida edição limitada em torno de Tarsila do Amaral). Uma única coleção da série, a primeira de todas, teve inspiração importada, da Andy Warhol Foundation. O ano era 2001 e a grife carioca se consolidava como porta-voz do lifestyle brasileiro, quando Oskar decidiu propor o encontro de seu “Brazilian Soul” com o “American Dream” comentado nas obras do gênio pop. “Me permito essa licença poética, de ter um olhar estrangeiro para o Brasil, pois é uma maneira de focarmos em aspectos da nossa cultura que não são valorizados internamente”, conta Oskar, revelando uma das várias semelhanças de seu leitmotiv com o de Burle Marx – foi aos 19 anos, no período em que morou na Alemanha, que o paisagista se encantou definitivamente com a flora brasileira, durante uma visita ao Jardim Botânico de Berlim.
Sabendo que habitava o país com a flora numericamente mais rica em espécies de todo o mundo, Roberto Burle Marx detestava responder à pergunta de qual era sua planta favorita. “E qual é sua nota musical predileta?”, rebatia respeitosamente, mantendo a coerência de raciocínio com o qual desenhava projetos de jardins, nos quais uma planta ganha sentido somente quando inserida em uma composição. Ele nasceu em São Paulo, mas, aos quatro anos, já habitava o Leme, na zona sul do Rio, onde conheceu o arquiteto modernista Lucio Costa, vizinho que o incentivaria a fazer o seu primeiro jardim e ingressar na Escola Nacional de Belas Artes. Fez pinturas, cerâmicas, gravuras, tapeçarias, joias e até figurinos de ópera. No Rio, emprestou seu talento para o Aterro do Flamengo, o Museu de Arte Moderna e a praça do aeroporto Santos Dumont; nas Minas Gerais, para a Pampulha e o Parque do Araxá; em Brasília, para o Ministério das Relações Exteriores. E em Paris, para o jardim da Unesco (tombado como patrimônio da humanidade no último ano). Filho de pai alemão com uma mãe pernambucana musicista, sempre tinha alguma canção para oferecer aos amigos no fim de uma noite. Gostava de dizer que a música, assim como seu trabalho, tinha ritmo, texturas, volume, cores, luz e sombras. Nunca foi, portanto, artista de uma nota só.
A semente criativa
A natureza efêmera da moda nunca foi um impeditivo para Oskar se aprofundar em colaborações de viés artístico. Muito pelo contrário: apesar de carregar um diploma de medicina, cresceu em uma família de origem estoniana, diretamente ligada às artes. Sua mãe fundou a primeira faculdade de filosofia e história da arte de Caxias do Sul (RS), cidade em que nasceu e onde passou tardes inteiras a auxiliando na apresentação de slides, em um dos raros momentos em que tirava seu foco contemplativo do surfe e do skate. Vem desse recorte de sua juventude também a familiaridade com o perfil hands-on mantido até hoje para as artes visuais – as fotos da colaboração que você vê aqui, tiveram sua direção criativa. Incentivado pelo pai, operou pela primeira vez uma câmera Super-8, que mirava com frequência em pequenas cenas de natureza encontradas pelo caminho.
A menção a esse passado vale aqui pois, sem essa experiência, dificilmente conheceríamos o Oskar de hoje: foi a semente plantada para que ele se tornasse, além de um fomentador das artes na Osklen, o homem à frente de um estúdio artístico multidisciplinar independente, chamado OM. “A moda me ajudou a compreender melhor a arte, no sentido do espírito da criação”, diz Oskar.
Quando a moda encontra a arte Das plantas arquitetônicas às plantas de jardim: é assim que se compreende o acervo do Instituto Burle Marx, criado em 2019 como uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, que inclui mais de 120 mil itens, entre desenhos, fotografias, plantas de projeto, croquis de estudo, maquetes, documentos, cartas e obras de arte dos originais de Burle Marx e de seus colaboradores, organizado desde 1930.
Apesar de ter afinidade com o meio têxtil, Burle Marx nunca chegou a desenhar roupas. “Em sua residência no Sítio Santo Antônio da Bica, Roberto costumava pintar as toalhas de mesa que usava para decorar as festas, e também tinha o costume de pintar tecidos para cortes de roupas e camisas que dava de presente para seus amigos”, conta Isabela Ono, diretora-executiva do Instituto Burle Marx.
A coleção começou a ser desenhada a partir de uma visita ao acervo, há seis meses. “Estavam todos de luvas brancas e jalecos, desenrolando com o maior respeito as plantas originais de Burle Marx. Ali, cada projeto parece um quadro”, conta Juliana Suassuna, diretora de design de moda da Osklen. “Ao observar a delicadeza do processo artístico, entendemos que deveríamos interferir o mínimo possível, sem adicionar muitas camadas na criação – nossos lenços, por exemplo, são literalmente as plantas impressas sobre o tecido.”
Para a nova série, a Osklen se debruçou sobre quatro projetos do artista: além da Avenida Atlântica, há silhuetas e estampas inspiradas pelo Ministério da Educação e Saúde, também conhecido como Palácio Capanema. “Há também projetos de jardim não tão conhecidos de Burle Marx e seus colaboradores, como o Largo do Machado, no Rio, e a praça do Terreiro de Jesus, em Salvador”, detalha Isabela.
Jardineiro fiel
Do relevo das folhas da Licuala grandis e Pritchardia pacífica, saíram belos plissados, que conferem amplitude e fluidez para vestidos, calças e blusas levemente acetinados. Enquanto isso, os macacões e coordenados feitos 100% de linho evocam a funcionalidade das roupas próprias para jardinagem (uma bolsa, do tipo porta-ferramentas, também integra a coleção, assim como uma tote bag). Todas as modelagens são novas, pensadas especificamente para a collab, que oferece peças leves em contraponto com outras mais “pesadas”, mantendo mesmo assim o frescor e a sensualidade.
A menção ao ofício do jardineiro, Juliana explica, vem da relação próxima que o artista mantinha com sua equipe. “Burle Marx era generoso e acreditava no processo coletivo, na troca de conhecimento e em um saber plural. Ele deixou o seu escritório e todo seu acervo paisagístico para Haruyoshi Ono, parceiro criativo e amigo por mais de 30 anos, para que ele desse continuidade e mantivesse este legado vivo. Ono foi a semente do Instituto Burle Marx”, revela Isabela.
Natureza como casa
É inevitável pensar sobre a atualidade do discurso ambiental de Burle Marx, que mencionava questões ainda presentes no debate global, como a devastação dos ecossistemas e a extinção de espécies botânicas nativas – bandeiras também em sinergia com a Osklen, conhecida por seu investimento em fibras sustentáveis. “Através do processo de inventário e catalogação das coleções do acervo, podemos dizer que Burle Marx tem papel fundamental na constituição do conceito de ecologia urbana, aportando visões inovadoras sobre a relação entre cidade e natureza”, diz Isabela. O encontro dessa visão com a arte e a moda só o torna melhor. “Voltamos sempre a olhar para as artes pois, para mim, uma coisa é clara: queremos fazer crescer a cultura de moda, e não o consumo de moda”, finaliza Oskar.
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STUDIO OM.ART Look da colaboração entre a Osklen Art Series e o Instituto Burle Marx
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INSTITUTO BURLE MARX; STUDIO OM.ART O projeto original de Burle Marx para o Largo do Machado, no Rio
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STUDIO OM.ART Look da colaboração entre a Osklen Art Series e o Instituto Burle Marx
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INSTITUTO BURLE MARX; STUDIO OM.ART A planta para o Palácio Capanema, parte do acervo do Instituto Burle Marx, empresta sua sinuosidade colorida para a estampa da edição limitada
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STUDIO OM.ART Look da colaboração entre a Osklen Art Series e o Instituto Burle Marx
Look da colaboração entre a Osklen Art Series e o Instituto Burle Marx