Assim como a política brasileira, a cidade de Brasília não consegue escapar do mundo polarizado: há quem a ame e quem a odeie – e talvez a capital federal tenha sido pioneira em despertar emoções extremas desde a sua inauguração, em 1960. Essa condição acabou reforçada por inúmeros acontecimentos políticos, históricos e culturais, de variados significados, sendo o último deles a invasão da Praça dos Três Poderes, em janeiro deste ano.
Ser o centro do poder da República, em meio a um cenário habitado em profusão por burocratas e executivos, acaba por conferir à cidade e ao seu Plano Piloto um ar sisudo e impessoal. Mas esse caráter corporativista se mantém apenas à primeira vista. Por trás dessa fauna, existe uma cidade repleta de história e cultura, com suas esculturas-prédio, planejamento visionário, museus e arte modernista.
É a essa face que o projeto Mapa Afetivo de Brasília quer dar visibilidade. Lançada para os 63 anos da capital federal – recém-completados no último dia 21 -, a iniciativa foi criada para fomentar o turismo local, destacando o charme peculiar do Planalto Central (quase sempre ofuscado pela austeridade do mundo dos negócios) com uma curadoria de lugares únicos e redutos secretos da cidade para explorar.
Ao todo, o mapa destaca 130 endereços, entre museus, monumentos, parques, galerias, mirantes e restaurantes. A responsável pela curadoria é a brasiliense Patrícia Herzog, diretora do laboratório de turismo Experimente Brasília. “Criamos um mapa com experiências exclusivas e endereços incríveis para que visitantes e moradores possam vivenciar Brasília, patrimônio mundial e criativa, de forma íntima e fascinante, como toda cidade merece ser desfrutada”, afirma.
O projeto, em parceria com o B Hotel, um dos mais icônicos da capital federal, é um esforço para estimular uma permanência maior dos hóspedes – normalmente limitada a um ou dois dias – para além do período dedicado aos encontros corporativos. “É uma oportunidade de divulgar a cidade, de mostrar uma outra Brasília, da qualidade de vida, dos parques, da cultura, da arte, da arquitetura, do urbanismo”, diz Alfredo Stefani Neto, gerente geral do hotel, que conduziu a iniciativa junto a Patrícia.
Nesse esforço de fomentar o turismo brasiliense, o B Hotel passou a oferecer roteiros curtos, de três a seis horas, que os hóspedes podem realizar por conta própria ou com acompanhamento da curadora.
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Divulgação O B Hotel, projetado por Isay Weinfeld, se inspira na arquitetura modernista da década de 60 que domina Brasília
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Divulgação O rooftop do hotel tem uma das melhores vistas da capital federal
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Divulgação Lobby do B Hotel
O B Hotel, projetado por Isay Weinfeld, se inspira na arquitetura modernista da década de 60 que domina Brasília
Mas, afinal, como abraçar Brasília em meio ao caos?
A Oscar Niemeyer é atribuída uma célebre frase, que muitos brasilienses têm na ponta da língua (e que é bem provável de se ouvir em uma visita à capital): “Você pode amar ou odiar Brasília. Mas jamais você pode dizer que viu algo parecido ou igual”.
É fato. Com suas esculturas-prédio e superquadras modernistas, a cidade é um museu a céu aberto, que transborda história, design e cultura, especialmente dos nomes lendários da arte brasileira que se juntaram para construí-la. Junto ao projeto visionário do urbanista Lúcio Costa e os prédios monumentais de Niemeyer, os azulejos geométricos de Athos Bulcão, o paisagismo de Burle Marx e os vitrais de Marianne Peretti trazem a arte ao dia a dia de Brasília. O próprio desenho do Plano Piloto é poético: a cidade em forma de avião, quase como uma borboleta, faz seu pouso no Lago Paranoá.
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Este era um dos princípios dos modernistas da década de 1950: todas as criações, por mais funcionais e simples que fossem, eram transformadas em arte e verdadeiras experiências estéticas. Um breve passeio por Brasília mostra escolas e igrejas projetadas por Niemeyer, parques públicos de Marx e prédios residenciais (todos da mesma altura, com seis andares) embelezados por Bulcão. A arte de grandes mentes nacionais transborda na capital. Não à toa, a cidade foi o primeiro sítio moderno declarado Patrimônio Cultural da Humanidade – o maior sítio tombado do mundo.
Todo esse conceito é exemplificado na Superquadra 308 Sul, a quadra modelo da cidade, inaugurada em 1962 como ponto de referência para todas as outras do Plano Piloto. Por lá, estão a Igrejinha de Fátima (a primeira obra pensada por Niemeyer para Brasília), a escola classe, a escola parque, o jardim de infância, o espaço cultural, a biblioteca pública e amplas áreas verdes – uma infraestrutura urbana pioneira, minimalista e confortável, pensada por Costa com foco na qualidade de vida dos moradores, com todas as necessidades básicas por perto. A mais cara da capital, a quadra é a idealização do que toda Brasília deveria ter sido.
Outro ponto crucial para entender a história da cidade é o Memorial JK, com a história e relíquias de vida do presidente que tirou a nova capital federal do papel em impressionantes três anos e meio. Além das roupas e uma réplica exata da biblioteca pessoal de Juscelino – com 3 mil exemplares, entre eles uma coleção original da obra de Shakespeare, dada ao político pela Rainha Elizabeth 2ª -, seus restos mortais estão guardados ali, em um túmulo protegido por um lindo vitral de Marianne Peretti.
Peretti, a única mulher na equipe de Niemeyer, também é uma das grandes responsáveis pela magnificência da Catedral de Nossa Senhora Aparecida, no eixo monumental de Brasília, que guarda um de seus gigantescos vitrais coloridos. Nas proximidades, outros pontos imperdíveis para conhecer são o Palácio do Itamaraty, o Museu Nacional, o Teatro Nacional, a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios.
Claro, é impossível desassociar Brasília da política e do governo. Uma coisa não existe sem a outra. Mas é possível olhá-la além disso.