A temporada de estreias acaba de esquentar com a chegada cinebiografia “Oppenheimer“, do diretor Christopher Nolan, adaptado do livro “American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer”. Mas, embora haja muito a apreciar e muito a elogiar, o resultado é um verdadeiro desastre.
Com classificação indicativa 18+, o drama histórico de três horas de Nolan é focado em audiências adultas, principalmente homens, e estreia contra a sensação da cultura pop “Barbie” e o campeão de bilheteria “Missão: Impossível – Acerto De Contas”.
O live-action da Barbie deve ultrapassar US$ 150 milhões em todo o mundo até domingo, enquanto espera-se que o sétimo filme da franquia de Tom Cruise encerre seu segundo fim de semana em US$ 400 milhões. “Oppenheimer”, por sua vez, deve alcançar cerca de US$ 100 milhões.
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Com um filme tão longo e deste tipo, tudo depende muito do boca a boca e das críticas. Felizmente para Nolan e a Universal Pictures, até o momento as resenhas de especialistas são muito positivas. Mas, por enquanto, é difícil para mim dizer quais serão os resultados de fato, já que minha reação a “Oppenheimer” é diferente da maioria dos outros críticos, aparentemente.
O filme de Nolan é ambicioso, com vários momentos cativantes e brilhantes, mas eles não conseguem se sustentar sozinhos nem se juntar em uma única narrativa ou perspectiva convincente. Apesar de parecer abordar temas globais e até cósmicos, ele acaba indo por um caminho contido e restrito, sem abordar qualquer significado maior por trás dos processos da ciência ou da política.
A propaganda do filme sugere que essa é a história da criação da bomba atômica pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, e havia muito mistério e empolgação sobre como Nolan retrataria o primeiro teste bem-sucedido. O que, de fato, teria sido uma ótima história para contar, especialmente com indícios de que seu filme era uma espécie de versão “cientista louco” de J. Robert Oppenheimer e da bomba.
E em certos momentos – poucos e em grande parte limitados a cenas breves do começo da obra – o filme assume uma qualidade expressionista e surrealista ao nos dar vislumbres iniciais do fascínio de Oppenheimer com a teoria quântica e suas implicações.
No entanto, embora seja tecnicamente verdade que o filme faz uma apresentação objetiva dos momentos científicos mais importantes durante a criação secreta, as principais histórias não são sobre a bomba. O laboratório de Los Alamos é o pano de fundo das três principais histórias: a vida romântica e os relacionamentos de Oppenheimer, as tentativas pós-guerra de seus inimigos para revogar sua autorização de segurança e um período ainda mais tarde em que Lewis Strauss – o fundador e presidente da Comissão de Energia Atômica dos EUA – enfrentou audiências do Congresso para confirmá-lo para um cargo no gabinete presidencial.
Muito tempo de tela é dedicado aos relacionamentos românticos e sexuais de Oppenheimer, nos quais as mulheres são retratadas como irracionais, histéricas, mentalmente doentes e/ou incapazes de apreciar/aceitar as demandas e pressões sob as quais ele vivia. Mesmo as poucas personagens femininas do elenco que não são alvos de interesses românticos do cientista – mais especificamente, as mulheres da equipe em Los Alamos – têm pouco a dizer ou são usadas para apresentar posições ingênuas ou excessivamente simplistas em comparação com a agitação e as considerações mais complicadas e sérias do “grande homem”.
Parece uma série de eventos em cadeia. Os eventos de sua vida são reunidos para formar uma espécie de colagem, com as partes misturadas em ordem aleatória e histórias concorrentes, todas representadas de maneiras diferentes – momentos mais recentes são em preto e branco, eventos mais antigos no estilo tradicional de “filme de época dramático” e eventos no meio disso são representados da forma frenética de noticiário dos anos 1960 ou 1970.
Aprecio o uso de abordagens diferentes para distinguir diferentes épocas e para tentar transmitir o sentimento daqueles tempos particulares, mas parece que as decisões foram tomadas de forma aleatória ou – e não tenho certeza se isso seria melhor ou pior, dependendo de quanto você concorda ou não com algumas das várias perspectivas concorrentes do filme – para apresentar a história de Strauss em termos absolutamente preto e branco, apresentar as audiências contra Oppenheimer como conspiratórias e com hipocrisia demais e apresentar a história de Los Alamos de forma mais suave e reverente.
Talvez a tentativa de Nolan aqui seja criar uma representação cinematográfica da história de vida de Oppenheimer que replica a teoria quântica em certos aspectos – misturando as linhas do tempo e saltando entre elas de forma desigual e imprevisível (inclusive porque a edição é às vezes cortada e abrupta), usando técnicas fotográficas e de cores variadas e contrastantes, alternando entre suas abordagens cinematográficas clássicas mais diretas e métodos quase experimentais de fotografia, som e edição (especialmente no primeiro ato e depois durante algumas sequências bombásticas), e tendo histórias que convergem e divergem às vezes em sincronia e outras vezes de forma aleatória.
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Isso seria a expressão de Nolan de que é assim que o caos, a confusão e o mistério da teoria quântica se parecem quando destilados por meio da arte do cinema e representando alguém que dedicou sua vida a buscas desse assunto?
Difícil dizer. Porque se não for, ele apenas adaptou uma biografia e tentou incluir muitos fios que, sozinhos, são bons, mas que não se encaixam bem no formato final – o que faria da adaptação um fracasso.
Se for o caso, porém, todo esse caos e todas essas várias linhas são parte da história maior em torno do eixo central que é a introdução de armas nucleares em nosso mundo. O que falaria profundamente sobre os problemas que atormentaram Oppenheimer e representariam a natureza humana de fazer descobertas miraculosas e, em seguida, aprender todas as lições erradas delas.
Infelizmente, “Oppenheimer” não atinge essa expectativa, se era essa a intenção. E o maior problema é que nenhuma das outras partes da história – especialmente a apresentação rasa de seus relacionamentos, uma tragédia e as cenas de sexo explícitas – não são remotamente tão interessante quanto o que se passa em Los Alamos. A cada poucas cenas no laboratório, a história de repente salta para a pequena sala em que Oppenheimer é submetido a horas de questionamento, ou para uma grande câmara do Congresso, onde testemunhamos perguntas e respostas.
Quanto tempo você acha que gostaria de passar assistindo a uma representação cinematográfica detalhada de qualquer uma dessas coisas? Bem, é melhor que a sua resposta seja “várias horas das duas!”, porque é isso que “Oppenheimer” tem reservado.
As cenas de sexo e nudez – frias e sem emoção – são totalmente desnecessárias a ponto de não acrescentarem nada ao filme ou à nossa compreensão de Oppenheimer. Na verdade, durante uma cena de nudez e sexo na sessão que estive, a plateia riu alto da absurdidade de um momento que não foi pensado para ser intencionalmente cômico.
Se você fosse dividir “Oppenheimer” em três partes distintas, cada uma delas – Los Alamos, a investigação da autorização de segurança e as audiências do Congresso – parecem que poderiam e talvez devessem ser seu próprio filme, ou um capítulo em uma minissérie mais longa. E cada história parece como se fosse feita por um cineasta diferente com ideias e intenções diferentes.
As sensibilidades políticas do filme também estão por toda parte, parecendo representar uma perspectiva em alguns momentos apenas para descartá-la em favor de outra coisa, mas ao mesmo tempo insistindo em não ter perspectiva alguma, na verdade.
O resultado final é um filme que quer que sintamos sua importância desde o início e que constantemente tenta nos lembrar de sua história e implicações nobres – que inclui nada menos que uma ameaça existencial à existência humana –, mas que parece dizer muito pouco sobre tudo isso. É um filme sobre Oppenheimer e várias coisas que aconteceram com ele, algumas delas envolventes, outras interessantes o suficiente para um artigo de revista. Mas grande parte não vale a pena pagar por três horas sentados no cinema.
Dito tudo isso, as atuações são espetaculares. Cillian Murphy merece ser indicado ao Oscar, e Robert Downey Jr. é tão magistral que você esquece que está assistindo a uma das estrelas mais famosas e reconhecíveis da era moderna. Emily Blunt merecia muito mais chances de brilhar no filme, mas quando finalmente tem a oportunidade, entrega um dos (poucos) momentos emocionais mais gratificantes da obra. Matt Damon diverte e traz humor bem-vindo em alguns momentos, enquanto Florence Pugh faz o máximo que pode com um papel escrito de forma muito superficial.
Qualquer cena por si só pode ser boa (ou até mesmo ótima), muitas sequências estendidas são maravilhosamente realizadas, e quase sempre tudo parece magnífico. Mas “Oppenheimer” deixa a desejar, desde sua incapacidade geral de contar uma história coerente até a falta de razão para investirmos nas histórias pessoais dessas pessoas. O teste atômico, que deveria ser um dos destaques pelo menos visual e emocional, é apenas uma exibição mais longa das cenas do trailer. E, assim que a sequência terminou, fiquei perplexo: “Foi só isso?”
Não que eu só quisesse uma grande explosão nuclear com efeito especiais. Conheço todos os argumentos e pontos feitos sobre como e por que guerra, destruição e apocalipse não devem ser tratados de forma casual como entretenimento, e por que uma história de moralidade não deve glamourizar ou glorificar o holocausto nuclear como uma “conquista”. Mas o momento, incluindo imagens reais restauradas e aprimoradas, poderia e deveria transmitir facilmente o temor e a impressão em grande escala da extinção absoluta – e as reações de Oppenheimer e outros que testemunham isso – poderiam acrescentar a esses temas. Este é o momento central da vida de Oppenheimer: é por isso que falamos seu nome hoje, o porquê esse filme existe e as suas advertências ecoam. Então sinto que, no longa de Nolan, este também deveria ter sido um momento mais central em vez de receber menos tempo de tela e quase tanta emoção do que cenas da sua vida amorosa.
Sou um grande fã do trabalho de Nolan, independentemente das críticas que já fiz ao longo dos anos. Eu esperava que “Oppenheimer” me surpreendesse e fosse um dos meus filmes favoritos do ano – até imaginei que estaria no meu top 10 de 2023. Ao invés disso, estou decepcionado e teria dificuldade em assisti-lo novamente.
“Oppenheimer” é o filme mais fraco de Nolan até hoje, e é um forte contraste com sua visão perfeitamente ambiciosa e complexa em “Dunkirk”. Ainda assim, se para termos “Dunkirk”, “Interestelar” e “A Origem” significa que às vezes terão esforços falhos como este – que podem incluir vislumbres de grandeza –, então sou eternamente grato por ele continuar se esforçando.
*Mark Hughes é colaborador da Forbes USA e trabalha como roteirista de cinema e TV. Também é especialista em mídia e já foi redator de anúncios de campanha