“Por que vocês não sabem do lixo ocidental?”, traduzido em inglês como “Why don’t you know about Western remains?”, é o título da primeira individual de Jaime Lauriano nos Estados Unidos, que acontece em nossa galeria no Chelsea, em Nova York, com curadoria de Igor Simões.
O curioso título é o verso que abre a primeira estrofe da canção-manifesto “Para Lennon e McCartney” do LP “Milton” do grande mineiro Milton Nascimento, hoje com 81 anos. Gravado em 1970, o álbum tornou-se, antes do emblemático “O Clube da Esquina”, um dos clássicos deste poeta plural da nossa MPB. Apesar de o título se referir aos dois Beatles, John e Paul não são citados na linda letra assinada por Fernando Brandt e os irmãos Borges, Márcio e Lô. A música é uma crítica ao descaso crônico do Hemisfério Norte em relação à cultura brasileira, que só veio a mudar mais recentemente.
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Naquele momento de explosão da nossa MPB e da Tropicália, com o pano de fundo da vergonhosa ditadura militar entrando nos Anos de Chumbo do Brasil do presidente Garrastazu Médici, qual o jovem – como eu então – não era tomado pela musicalidade espiritual, libertadora, do grande Milton?
“Por que vocês não sabem
Do lixo ocidental?
Não precisam mais temer
Não precisam da solidão
Todo dia é dia de viver
Eu sou da América do Sul…”
Produzido pelo amigo de adolescência e parceiro Wagner Tiso (outro mestre da MPB), o paradigmático disco celebra Milton, em uma capa visionária do designer Kélio Rodrigues, com um rei africano black power, já antevendo a atual discussão da diáspora africana. Este é um dos assuntos no cerne da obra do artista Jaime Lauriano. Nascido em São Paulo há 38 anos em família modesta, como a maioria dos negros no país, Lauriano imprime em sua obra esta mácula do passado que desonra nossa sociedade mostrando com inteligência e sutileza como esse comportamento histórico, herdado da escravidão do Brasil colônia, permanece vivo nos tempos contemporâneos estigmatizando milhões de homens e mulheres.
Confessadamente influenciado pelo grande artista negro, Artur Bispo do Rosário (1909-1989), Lauriano se apropria de importantes pinturas da arte brasileira oficial do passado e de seus mapas, dando a eles uma linguagem de cunho popular crítico ao inserir neles imagens cotidianas e miniaturas de grande circulação que carregam uma carga de violência histórica em sua aparente inocência lúdica com a qual nos alimentamos de forma inconsciente.
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Os objetos vão de brinquedos, adesivos, a imagens de natureza colonial que podem se juntar a outros objetos e signos visuais associados ao colonialismo, ao racismo e à violência contemporânea. As religiões de matriz afro-brasileira, como a umbanda e o candomblé, também se encontram no universo de questões discutidas na brasilidade da poesia de Lauriano em um remix de imagens de violência e de resistência, como a palavra iorubá Axé (que significa “energia”, “poder” ou “força”), presente em várias obras, numa maneira de louvar sua ancestralidade.
Desde que iniciou na arte há cerca de vinte anos, Jaime Lauriano tem apresentado sua obra nos mais importantes museus do país e exibido em coletivas no exterior em Portugal e nos Estados Unidos. Seus trabalhos se encontram em coleções institucionais, como a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Recife; o Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro; em São Paulo no MASP e na Pinacoteca do Estado; assim como na Fundação Schoepflin, na Alemanha.
“Por que vocês não sabem do lixo ocidental?”
Jaime Lauriano
Até 3 de março de 2024
Galeria Nara Roesler / Nova York – 511 w 21st street,
+ 1 (212) 794 5038
[email protected]
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
[email protected]
Instagram: @galerianararoesler
http://www.nararoesler.com.br/
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