Conhecida por sua abordagem criativa sem limites e uma curiosidade incessante, a designer Paola Vilas marcou história no ano passado como a primeira artista latino-americana a colaborar com o icônico perfume La Vie Est Belle, da Lancôme. Under 30 da Forbes em 2019, a carioca de 31 anos concedeu entrevista exclusiva na época para compartilhar os detalhes da sua jornada: desde a descoberta de sua paixão artística (pautada pelas formas femininas e surrealistas) até a parceria inédita com a marca de beleza francesa.
Multidisciplinar, ela assina linhas de joias, mobiliários e espaços cenográficos. Na conversa a seguir, Paola revela insights sobre o processo de criação do novo frasco e a criatividade que impulsiona sua obra. Prepare-se para mergulhar na mente dessa referência no segmento em que o design e a autenticidade se entrelaçam para elaborar uma arte de vestir – e, agora, de sentir.
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Forbes – Como aconteceu a parceria com a Lancôme para colaborar com o perfume La Vie Est Belle?
Paola Vilas – Me senti extremamente honrada com o convite para colaborar de forma global com uma das maiores marcas de beleza do planeta. Especialmente por ser a primeira artista latino-americana a trabalhar com La Vie Est Belle, da Lancôme. Uma fragrância tão relevante, que faz parte da identidade de milhares de mulheres no mundo, e está presente no imaginário de tantas outras como algo que desperta emoções elevadas. A oportunidade de trabalhar ao lado de uma empresa líder em seu mercado por um longo e intenso período foi inesquecível e encantadora.
Como foi o processo de criação do frasco do perfume?
Tudo começou com um mergulho profundo no universo Lancôme e uma investigação sobre suas principais características. Iniciei um processo de compreensão de suas formas e universo conceitual. Sua forma mais distintiva, que me guiou no desenvolvimento do design completo, foi a principal curva, presente no sorriso do frasco, assim como a ideia de trazer uma sensação de ouro líquido à peça. Comecei esboçando diversas composições da forma no papel, seguindo intuitivamente essa curva, adicionando movimento e volume escultural a ela. A inspiração também veio dos ingredientes puros da Lancôme, que tornaram o minimalismo parte desse conceito – assim como da minha peça mais emblemática, Louise, uma escultura usável que representa um corpo feminino ousado e minimalista.
Teve liberdade total para criar?
Tive bastante liberdade criativa durante o processo. Por ter mergulhado profundamente no âmago da Lancôme, tive clareza dos caminhos a seguir e um encantamento absoluto com todas as possibilidades que aconteciam na interseção entre nossos universos.
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Quais são os próximos passos da parceria?
A colaboração já foi anunciada globalmente na página oficial do Instagram da marca. É uma colaboração criada em nível global; foi ativada em diferentes países, como EUA, França e Brasil. E também esteve em exposição na principal loja da Lancôme em Paris, na Champs-Élysées, no final do ano.
Você é uma criativa nata. Quando descobriu seu olhar artístico?
Acredito que criatividade é um fluxo constante e que todos podem desenvolver. Nunca matei minha curiosidade sobre o mundo. Coloco sempre mais perguntas do que respostas sobre tudo. Isso me faz olhar para a mesma coisa por diferentes ângulos. Não há uma verdade absoluta. Busco sempre questionar a percepção geral sobre as coisas com que nos relacionamos, sejam elas físicas ou conceituais. Acredito também na importância de se manter nesse estado de forma leve – aprende-se muito mais facilmente brincando. As perguntas me movem e alimentam minha criatividade. É um processo lúdico. Mas também sou uma pessoa que realiza – não há criatividade sem criação. É preciso aplicar a criatividade em algo. Acredito demais na experimentação, em permitir-se errar e aprender sem medos. Essa é a única forma de inovar, a única forma de ser verdadeiramente criativo.
Começou a criar com que idade?
Desde muito cedo. Creio que toda criança nasce criando e, desde muito jovem, aplico minhas criações em esculturas, desenhos, pinturas. A diferença foi que mantive meu lado artístico desenvolvido e criei uma linguagem própria – evoluí a brincadeira até ela se revelar um trabalho.
Como foi sua trajetória até aqui?
Há quase oito anos, lancei minha marca homônima como resultado de uma pesquisa sobre o feminino. No início, fomos projetadas intensamente no mercado internacional, por conta da característica única das criações, da imagem e da linguagem que construímos. Com a demanda crescente no Brasil, observamos uma oportunidade forte no mercado interno e decidimos direcionar nossas energias para crescer e desenvolver a marca perto de nós, com um contato íntimo com nossos clientes, colecionadores e comunidade. Mesmo com foco no mercado nacional e na abertura de três lojas, nossa marca continua crescendo lá fora, graças ao digital e a alguns pontos de venda. Nosso site internacional, que vende para consumidores finais do mundo todo, representa uma forte fatia de nossa receita.
Muitas das suas criações são inspiradas no neossurrealismo. Como começou seu interesse pelo movimento artístico?
Meu trabalho investiga o inconsciente em busca de uma expansão do feminino. No mundo do inconsciente, sempre trabalhei o lugar dos sonhos como um lugar em que você acessa os desejos mais verdadeiros. O surrealismo vem desse mergulho no mundo do inconsciente, que te leva para o universo dos sonhos. Tudo pode estar fora de lugar – e é no estranhamento que mora o encantamento. Podemos sempre desaprender para aprender novamente. Esse é o exercício que busco colocar para as pessoas através das minhas esculturas vestíveis.
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Divulgação Brinco Louise, pensado a partir da forma do corpo feminino – marca registrada de Paola
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Divulgação Bracelete Elis, em prata, mais uma homenagem da designer às curvas femininas
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Divulgação Uma brincadeira de Paola com suas joias e acessórios de mobiliário, que conversam entre si
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Divulgação O brinco Mira, de ouro 18k com esmeraldas
Brinco Louise, pensado a partir da forma do corpo feminino – marca registrada de Paola
Em que mais se inspira na hora de criar?
Criei uma linguagem própria e é como se, a cada coleção ou projeto, escrevesse um capítulo diferente do livro. Tudo está conectado a esse universo de origem, que funciona como uma espinha dorsal, mas cada um trata de um assunto distinto. Normalmente, costumo investigar algo do contemporâneo ou da psique humana. A principal estrutura desse universo e linguagem é o feminino. É um processo bastante intuitivo e livre. Não quero condicionar a criação no primeiro estágio. Apenas faço, desenho, rabisco, faço esculturas, teste em materiais que eu possa moldar para entender o que é mais interessante, o que funciona ergonomicamente, o que pode ser melhorado, descartando o resto. Apenas no final é que dou sentido para tudo na escrita. Faz parte do meu processo criativo escrever sobre o que eu fiz para que eu mesma entenda o que é aquilo. Meu processo está alinhado com esse interesse pelo inconsciente. Deixo-o se manifestar e depois avanço até ele com a escrita, em que o sentido ou a história se apresentam para mim.
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Qual é a diferença em criar um acessório e um móvel? Usa as mesmas técnicas?
Gosto muito dessa pergunta, porque me dá a chance de falar que muitas vezes é bom não saber fazer algo antes de começar. Quando lancei minha linha de mobiliário, não tinha ideia de como se fazia. Portanto, não tinha vícios em soluções prontas. Tinha muita vontade de me desafiar em um novo campo. Foi muito especial porque, a partir daí, veio uma das maiores características da nossa linha, que é o fato de ser um mobiliário com processos estruturais de joalheria. Foi de fato um exercício maravilhoso desafiar as dimensões do meu trabalho original. Continuo fascinada por como conseguimos estabelecer processos tão similares como, por exemplo, a fundição, presente em ambos os processos, e a ourivesaria, que é substituída pela serralheria.
Você tem um estilo único e irreverente. Como foi o processo de construção da sua imagem?
Assim como meu processo artístico, sempre foi algo intuitivo e que evoluiu lado a lado com o desenvolvimento do meu universo visual e conceitual. Sempre olhei com encantamento e curiosidade para o que é diferente, sem julgamentos. Gosto de integrar essas partes em mim. Talvez porque não julgue: não acho que os outros estejam me julgando e isso me deixa confortável em fazer minhas escolhas. Estou lá construindo, integrando um elemento intrigante ou outro ao meu repertório visual, ou estilo.
Como define seu estilo?
Gosto muito de roupas como figurino. É fascinante perceber como é simples, mas potente, se divertir com as diferentes leituras que as roupas podem provocar. Apesar de adorar teatralidade e brincar com isso, nunca abri mão de estar completamente confortável em minhas roupas. Então, costumo usar bastante fluidez e alfaiataria por cima como uma estrutura contrastante.
Entrevista publicada na edição 114 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.