A exposição com duração até 4 de agosto no MuBE, no coração do Jardim Europa, oferece uma rara oportunidade para se admirar o pioneirismo da artista grandiosa que foi Amelia Toledo (1926-2017), minha querida amiga. A última vez que tantas obras suas foram reunidas em um museu em São Paulo aconteceu no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em outubro de 2017.
Um mês depois da inauguração, em sua casa-estúdio em Cotia, a dias de festejar 91 anos de idade, a artista faleceu. Morreu feliz, aclamada pela crítica, pelo público, pela comunidade da arte e por seus inúmeros colecionadores por ter realizado uma obra fora do cânone, até hoje surpreendente, com materiais que vão da pedra ao plástico, e que tanto impulsionou a arte brasileira a galgar degraus. Ansiosa antes de suas exposições, costumava dizer: “Tenho certeza, que o público e as crianças vão adorar!”
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Você sabe como é, toda vez que buscamos matérias antigas, ainda publicadas em jornal impresso, acabamos nos deparando com outras interessantíssimas, esquecidas entre tanta papelada da época pré digitalização total. Me refiro a uma entrevista de Amelia, que descobri recentemente, talvez a mais longa que tenha dado no último decênio de sua vida. Foi publicada em página inteira no dia 19 de dezembro de 1999, no Caderno de Domingo no finado Jornal da Tarde, que teve sua última versão impressa em 2012. A autora da entrevista, a historiadora de arte Cynthia Garcia, minha amiga e fiel colaboradora aqui na coluna da Forbes. Eis alguns fragmentos do histórico depoimento:
Como é sua experiencia com as pedras?
Sempre gostei de pedras. Elas possuem forma e cristalizações incríveis que descortinam a paisagem interna da Terra e revelam o movimento do planeta impresso em um pequeno fragmento.
Você sempre trabalhou com pedras desde o início de sua carreira nas artes plásticas?
Na minha infância brinquei muito com pedras porque minha mãe fez para mim uma coleção de pedras. Meus pais era cientistas, ele patologista, e ela sua assistente, achavam que eu seria mineralogista ou cientista. Esse amor que tenho pela natureza vem da minha avó. (…) Passei minha infância viajando muito, indo a exposições e descobrindo a natureza. Pequena, eu acordava cedo e ouvia meus pais discutindo preparados microscópicos. Convivi desde pequena com as questões dos organismos e sua paisagem interna.
E a antroposofia como entrou na sua vida?
Aos seis anos, durante a Segunda Grande Guerra, meus pais foram convidados para trabalhar na Alemanha, quando voltei fui matriculada no Porto Seguro, que ainda era chamado de Olinda Schule. Lá desenvolvi a paixão pelo mundo refinado da antroposofia através das pedras e de Goethe. (…) Com isso fui encontrando uma sincronia entre pessoas que convergem para um tipo de postura e atitudes que visam a elevar a consciência humana.
E a opção pela arte?
Foi minha, mesmo. Comecei com aulas com Anita Malfatti, mas foi aos 15 anos, ao conhecer o artista japonês Yoshiya Takaoka que me apaixonei pela liberdade da arte.
Como você chegou à escultura?
Desde mocinha eu fazia joias, mas quando fui morar na Inglaterra, aos 28 anos, trabalhei em silversmithing (ourivesaria especializada em prata) para aprender a forjar o metal e a pedra. E através da joia cheguei à escultura. (…) Todo esse processo me levou a entender a poética e a fenomenologia dos materiais.
Como você se coloca na arte?
Não faço nada obedecendo a receitas. Sou totalmente independente. (…) Em termos estéticos não tenho limitações. (…) A marca da expressão artística é a livre experimentação, mesmo que essa expressão venha da opressão. Por que não me expressar de várias maneiras se tenho esse impulso?
Com essa trajetória fora dos cânones convencionais, como é fazer parte da história da arte brasileira?
É importante testemunhar as coisas da nossa época, pois os depoimentos estéticos propiciam testemunhos que muitas vezes a história oficial não consegue transmitir.
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Você faz parte de alguma corrente na arte brasileira?
A liberdade do meu processo criativo me permitiu, na minha trajetória, uma série de intrusões. Não pertenço a esta ou àquela corrente. Tive várias influências. Desde o início trabalhei com meios variados de expressão. “Ismo” não é comigo. Não pertenço a esta ou àquela corrente, na realidade, sou meio E.T.
Afinal, você é pintora, escultora, projetista? Ou você se considera tudo isso?
Sou uma criadora. Sou artista plástica, mas também sou designer de objetos. Sou uma pessoa que desenvolve ideias e projetos desde uma vinheta até uma estação de metrô, como fiz no Rio, em Copacabana. Mas o mais importante é que tudo que é feito com criatividade e amor passa para as pessoas e as crianças na Arte.
SERVIÇO
“Amelia Toledo: Paisagem Cromática”
Até 4 de agosto de 2024
Curadoria de Daniela Gomes Pinto e Fernando Limberger
Expografia de Anna Helena Villela
Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE)
Rua Alemanha 221, Jardim Europa, São Paulo
Funcionamento: quarta a domingo das 11h às 18h
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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