Karin Lambrecht, que vive desde 2017, no litoral sul da Inglaterra, está em um momento especial da admirável carreira que começou lá atrás com Iberê Camargo, em Porto Alegre. Ela conta como foi o convite para expor “Seasons of the Soul” no Centro Mark Rothko que recebeu do historiador inglês, David Anfam, autor do premiado catálogo raisonné de Mark Rothko e curador da maior exposição sobre Expressionismo Abstrato, montada no Royal College of the Arts, em Londres. Também fala sobre suas influências, dos tempos de estudante de artes plásticas na Berlim do Muro e revela como, de lá até cá, o comportamento da sociedade vem evoluindo em relação às mulheres. Leia o que Karin me contou em uma série de chats que tivemos por WhatsApp:
Letônia de Mark Rothko
É uma honra ter o apoio de David Anfam. Ele prestigiou a abertura da Summer Exhibition Season 2024 do museu e apresentou meu trabalho ao público na cerimônia de abertura. A exposição é fruto do David e, também, da Farida Zaletilo, a curadora do museu junto ao diretor Mãris Cacka. Foi uma dádiva, pois Daugavpils é onde Rothko nasceu. Rothko considerava-se russo e, ali, a influência russa paira no ar. É a mesma que eu sentia nas visitas aos meus avós paternos que viviam no setor soviético antes da queda do Muro de Berlim. De Riga, a capital ao norte, foram quatro horas de vagarosa viagem de trem até chegar ao sul, em Daugavpils. Admirando o melancólico cenário, refleti sobre a espiritualidade da pintura de Rothko, sua tragédia pessoal, o silêncio de sua pintura e sua infância no gueto de Daugavpils.
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Expressionismo abstrato
Me identifico com o Expressionismo Abstrato, mas meu caminho foi indireto, veio através de minha formação, em 1980, com o pintor alemão Raimund Girke quando estudei em Berlim Ocidental aos 23 anos. Com a Segunda Grande Guerra, muitos judeus e artistas deixaram a Europa para se salvar do holocausto e se refugiaram em outros países, entre os quais os Estados Unidos. Em 1955, a primeira Documenta de Kassel reinstaurou na Alemanha a arte que os nazistas haviam classificado de ‘arte degenerada’. Professor Girke refletia muito em sala de aula sobre a pintura americana e o modo de vida americano do pós-guerra, lembrando que, depois da guerra, os Aliados dividiram o país em quatro setores: inglês, americano, francês e soviético.
Girke valorizava o gesto, a pincelada, a caligrafia, o movimento do corpo, luz, cor e espiritualidade. Em 1987, na minha primeira vez em Nova York, a convite do programa Artist in Residence da Millay Colony for the Arts, fui ao MoMA admirar a pintura de Helen Frankenthaler e de Jackson Pollock. A obra de Rothko fui ver pessoalmente em Washington, foi muito emocionante. Em Berlim, nos anos 80, houve um retorno à pintura, principalmente à pintura figurativa na herança do Expressionismo alemão. O novo movimento consagrou-se na exposição Zeit Geist em 1982, com Joseph Beuys no centro do evento. Lembro-me muito de Beuys, assisti a algumas palestras dele.
Palavras e cruzes
São anotações, sempre incluí escritos em minha pintura. Escrevo com carvão vegetal e, às vezes, os escritos ficam ilegíveis em meio às camadas de cor e na confusão diluída da memória. Já as pequenas cruzes de cobre são para mim elementos, uma narrativa pictórica. Claro, há a associação simbólica com a cruz de emergência, hospital, farmácia, ambulância, processos de cura, ajuda humanitária etc., mas na minha pintura a cruz também aparece nas passagens da vida à morte.
Grávida
Na sala de aula do professor Girke engravidei, física e espiritualmente, o que mudou o meu pensar e a minha pintura. Engravidei da Yole com o estudante inglês Michael Chapman, hoje professor aposentado pela FURG (Universidade de Rio Grande). Fui a única estudante grávida e barriguda na faculdade! Como a sociedade evoluiu! Naquela época, mesmo na Alemanha, não havia professoras mulheres dando aula e estudante grávida era algo extraordinário! Depois do choque da notícia meu professor me apoiou.
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Centro Mark Rothko
Recebi o convite de David Anfam numa tarde ensolarada em março de 2022, em seu belo flat (apartamento), cercado de livros, num charmoso bairro de Londres, com vista para um canal e o prédio do jornal The Guardian. A ocasião era justamente uma filmagem para uma individual minha em sua galeria em São Paulo, Nara!
Coincidência!
A fotógrafa Eva Herzog havia instalado a câmera, preparado nossa entrevista e a assistente ficou a cargo da filmagem. A coincidência, que acredito ter inspirado David a me apresentar ao Centro Mark Rothko, surgiu quando a assistente contou que era da Letônia, e eu revelei que minha avó materna também havia nascido lá em 1899. Em 1914, quando estourou a Primeira Guerra, sua família emigrou para o sul do Brasil, onde ela veio a falecer em 1989, em Porto Alegre. Minha querida avó materna vivia me contando coisas do lugar onde nascera.
SERVIÇO:
Karin Lambrecht: Seasons of the Soul
Curadoria de David Anfam e Farida Zaletilo
Até 25 de agosto, 2024
Mark Rothko Art Centre
Daugavpils, Letônia
https://rothkomuseum.com/ekspozicija/dveseles-gadalaiki/
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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Instagram: @galerianararoesler
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