“Não era para eu ter a vida que tenho; era para ser bem difícil. Construí o que vivo hoje por mérito meu, mas, antes, encontrei pessoas que me abriram algumas portas”, diz Emar Batalha, joalheira nascida no Espírito Santo, que montou e mantém de pé o Instituto Alimentando o Bem. As dificuldades a que ela se refere dizem respeito à falta de recursos em um período importante da vida, a pré-adolescência, após um episódio de violência doméstica que resultou na morte da mãe. Jovem adulta, ela descobriu na venda de joias de prata uma saída para a independência financeira. Emar então estudou e passou a desenhar as próprias peças, o que já conta trinta anos.
Conversar com Emar é muito inspirador. Seu projeto, o Alimentando o Bem, começou com a distribuição de marmitas em 2020, no início da pandemia, para pessoas que moram nas imediações da unidade de conservação da Área de Proteção Ambiental (APA) Serra do Guararu, no bairro Perequê, que fica no Guarujá (SP). Com foco em mulheres, passou a oferecer oportunidades para a obtenção de renda por meio do trabalho, criando cursos e oficinas de chocolate, cerâmica e velas; depois incluiu o atendimento psicológico, o cuidado no contraturno das crianças e, mais recentemente, passou a cuidar até da moradia das famílias atendidas. Ao todo, são 200 atendimentos por mês. O objetivo, no futuro, é fazer do Instituto um projeto-piloto, de forma que ele possa ser replicado em outros lugares carentes da ação de ONGs.
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A experiência com o terceiro setor divide sua rotina com a joalheria. Uma das tarefas é manter a rede de relacionamentos sempre ativa, fator essencial para manter os recursos do Instituto. Entre uma coisa e outra, ela anseia pelo momento em que os brasileiros com melhores condições despertem para a importância de doar com regularidade, e não apenas emergencialmente, como acontece em tragédias. Acompanhe a nossa conversa a seguir. Em tempo: saiba como doar ao Instituto Alimentando o Bem.
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Divulgação Fábrica de cerâmica do Instituto Alimentando o Bem
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Divulgação Cerâmicas do Instituto Alimentando o Bem
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Divulgação Fábrica de Chocolate do Instituto Alimentando o Bem
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Divulgação Pipoca com chocolate do Instituto Alimentando o Bem
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Divulgação Projeto Morada Digna Alimentando o Bem
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Divulgação Projeto Morada Digna no Perequê, Guarujá, do Instituto Alimentando o Bem
Fábrica de cerâmica do Instituto Alimentando o Bem
Como o Alimentando o Bem começou?
O projeto começa na pandemia, depois que eu e meu marido, Serginho, fomos para a casa de praia no Guarujá, já imunes depois de termos contraído covid – estávamos entre os primeiros 100 casos da doença no Brasil. Pensei em como havíamos passado por aquela região do Perequê por tanto tempo e nunca havíamos realmente nos incomodado; o que ficou evidente naquele período. O bairro é abandonado e mais de 80% da ocupação é feita por invasão. Começamos fazendo e distribuindo marmitas. Paralelamente a isso, completei 50 anos em 2020 e a vontade de abrir uma casa de apoio à criança aflorou – essa era uma ideia antiga, que planejei para a aposentadoria. Mas também pensei que, se eu fizesse algo voltado apenas para as crianças, o problema nunca acabaria; que era preciso respaldar a mulher, para que ela pudesse, então, cuidar e ajudar os filhos.
De que maneira a marmita se transformou no que o Instituto é hoje?
Convidei a minha professora de pâtisserie, Silvana, e abrimos com dez mulheres uma minifábrica de chocolate. A partir daí, criamos novos núcleos, como o de cerâmica, de velas, de costura de bonecas; estamos planejando um ateliê de amigurumi para as vendas de fim de ano. Elas aprendem a fazer, depois produzem e vendem para ter uma renda. O de chocolate e o de cerâmica são os mais proeminentes, mas são eixos que precisam muito de mim ainda – antes de falar com você estava no telefone vendendo pipoca com chocolate para uma empresa. A ideia é que esses núcleos se transformem em cooperativas, que seus produtos estejam em lojas como o Santa Luzia, e que as mulheres empreguem mais gente e sigam sozinhas. E nós entramos com o apoio da Rede Cidadã, que é por onde elas entram de fato.
Como funciona esse processo?
Com a criação dos núcleos de inclusão produtiva, veio um aprendizado: não basta dar trabalho. Essas são mulheres que sofreram e sofrem violência doméstica; que não têm disciplina de trabalho – elas ganham um dinheirinho hoje e não voltam amanhã… Elas chegam, por exemplo, pedindo uma cesta básica, e não um emprego. Passamos a usar a metodologia da Rede Cidadã: elas passam pelo núcleo de atendimento, que inclui psicólogo e assistente social; uma pedagoga se necessário. Há uma triagem e uma conversa; explicamos que não adianta apenas a cesta básica.
As mulheres que atendemos têm a autoestima muito baixa, muitas acham que o sofrimento faz parte do dia a dia. A gente tenta fazer o resgate dessa autoestima com o coral, ou com grupos de mulheres, às vezes incluindo os homens para falar de violência doméstica, para eles entenderem que isso que lhes foi ensinado – a violência, o abandono – não é um padrão normal.
Os jantares de arrecadação são a única fonte de doação?
O jantar é a nossa principal fonte. Ele aconteceu em duas edições seguidas, sempre no fim do ano. Este ano vamos pular, porque eu estou migrando o evento para maio de 2025. No fim do ano, ninguém aguenta mais, tem muita coisa acontecendo. E, como somos mulheres, maio é um mês muito forte para a gente.
Quanto se arrecada num evento como esse?
No último foi 1 milhão e 700 mil reais. Esse jantar nasceu por causa do sr. Elie Horn, fundador da Cyrela, o maior doador do Brasil. No início, o que faltava de dinheiro no fim do mês saía do meu bolso e do bolso do meu marido. Um dia, acordei às cinco e meia da manhã e fui correr na praia. Quem eu vejo? Elie Horn com a enfermeira. Aí eu suada, não pensei duas vezes: ‘seu Elie, não se assuste, meu nome é Emar Batalha, eu tenho uma casa aqui, mantenho um Instituto e preciso muito da sua ajuda’. Convidou a mim e meu marido para tomar um café na casa dele. Naquela época, eu precisava de 100 mil por mês. Aí ele pegou o telefone e começou a ligar. ‘Fulana de tal, se você der 10 mil reais pra Emar, eu vou dar o mesmo valor’. ‘Tá, seu Elie, tá bom’– tipo, ninguém fala não pra ele, né?
Nesse dia eu saí com 70 mil mensais durante um ano. Ele finalizou dizendo assim: ‘nós estamos em agosto; se até outubro você conseguir fazer um evento em que você arrecade 700 mil, eu te dou mais 700 mil’. O primeiro jantar foi em outubro de 2022 e a gente conseguiu 1 milhão de reais; ele colocou mais 700 mil. E agora é um doador mensal do Instituto. Ainda dá muito trabalho levar o projeto adiante. Quando vejo que as ações não serão suficientes, pego o telefone e ligo para os amigos. A gente tem doador mensal com 30 reais fixo, e a gente tem doador mensal com 10 mil reais fixo.
A solução é pedir dinheiro.
Nosso instituto ainda é pequeno, vivemos basicamente de ajuda. Graças a Deus, sou bem relacionada. Uma das vantagens que eu tenho é que, por ser designer de joias, ter um pouco de credibilidade, do tipo, “olha, ela não precisa desse dinheiro para ela”, entendeu? Mas eu sei que muitas ONGs pequenininhas sofrem por causa dessa desconfiança. Brinco dizendo o seguinte: tenho 180 mil seguidores no Instagram. Se eu fizesse uma campanha e cada um desse 1 real por mês – um, um! –, olha, eu resolveria o problema mensal do instituto. Mas você não consegue. Essa é uma bandeira minha: a gente precisa aprender a ser doador.
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Por que não consegue?
O brasileiro doa em tragédia, como o que aconteceu no Sul. Se eu quiser, hoje, mil cestas básicas, eu consigo. Se falar que tem gente passando fome, todo mundo corre para dar cesta básica. O brasileiro tem muita dificuldade em investir em projetos que vão realmente fazer a vida das pessoas mudarem. Por que uma cliente minha pode dar 80 mil reais numa joia e tem dificuldade de me doar 300 reais por mês em uma ação? Eu fico pensando nisso, entendeu?
Como você enxerga as iniciativas do empresariado brasileiro no terceiro setor?
Sinceramente, acho que o empresariado brasileiro está no aprendizado. Falta muito. Não posso apenas criticar, porque sei de todas as dificuldades por que eles passam. O caso é que faltam leis de incentivo do governo. Se você olhar hoje o Movimento Bem Maior, que é o do sr. Elie Horn, há um grande gasto com advogados para mudar as leis brasileiras. O norte-americano doa muito, pois ele tem muito incentivo. No Brasil, se você tem uma empresa e quer doar o estoque, você tem que pagar o imposto em cima dessa doação. A gente precisa de uma mudança urgentemente.
Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.
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