As joalherias brasileiras não passam despercebidas no mercado internacional: são conhecidas pela combinação de criatividade, cores e pedras. Atualmente, existe um movimento que busca também pela chancela de sustentabilidade nos processos e na produção e que já está fazendo história. No meio do ano, algumas joalherias que protagonizam esse movimento apresentaram suas peças na primeira vitrine dedicada inteiramente ao tema na Couture Show, a maior exposição do ramo. Anualmente, a convenção reúne os principais varejistas e consumidores no luxuoso Wynn Las Vegas (EUA) e se torna um espaço de inspirações e negócios.
O projeto e a curadoria da exposição são de responsabilidade da JULLS, empresa especializada em fazer a ponte entre o designer de joias autoral e os pontos de venda no mercado internacional. Criada em 2015 pela consultora de marketing Debora Lucki e pela arquiteta Camilla Guimarães, a curadoria conta com mais de 20 clientes em seu portfólio e tem se especializado em levantar a bandeira das joalherias sustentáveis.
“A extração de diamante e ouro é devastadora para a natureza, mas o Brasil tem grandes iniciativas de responsabilidade ambiental. Nós temos a Mina do Cruzeiro, a maior mina de turmalina do mundo, e que trabalha com o princípio da mineração sustentável. Temos lugar de fala e, por isso, a chance de protagonizar um movimento tão essencial para o mundo”, define Debora.
Antes da Couture Show, a JULLS foi pioneira ao inserir uma vitrine de joalherias brasileiras sustentáveis no coração da Quinta Avenida de Nova York, na cobiçada loja multimarcas de produtos de grife Bergdorf Goodman. Foram dois anos de planejamento e certificações até que a exposição pudesse acontecer, em março deste ano.
A designer de joias capixaba Carolina Neves, fundadora da marca que leva seu nome, participou das duas mostras. “Nós sempre sonhamos estar nesses salões, dividindo espaço com marcas tão importantes. É uma honra estar lá levantando essa bandeira da sustentabilidade”, define.
Fundada em 2011 e presente em sete países das Américas, Ásia e Europa, a marca tem focado em trabalhar com ouro de reúso e com mineradoras que certificam a extração responsável. “Ao longo do tempo, nós percebemos que era importante se preocupar com questões que vão além de beleza e qualidade do produto. A gente quer oferecer uma experiência 360 para o cliente, contando a história da peça desde a extração, entrega e certificação”, completa Carolina.
Os princípios da sustentabilidade
O mercado de joias é tradicionalmente informal e nocivo. Além da extração irregular e exploratória, a cadeia geralmente passa por inúmeras violações de direitos ambientais e humanos. Por isso, ganha força o movimento de joalherias que se preocupam em mitigar os danos desse processo. A transparência com o cliente é o principal pilar das marcas que atuam de acordo com esse conceito e, para isso, elas compram de mineradoras que atestam a origem e a forma de extração da pedra.
No caso do metal, a certificação é mais difícil. Assim, a prática mais comum é a reciclagem, ou seja, o ouro que já está no mercado é purificado e transformado para ser usado em novas coleções. Quase todas são certificadas pelo Sistema B, que atesta a atuação das empresas em direção à uma economia inclusiva, equitativa e regenerativa.
“A sustentabilidade é uma preocupação universal em todos os setores e na joalheria não é diferente. Mais do que uma tendência, é um novo comportamento do consumidor, que cada vez mais passa a exigir certificações, normas e transparência”, explica a sócia da JULLS, Debora Lucki.
O Índice do Setor de Sustentabilidade 2023, estudo da Kantar que revela as atitudes dos consumidores em 33 mercados, mostrou que questões relacionadas ao tema se tornaram prioridade para o público. No Brasil, 56% dos consumidores pararam de adquirir produtos e serviços de empresas que não procuram mitigar seu impacto ambiental no planeta. Para 77% dos entrevistados, os negócios têm a responsabilidade de tornar a sociedade mais justa, e 67% defendem que as marcas devem se responsabilizar e resolver os problemas climáticos e sociais.
“Os consumidores conscientes são uma força crescente que molda o futuro da indústria. Se uma empresa consegue demonstrar um compromisso real com a gestão ambiental ou social, ela não apenas ganha uma venda; ganha confiança”, analisa Kesley Gomes, diretora da Kantar Worldpanel.
“De nada adianta ter a pedra mais preciosa do mundo, se você não tem um mundo onde usá-la”, anuncia o manifesto da NAÏVE, marca que também integra a vitrine de sustentabilidade na Couture Las Vegas.
Criada em novembro de 2022 pelo casal Taisa Hirsch e Alexandre Lazzini, a joalheria é norteada por três pilares: ouro de reúso, com captação rastreada por blockchain, gemas coloridas de extração responsável e diamantes de laboratório (lab grown diamonds). “A gente não tem intermediários, de modo que a gente sabe o ponto zero da matéria-prima até ela vir para a nossa mão”, explica Taisa.
Com um programa permanente de captação de ouro, a marca coleta peças de seus próprios clientes, que podem vender joias que não usam mais para a NAÏVE ou trocar por outros acessórios da marca. O metal coletado passa por um processo de purificação para ser novamente reutilizado, e o processo é todo documentado com fotos e vídeos, disponibilizados no site da marca para que os clientes possam acompanhar todas as etapas de transformação do metal. “Criamos esse estímulo para incentivar esse mercado a fazer esse produto circular. A gente acredita que já existe ouro suficiente para suprir a indústria de joias sem a necessidade de extração da terra”, pontua Lazzini.
A sustentabilidade na NAÏVE vai além do processo produtivo. Entre as iniciativas de destaque está um programa de financiamento de bolsa para que jovens de baixa renda sejam capacitados para atuar no mercado de joias. Outro destaque é o contrato de trabalho com os funcionários da loja física da marca, localizada no Shopping Iguatemi, em São Paulo. São seis horas diárias trabalhadas e dois dias de folga, movimento atípico para o varejo. “Queremos profissionais que gostam do varejo, que não encarem como uma profissão de transição. Entendemos que é um ritmo difícil, então nós pensamos em soluções para proporcionar maior qualidade de vida para as pessoas que trabalham com a gente”, explica Taisa.
Mina do cruzeiro: mineração sustentável
A Mina do Cruzeiro ocupa 5 milhões de metros quadrados em São José da Safira (MG). Registrada em 1940, foi adquirida pelo grupo Nevestones (hoje chamado Seven Fine Gems) em 1982, quando começou o processo de mineração sustentável. No chamado fair mining, a exploração de recursos não renováveis é combinada com práticas de segurança, eficiência e retorno social para as comunidades locais.
No caso da Mina do Cruzeiro, equipamentos de ponta fazem a extração do solo de forma cuidadosa, sem desmatar mais do que o necessário e com limite anual de extração para a regeneração do terreno. Há investimentos contínuos em atividades de reflorestamento e tratamento de resíduos. Além disso, os 150 funcionários são formalizados e seguem normas rigorosas de segurança na atividade profissional.
“Nós somos uma mineradora artesanal pouco mecanizada e com propósito, um exemplo único no Brasil”, define Adriano Mol, head de marca e desenvolvimento de produto. “Nosso papel tem sido de divulgar boas práticas de mineração legal, responsável e justa por meio de ações que buscam aproximar o consumidor final à origem dos produtos”.
Em 2010, a Mina do Cruzeiro recebeu a visita de alguns dos principais institutos de gemologia do mundo para atestar a inovação do método do fair mining e foi reconhecida como a principal produtora global de turmalinas. “A maior parte das minas esgota rápido porque são exploradas de forma predatória. A nossa opção slow garante a longevidade do negócio em vez de focar em ganhos rápidos”, explicou Mol.
Hoje, a Mina do Cruzeiro atende clientes em todos os continentes, com ênfase na Europa, Hong Kong e América do Norte. Recentemente, o foco tem mudado para o mercado brasileiro, em parcerias com marcas que se alinham aos mesmos propósitos da mineradora.
Diamantes de laboratório
A indústria de diamantes envolve uma cadeia global que é difícil de rastrear. A pedra pode ser extraída de uma mina na Bahia, seguir para a lapidação na China e para a produção nos Estados Unidos ou na Europa. Quando volta ao Brasil, é quase impossível saber quais foram as condições de trabalho e violações envolvidas no processo.
No entanto, a ciência já criou uma alternativa que elimina todas as etapas obscuras: os lab grown diamonds. Como o nome sugere, são diamantes feitos em laboratório, com uma tecnologia de ponta que utiliza sementes de carbono e replica as condições terrestres, físicas e químicas envolvidas na formação dessa pedra. O resultado é uma joia idêntica à natural, mas produzida em muito menos tempo, entre 6 e 9 semanas.
“A joia tem as mesmas propriedades físicas, químicas, ópticas, mesmo índice de refração, mesma dureza na Escala de Mohs. Você pode mandar para o melhor gemólogo do planeta que ele não vai saber te dizer a diferença”, garante a sócia da NAÏVE.
Era 2019 quando Julia Blini escutou falar dos diamantes de laboratório pela primeira vez. Ela já atuava no mercado de joias, mas sentia faltar em sua carreira algo mais alinhado com seus propósitos. Julia logo foi contar para a amiga Luna Nigro, e as duas aproveitaram o recolhimento da pandemia para mergulhar fundo nas pesquisas sobre o tema.
Em 2021, fundaram a marca de joias sustentáveis GAEM, com foco em joias com ouro de reúso rastreado por blockchain e, claro, diamantes de laboratório. “Quando a gente lançou, era uma porcentagem muito pequena de pessoas que conheciam os lab grown diamonds. Hoje já tem até marcas grandes olhando para isso”, afirma Julia.
Nos Estados Unidos, país responsável por metade do consumo de diamantes no mundo, a demanda pelas pedras de laboratório está aumentando consideravelmente, como mapeou a empresa de pesquisa independente Edahn Golan Diamond Research & Data, que se concentra na economia global de diamantes.
Entre 2020 e 2023, as vendas de lab grown diamonds no mercado americano passaram de 13,7% para 46%. O custo-benefício pode ser uma das explicações para o aumento repentino. “Não é que seja mais barato, afinal é uma joia, mas o consumidor consegue ter acesso a peças maiores com o mesmo preço e com certificados internacionais, que são os mesmos para os dois tipos de diamante”, explica Luna.
A empreendedora também acredita no papel informativo das marcas, que, assim como a GAEM, são porta-vozes de que é possível consumir joias com pouco impacto para o planeta. “Ainda há um pouco de preconceito, especialmente do consumidor mais velho, mas a gente acredita no poder da informação. E temos um pouco esse papel de educar o mercado. Todo mundo só tem a ganhar com esse movimento”, conclui.
Reportagem publicada na edição 119 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.