
O governo italiano anunciou no final da última semana uma reforma na lei que permite a concessão de cidadania por direito de sangue (ius sanguinis), endurecendo as regras e restringindo o benefício apenas a filhos e netos de cidadãos nascidos na Itália.
A nova regra, fortemente apoiada pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, impõe um limite geracional aos pedidos, o que exclui quem tem bisavós ou parentes mais distantes. “Houve abusos de pedidos de cidadania ao longo dos anos”, afirmou Tajani.
“Ser cidadão italiano é uma coisa séria. A concessão da cidadania não pode ser automática para quem tem um ascendente que emigrou há séculos, sem qualquer ligação cultural ou linguística com o país”, declarou o ministro. O objetivo, segundo o governo italiano, é coibir os abusos, em especial, os milhares de pedidos que chegam da América do Sul e exploram uma lei considerada ultrapassada.
O decreto tem força de lei e está vigente por 60 dias, até ser aprovado ou não pelo Parlamento italiano. Até então, qualquer indivíduo que comprovasse ter um antepassado italiano vivo após 17 de março de 1861, data da unificação do Reino da Itália, poderia requerer a cidadania – sem restrição quanto ao número de gerações para a solicitação do reconhecimento por descendência.
A nova regra tem gerado preocupação, especialmente entre brasileiros descendentes, que formam uma das maiores comunidades fora da Itália. A procura pelo passaporte italiano nunca foi tão grande. Segundo Tajani, a quantidade de italianos, tanto nascidos quanto residentes fora do país, cresceu 40% na última década, passando de 4,6 milhões para 6,4 milhões. Na América do Sul, o número de descendentes que obtiveram o reconhecimento da cidadania italiana mais que dobrou em duas décadas, saltando de 800 mil para mais de dois milhões.
Em 2022, a União Europeia concedeu cidadania a 25,9 mil brasileiros, sendo que 70% dessas concessões foram feitas pela Itália e Portugal. “Estima-se que cerca de 500 mil brasileiros estavam em processo de reconhecimento da cidadania italiana e agora enfrentarão novas barreiras”, disse Eduardo Velloso, CEO da Trastevere Cidadania Italiana.
Veja o que muda na cidadania italiana
- Netos de italianos: quem tiver pelo menos um avô nascido na Itália ainda poderá solicitar a cidadania
- Bisavós: inscrições baseadas em ancestrais mais distantes (como bisavós ou tataravós) não serão mais aceitas
- Controles mais rigorosos: a verificação dos documentos será reforçada para evitar fraudes
- Exigência de vínculo efetivo: É necessário comprovar manutenção de laços reais com a Itália ao longo do tempo, exercendo direitos e deveres de cidadão pelo menos uma vez a cada 25 anos.
- Registro de nascimento no exterior: Indivíduos nascidos fora da Itália devem ser registrados junto às autoridades consulares italianas até os 25 anos de idade para manter o direito à cidadania.
Bisnetos e gerações subsequentes não têm mais direito automático ao reconhecimento, a menos que cumpram requisitos adicionais, como residência legal na Itália por um período determinado.
Outro ponto da reforma inclui o aumento dos custos para obtenção da cidadania. “A proposta é chegar aos 700 euros, os municípios e o Estado estão sobrecarregados com este trabalho [de emissão de cidadania], principalmente, os pequenos municípios”, destacou o ministro.
Quem protocolou seu pedido de cidadania até as 19h59 do dia 27 de março, no horário de Brasília, continua sujeito à legislação anterior. Nada muda para quem já possui a cidadania ou o passaporte italiano.
Reações e medidas legais
A comunidade ítalo-brasileira tem manifestado insatisfação com o decreto. Uma petição online contra as restrições já acumulou mais de 52 mil assinaturas, solicitando a revogação do decreto e melhorias nos serviços consulares.
Especialistas afirmam que a medida pode conflitar com artigos da constituição italiana que garantem igualdade perante a lei e acesso à Justiça, o que pode motivar ações judiciais por grupos de defesa dos direitos dos imigrantes.
Para que as mudanças entrem em vigor, o projeto ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento italiano. Caso a proposta seja ratificada, os descendentes de italianos ao redor do mundo enfrentarão um processo de obtenção de cidadania mais restrito e possivelmente mais oneroso. “Apesar dos entraves, o setor jurídico está trabalhando intensamente para identificar erros e possíveis brechas na lei. A expectativa é de que, mesmo com o decreto, seja possível encontrar alternativas para dar continuidade aos processos sem causar prejuízos aos requerentes”, finaliza Velloso.
*Com Agência Brasil