Inaugurado em 1960, o Salão do Automóvel de São Paulo foi realizado pela última vez em 2018 – e há grandes chances de sua trajetória ter se encerrado aí.
Mal 2020 havia começado e os problemas do maior evento automobilístico da América Latina apareceram quando a BMW anunciou que estaria fora da festa. Foi a primeira de muitas desistências: até o fim de janeiro, Toyota, Lexus, Chevrolet, Hyundai, Peugeot, Citroën e Kia também desistiriam.
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Em março, a eclosão da pandemia da Covid-19 foi o álibi perfeito para o cancelamento do salão daquele ano, eclipsando o real motivo: os custos altos que poucas montadoras ainda estavam dispostas a bancar. Extraoficialmente, executivos de montadoras consultados pela reportagem falam em R$ 20 milhões por um estande grandioso no Salão de Automóvel. Marcas mais modestas gastam, no mínimo, R$ 5 milhões.
Experiência x custo
Têm ganhado evidência então eventos como o Festival Interlagos, realizado entre os dias 8 e 10 julho. De acordo com a organização, foram 20,6 mil visitantes e 4,5 mil teste-drives – somas bem inferiores às 742 mil pessoas que recebeu e aos 45 mil testes que produziu o Salão do Automóvel, entre 8 e 18 de novembro de 2018.
Trata-se de espetáculo menor, mas que tem atraído montadoras que equilibram necessidade de apresentar seus produtos e rígidas contenções de custos, impostas pela ressaca da pandemia e por uma crise global de escassez de componentes eletrônicos. Qual o segredo?
“O primeiro é oferecer condições para uma experiência mais ampla do que em um salão tradicional. O segundo é o investimento muito menor do que nos salões, onde as experiências estáticas grandiosas custam muito caro. E o terceiro é estar no Autódromo de Interlagos, um lugar que para a maioria é um sonho dirigir na pista”, avalia Eduardo Bernasconi, um dos idealizadores do Festival interlagos. Segundo ele, 11 marcas já sinalizaram participação em 2023.
Uma delas é a Audi. “Não tenham dúvidas de que esse formato de evento veio para ficar. Em 2023, teremos mais experiências em pista a oferecer aos apaixonados por nossa marca”, avisa Claudio Rawicz, diretor de Comunicação e Marketing da Audi Brasil, que apresentou no evento os novos A3, A4 e A5 com tecnologia Mil Hybrid.
Diego Borghi, diretor de Vendas da marca alemã, defende que eventos estáticos, como os salões convencionais, são consumidos atualmente de modo virtual, e que o consumidor busca experiências imersivas e concretas. “Não acho que o salão morreu, mas os organizadores estão imaginando hoje como ele pode continuar existindo. Já eventos proprietários constroem outro tipo de relação com o cliente”, avalia.
Aviões e carros
Tal como o evento executado no principal autódromo do País, o Catarina Aviation Show também reuniu marcas de luxo.
“Participar de eventos exclusivos e com a segmentação de público assertiva reforça ainda mais o nosso posicionamento de marca de maior prestígio do mercado automotivo”, reflete Rawicz, da Audi, que reuniu 300 clientes da marca e realizou 170 testes nos modelos RS e-tron GT, e-tron e Q3 Sportback.
Ao lado do espaço da marca das quatro argolas, um Aston Martin DBS na cor Green Buckinghamshire disputava atenção com um Gulfstream G500, um jato avaliado em R$ 240 milhões.
“Em um evento como esse conseguimos dar mais atenção, um atendimento exclusivo a um cliente mais exigente”, resume Rodrigo Soares, diretor de operações da UK Motors, representante da marca inglesa no Brasil.
Outras marcas, como a BMW, têm os dois tipos de evento – os nichados e menores e a feira tradicional – no radar. “Ambos os modelos são válidos desde que estejam alinhados com os objetivos da empresa. Recentemente, lançamos a R 1250 RT no Festival Interlagos voltado às duas rodas, com grande êxito. O importante é que a experiência para o cliente faça sentido na ação”.
Abordagem semelhante tem a Volkswagen: “a marca avalia pontualmente a sua participação nas edições dos Salões de Automóveis. Os eventos focados em experiências e ativações também são considerados. Por exemplo, a empresa é, conforme anunciamos recentemente, a patrocinadora e carro oficial do Rock in Rio”, respondeu, em nota.
Mudança global
Não apenas o Salão de São Paulo flerta com a extinção. Nos últimos anos, eventos tradicionais como Paris, Frankfurt e Tóquio foram reconfigurados.
“A gente não fala mais em salão, pois o modelo convencional mudou no mundo todo. Os novos eventos para a indústria automotiva têm que entregar o que o evento digital não entrega, que é a emoção, a experiência”, reflete Luiz Bellini, diretor de portfólio da Reed Exhibitions.
A tradicional empresa de feiras planeja para 2023 o Salão Paulo Motor Experience, no Autódromo de Interlagos.
Bellini conta que a edição prevista para este ano não aconteceu por conta das condições desfavoráveis do mercado. “Não podíamos fazer um evento grandioso como seria o São Paulo motor Experience e gerar demanda com uma fila de espera de seis meses por um carro. Não faria sentido”, explica.
Questão apontada pelas montadoras a favor de eventos menores e que o executivo garante equacionar com o São Paulo Motor Experience é o custo. “O investimento será 70% menor do que se gastava no Salão do Automóvel, e ainda assim as montadoras terão mais condições de oferecer experiências”, explica Bellini, que evita em falar de extinção da feira convencional, mas reflete que aquele modelo serviu enquanto as demandas das montadoras e do público eram outras.
Poucos salões, aliás, resistem no formato tradicional, como o de Genebra, na Suíça, e os chineses de Pequim e Xangai. “Falando sobre os asiáticos, lá são outros costumes, ambiente negócios diferente, há outros players. Nosso público, nossa cultura e a demanda por experiências são diferentes”, avalia.
A Reed Exhibitions realizará, entre 07 e 11 de novembro, no São Paulo Expo, a 23ª edição da Fenatran, a maior feira do setor de transporte rodoviário de cargas e logística na América Latina. De acordo com a empresa, 500 marcas já confirmaram presença, participação 20% superior à da última edição da feira, em 2019.
Por ora, será o mais próximo que os visitantes chegarão do que um dia foi o Salão do Automóvel.