François Dossa nasceu em 1963, na França, e se formou em economia pela Ecole des Hautes Etudes Commerciales, em Paris, em 1984. Sua carreira no Brasil começou em 2001, como CEO do banco Société Générale. Entre maio de 2012 e abril de 2017, foi presidente da Nissan do Brasil. Na sequência, tornou–se vice-presidente da Aliança Renault-Mitsubishi-Nissan e vice-presidente sênior do Renault Group para projetos de inovação.
Foi nomeado diretor-executivo de Estratégia e Sustentabilidade da Jaguar Land Rover em junho de 2021. Também é um dos co-patrocinadores do conselho de Conselho de Diversidade e Inclusão da empresa inglesa. “O tema da diversidade e inclusão vai muito além da orientação sexual. Acho que ser mulher é mais difícil, ser negro é mais difícil, ser gay é mais difícil e ser jovem é mais difícil. Sou ativista de todas as causas de diversidade e inclusão, porque todas são causas justas”, reflete.
Primeiro executivo gay assumido do setor automotivo, Dossa, hoje com 60 anos, conversou com a Forbes sobre a relação entre sua carreira e a homossexualidade.
Forbes – Quando você assumiu sua homossexualidade?
François Dossa – Eu tinha 16 anos. Foi um processo relativamente tranquilo para mim, porque estava tudo muito claro na minha cabeça.
É mais fácil para um adolescente francês se assumir do que para um adolescente brasileiro?
Há mais de 40 anos não era nada fácil. Eu tenho amigos da minha idade que, quando falaram para a família, foram expulsos de casa. Reconheço que eu tive muita sorte, porque minha família foi acolhedora. Mas acho que é um processo que evoluiu, sim, porque, quando eu era jovem, não tinha gays nos filmes ou na TV. Você nunca via um gay.
Acredito que a coisa mudou hoje, mas nem tanto. A gente vê, infelizmente, em alguns países, um retrocesso na questão da aceitação da homossexualidade. A homofobia está sempre latente por aí. A gente viu no Brasil, mas a gente vê na Europa e nos Estados Unidos também. Então, temos que tomar muito cuidado com isso e nunca achar que agora está tudo bem, porque não está. E quando tem um avanço, como o casamento, por exemplo, fazer o possível e o impossível para ninguém voltar atrás.
Como você lidou com a questão no mundo corporativo?
Comecei a trabalhar com 20 anos, mas nunca falei nada. Às vezes, até inventava namorada, porque realmente não me sentia confortável para falar, sentia que as pessoas não iam aceitar. No início da minha carreira, tinha muita piada homofóbica, era um ambiente hostil. Só contei [sobre a homossexualidade] com 38, ao chegar à presidência de uma empresa no Brasil. Pensei que, se quisesse alguma mudança, teria que me assumir e encarar as pessoas.
Lembro que entrei numa reunião de diretoria e disparei: “Tem uma fofoca circulando dizendo que sou homossexual. Então, deixa eu esclarecer para vocês: é verdade. E, a partir de agora, se eu ouvir qualquer fofoca nesse sentido nos corredores, é rua na hora, porque não dá pra aceitar uma situação dessa”. Daí, todo mundo abaixou a cabeça, sem coragem de olhar para mim.
Desde então, acho que meu papel é falar, educar e mostrar que somos iguais a todos. Até porque vejo que, para as novas gerações, ainda não é fácil assumir. Quero ajudar os que não têm a coragem ainda de falar, que se sentem numa posição desprivilegiada, e ser modelo: “Olha, tem um cara lá em cima que é gay e está tudo bem”.
O segmento automotivo já amadureceu em relação a esse tema, ou ainda é um reduto machista?
É um mundo dominado pelo homem heterossexual, que ainda não está aberto à diversidade. Em todas as empresas em que trabalhei, a mulher, o preto e o gay nunca estão prontos para uma promoção. E os homens sempre estão. Na Jaguar Land Rover, temos planos de sucessão e às vezes nos apresentam processos apenas com homens brancos. “Podem parar! Voltem daqui a uma semana com candidatos mais diversos”, digo enquanto presidente do comitê.
Sou a favor de cota para pretos, mulheres e gays. Porque sem a cota a maioria sempre vai contratar alguém como eles. Quem é maioria não se dá conta de que existe uma minoria.
Como os outros CEOs e presidentes do segmento automotivo reagem quando descobrem que você é gay?
É sempre uma reação correta, pois estamos num mundo supostamente educado. Mas leio outra coisa nos olhos deles quando falo do meu marido. Vejo um espanto: “Como assim, marido?”. Adoro quando isso acontece, inclusive (risos). Sou muito bem casado com um homem extraordinário, advogado, brasileiro. Por que eu não vou mostrar isso? Tem gente que aceita numa boa, mas é a minoria ainda. Na realidade, as pessoas continuam sendo homofóbicas.
Conforme o nível hierárquico escala, fica mais difícil assumir publicamente e ser homossexual?
Acho o contrário. Me assumi quando cheguei na posição de presidente, então, o que eles podiam fazer? Não iam me mandar embora, porque eu era o presidente da empresa. Para mim, então foi mais fácil quando assumi uma posição de chefia. Mas é a minha experiência. Cada experiência é uma experiência.
Ter se assumido pode estimular outros executivos do setor automotivo a externarem sua homossexualidade?
Espero que sim, porque, a partir do momento que você mostra uma naturalidade, isso pode inspirar outras pessoas. Precisa de muita coragem, realmente. Mas, posso te garantir: existe o François antes de ter assumido publicamente e depois. O François de depois é muito melhor, muito mais feliz, muito mais realizado. Não acho justo ter que me justificar, ter que me explicar. Um hétero não tem que fazer nada disso. Ninguém vai te perguntar: “Quando você descobriu que era heterossexual?”.
Há outros executivos no setor automotivo que são gays?
Acho que mais ou menos 10% da população mundial é gay. Em todas as indústrias, todas as empresas, todos os setores. Então, na minha indústria, também. Só ainda não se assumiram.
Quão longe estamos de ter um presidente de montadora?
Acho que a gente não está longe, não. Eu te diria que provavelmente a gente já tenha.