Desde 1º de janeiro, um dia após deixar a posição de CEO da BRF (a gigante brasileira resultante da fusão da Sadia com a Perdigão), a agenda de Cláudio Eugênio Stiller Galeazzi, 74 anos, está tomada de brancos, como conta o próprio ao receber FORBES Brasil para uma conversa na sede da Galeazzi & Associados, seu escritório, conhecido por promover profundas reestruturações em empresas, o que rendeu ao fundador a alcunha de “Mãos de Tesoura”, um epíteto que ele considera injusto. Formado em contabilidade em Massachusetts (Estados Unidos), Galeazzi define-se como “um chato por natureza”, por conta da autodisciplina e do olhar implacável sobre os números. Seu currículo inclui experiências como vice-presidente da British Petroleum no Brasil, CEO da Artex, da Mococa, da Vila Romana, Cecrisa, Lojas Americanas e Pão de Açúcar — foi neste último que assumiu o comando da varejista de 2008 a 2010, período em que ficou conhecido como braço direito do empresário Abilio Diniz.
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Longe do dia a dia da Galeazzi, hoje ele vive um período de paz, que só é quebrado quando chamado para participar como membro do conselho de administração do Banco BTG Pactual, do qual faz parte desde 2010. No restante do tempo, está aproveitando a vida. “Voltei a fazer minha ginástica seis vezes por semana na academia, com um personal trainer. Não tenho horário. Estou me dando um luxo, ao qual um executivo não tem direito.”
Mas e se Abilio Diniz, agora acionista do Carrefour Brasil, convidá-lo para assumir o papel de CEO de reestruturação da empresa no país? “Não veio proposta nenhuma.” Mas tem chance de vir? “Pode ser.” Iria? “Não tenho a mínima ideia.
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Não veio a proposta, não estou ambicionando. E se vier tem que ver o que significa ir para lá”, responde Galeazzi. Veja na galeria de fotos as principais opiniões e também as lições do executivo para chairmen e CEOs:
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Reestruturação
Sempre atuei por um período curto, de dois anos, nas empresas. Eu sempre digo que o executivo de turnaround, o reestruturador, não deve permanecer muito tempo ou se perpetuar na empresa. Não deve porque este não é o perfil dele. Agora, um alerta: se em um período de seis meses a oito meses o reestruturador não conseguir reverter a situação, ele não conseguirá mais.
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Conselho a outros CEOs
Fiquei 20 meses na BRF, até 31 de dezembro, e desde então nunca mais apareci lá. Acho que quando um executivo sai de uma empresa, ele tem que sair de vez. Ele não pode virar um fantasma na empresa. Quer queira, quer não, ele foi um general. Se você começa a aparecer, vira um chato.
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Empresa familiar
Diante da necessidade de deixar de ser dono para pensar em ser acionista, a absoluta maioria dos donos que me procuraram queriam grandes mudanças em suas empresas, desde que uma condição fosse mantida: não mudar nada. Todos eles queriam se manter no comando. Eu nunca iria — e nunca fui — para uma empresa que eu não sentisse a possibilidade de implementar mudanças. O problema é que, muitas vezes, o fundador construiu laços tão profundos com amigos, familiares e a comunidade que fica muito difícil tomar medidas duras. Para implementar grandes mudanças não pode ser paternalista.
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Alerta com o otimismo
O que eu percebi durante todos esses anos é que quando a economia vai razoavelmente bem, tem crédito fácil e disponibilidade de recursos no mercado, os gestores se empolgam e começam a dar passos maiores ou numa velocidade maior do que deveria ser. No momento bom, não adianta só seguir o rio. Tem que olhar para dentro, o que normalmente as empresas deixam de fazer. É o ímpeto de crescer no momento razoável da economia, de visar só o crescimento. E, claro, crescer chama a atenção do conselho, dos acionistas, dos concorrentes e do mercado. Mas é uma visão de curto prazo do CEO. Não investir é muito ruim para as empresas, mas investir desordenadamente é muito pior. Dependendo da ocasião, isso pode ser perigoso. Olhe o nível de endividamento, os vencimentos. O segredo, sempre que possível, é gerar caixa. Eu particularmente tenho imposto uma política conservadora nos bons momentos. No Pão de Açúcar foi assim. No início de 2008, fizemos uma redução significativa de investimentos e priorizamos a geração de caixa. Quando veio a crise, a empresa estava em uma situação financeira excepcional, com disponibilidade, e partiu para o mercado para fazer investimentos no momento em que tudo estava tudo mais barato.
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Como se aproveitar da crise
O momento de crise pode ser bom para quem se preparou. Foi assim no Pão de Açúcar e também na BRF, onde houve grande redução dos investimentos em 2014, acompanhada de um grande controle de custos e renovação do perfil de endividamento. Na BRF, o crescimento das vendas não era o objetivo do momento, mas a geração de caixa e a rentabilidade. Agora, com essa crise, muitos estão com caixa e em uma situação privilegiada, em um momento em que os investimentos estão mais baratos. É o momento para uma empresa como a BRF aproveitar esse momento ímpar, ou como digo, sair dando porrada no mercado. Sua situação é espetacular: tem caixa, mercado e marcas. Hoje em dia, tudo é negociável. O fornecedor precisa vender para manter pelo menos um equilíbrio e aí você que tem o poder financeiro de compra impõe uma negociação mais dura. A crise não é ruim para todo mundo. Não estou dizendo que ela seja boa para alguns, mas é bem melhor para alguns que para a maioria.
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BRF
Quando chegamos à BRF — a gestora de investimentos Tarpon, Abilio e eu —, vimos que tínhamos que mudar o perfil da companhia, então com foco industrial. Ela não produzia aquilo que o mercado queria, mas aquilo que a área industrial achava que deveria produzir. Mudamos isso. Saímos de uma empresa industrial para uma empresa prioritariamente comercial. Abilio pediu uma pesquisa para saber como estávamos diante dos nossos clientes e consumidores e o resultado foi um horror, péssimo, muita reclamação. A empresa era vista como arrogante, já que dominava o mercado com 60% de participação ou até mais dependendo da categoria de produtos. Era uma postura arrogante que, para piorar, não servia o supermercadista com o que ele queria, mas com o que tinha. Uma das piores ilusões é quando a empresa aparentemente vai bem.
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CNPJ no divã
Eu digo que toda empresa, independentemente de como ela está pensando, tem que repensar, principalmente quando vai bem. Quando vai mal, então, nem se fala. É preciso repensar o time também. No caso da BRF, por exemplo, nós tínhamos nove vice-presidentes. Hoje são dois. A companhia passou por uma grande mudança de perfil. Precisamos olhar uma empresa por ciclos. O time da BRF foi perfeito para um ciclo da companhia e não para outro. É que nem carro de corrida, que você troca os pneus conforme o clima. O CEO tem que tomar esse tipo de decisão. Já o chairman tem a responsabilidade de manter a empresa nos trilhos. O pior cenário para uma companhia é ter um chairman CEO. É como existir um conselho executivo e uma diretoria conselheira. É necessário repensar, readequar-se a novos ciclos.
A pior coisa que pode existir é uma diretoria acomodada, com executivos acomodados que tomam sol diante de aparentes bons resultados. E o CEO que se acomoda nos resultados bons está levando a empresa a ter dificuldades no futuro.
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Complexo de Branca de Neve
Eu sou a favor de delegar tarefas, mas sempre dou o conhecimento do que espero e sou um cobrador muito rígido dos resultados. É meu estilo, embora certos CEOs gostem de concentrar todas as decisões. Eu gosto muito do que o Julio Ribeiro, que era da Talent, disse uma vez sobre o complexo de Branca de Neve. Se você trata seus executivos como anões, você cria um corpo de anões que jamais irá crescer. Para delegar, você tem que confiar em você mesmo e ter coragem, pois você está transferindo para outra pessoa a necessidade de fazer acontecer.
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Contabilista
Diferentemente de outros CEOs que vão para as lojas ou para o SAC, eu gosto de números, que refletem muito do que ocorre na empresa e são os grandes indicadores da situação. Eu já me surpreendi muito com a falta de números dos executivos, que conhecem profundamente suas áreas, mas desconhecem a companhia. É preciso ter uma visão holística do negócio. Quando atuei nas Lojas Americanas, eu fazia com que o diretor comercial falasse com o financeiro e vice-versa, levando todos a desenvolverem conhecimento sobre a empresa. Na BRF também me deparei com profissionais com profundo conhecimento de suas áreas, mas não da empresa toda.
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Contra trogloditas
Você pode ser brilhante e ter conteúdo, mas perde se for um cavalo no trato, um troglodita, um malcriado. Tem executivo que sai dando coice para todos os lados. No fundo, você pode até implementar, mas perderá muito pela forma como faz. Já vi muitos executivos que agem assim e isso é reflexo da falta de confiança neles próprios, embora sejam grandes profissionais. Eu nunca, jamais, chamo a atenção da pessoa em público. Pode perguntar para quem já trabalhou comigo.
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Mãos de tesoura
O erro não é de quem faz os cortes, mas de quem contratou. Isso ocorre porque no momento bom, o gestor sai empregando sem perceber a consequência que se pode ter lá na frente. Eu uso muito o exemplo dos aliados na invasão da Normandia, que jogaram 10.000 paraquedistas atrás da linha dos alemães, sabendo que haveria uma baixa de pelo menos 80%. Em nome da salvação de 150.000, 200.000. O que você faria? Deixaria morrer os 150 mil para não sacrificar os 10.000? São decisões duríssimas. Eu mandaria os 10.000. Ou seja, é muito difícil ser um CEO de reestruturação, é preciso tomar decisões de demissão, fechamento de um negócio. Mas vou te dizer uma coisa: normalmente não sou eu quem toma a decisão, mas a equipe que forma a guarda dos pretorianos e decide como melhorar a empresa e fazê-la crescer. Sou contra qualquer corte linear que é burro. Você corta na medida do necessário. Mandar embora não é fácil. Eu passo mal toda vez que preciso fazer uma coisa dessas e quem trabalha comigo sabe disso.
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CEO no espelho
O CEO tem, antes de repensar a empresa, repensar a si mesmo e ver que papel está desempenhando dentro da empresa e da comunidade. É uma tarefa obrigatória e contínua. Ele tem que repensar, inclusive, seus pensamentos.
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Brasil
Na minha opinião, a situação está muito crítica. Veja todas as crises que estouraram em meses de governo. O que será em quatro anos?
Reestruturação
Sempre atuei por um período curto, de dois anos, nas empresas. Eu sempre digo que o executivo de turnaround, o reestruturador, não deve permanecer muito tempo ou se perpetuar na empresa. Não deve porque este não é o perfil dele. Agora, um alerta: se em um período de seis meses a oito meses o reestruturador não conseguir reverter a situação, ele não conseguirá mais.