Os bancos brasileiros estão fazendo testes para operar transferências bancárias como DOC e TED sem restrições de dias ou horários, no que pode ser a primeira aplicação em larga escala da tecnologia blockchain no setor financeiro do país.
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O Banco Central do Brasil pretende definir ainda neste ano um escopo para implementação sistêmica do serviço, o que depende dos bancos concordarem em escolher uma linguagem tecnológica, o que o regulador espera que possa acontecer nos próximos meses.
“O BC vai chegar a um denominador comum com a indústria financeira”, afirmou à Reuters o diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, para quem não há preferência do regulador por uma ou outra plataforma. “A expectativa é de implementação no sistema ocorra em 2019 ou em 2020”.
Porém, os bancos estão com menos pressa. Conforme publicou a Reuters em abril, uma queda de braço no setor está adiando a implementação mais ampla no Brasil do blockchain, uma das bases de moedas digitais como o bitcoin.
Diferentes linguagens tecnológicas estão sendo testadas simultaneamente, sob coordenação de um grupo de trabalho da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A escolha de uma plataforma padrão, um dos motivos da queda de braço dos bancos, é necessária porque pelo menos por enquanto não há interoperabilidade entre elas.
Uma delas, o Corda, é testada por Itaú Unibanco e Bradesco, ambos sócios do consórcio global de bancos R3. Outro projeto usando o Hyperledger, apoiado pela IBM, está sendo conduzido por Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Santander Brasil, Banrisul e o sistema de cooperativas Sicoob.
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Se o projeto for levado adiante dentro dos prazos estimados pela autoridade monetária, o Brasil pode ser um dos primeiros países do mundo a operar as transferências bancárias instantâneas sem limites de horários e dias úteis. O chamado “fast payment” funciona na Suécia, por meio de uma associação de bancos, e na China, onde o a implementação do serviço foi facilitada pela ausência de um arcabouço nos moldes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
REDUÇÃO DE CUSTOS
Para executivos dos bancos, o uso do blockchain, inovação em tecnologia da informação que permite criar registros encadeados sem controle centralizado, deve reduzir fortemente os custos das transações, o que deve ser repassado aos clientes.
Fora das cestas de serviços oferecidas pelos bancos aos clientes, um DOC ou TED custa em média 20,67 reais, segundo dados mais recentes do BC, mas pode chegar a 143,25 reais, o teto.
Segundo o vice-presidente de tecnologia do Bradesco, Maurício Minas, apesar das expectativas animadoras do sistema com os possíveis ganhos de produtividade e redução de custos, ainda há pontos importantes a serem definidos antes do “fast payment” entrar em vigor.
Uma delas, diz Minas, é justamente o SPB, que precisaria passar por um completo redesenho, já que sua estrutura atual não comporta o funcionamento de serviços como um sistema ininterrupto de transferências bancárias e outras funções.
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“Uma alternativa seria começar um novo SPB, mas não é um caminho sobre o qual haja unanimidade”, disse ele.
Adicionalmente, o sistema financeiro também vê limitações operacionais no uso do blockchain, incluindo a baixa velocidade de transporte de altos volumes de dados, em relação ao que funciona hoje. Foi isso que levou a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), câmara de compensação dos bancos, a desistir neste ano do uso da tecnologia em um projeto de centralização de boletos em plataforma única, segundo a Febraban.
Em nota, a CIP negou ter desistido do projeto, alegando que a tecnologia não estava contemplada no desenvolvimento do projeto de centralização de boletos em plataforma única.
Além disso, mesmo que o sistema convirja para uma linguagem padrão, os bancos ainda terão que decidir como proceder em operações internacionais, especialmente se tiverem que operar com plataformas diferentes. Um sistema internacionalmente forte no setor é a Ethereum, apoiado pela Microsoft.
Não bastassem questões regulatórias e os interesses de instituições financeiras e de uma cadeia bilionária de fornecedores de tecnologia, há ainda dúvidas sobre o potencial impacto da implementação de um sistema ininterrupto de transferências bancárias.
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Alguns especialistas alertam que um sistema como esse pode ter desdobramentos sobre o mercado de cartões, com parte dos pagamentos hoje feitos com cartões de débito e de crédito podendo passar a serem feitos via TED ou DOC.
Segundo o presidente da Mastercard para Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro Neto, dada a efervescência do mercado de meios de pagamentos, é possível que inovações criem concorrentes não previstos no setor, mas as grandes empresas do segmento estão prontas para reagir a mudanças.
“A dinâmica do mercado de pagamentos está mudando muito rápido, mas pessoalmente não estou preocupado”, disse Paro Neto à Reuters. “O mercado ainda tem muito para crescer no Brasil e vai ter espaço para todo mundo que for bom em suas especialidades”.