A Vale, maior produtora global de minério de ferro, estava ciente no ano passado de que a barragem de rejeitos que entrou em colapso no mês passado, matando pelo menos 165 pessoas, tinha um risco elevado de ruptura, segundo um documento interno visto pela Reuters. O relatório, datado de 3 de outubro de 2018, mostra que, segundo a própria Vale, a barragem da mina de minério de ferro Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), tinha duas vezes mais chance de se romper do que o nível máximo tolerado pela política de segurança da empresa. O documento é a primeira evidência de que a própria Vale estava preocupada com a segurança da barragem.
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Isso levanta a questão de por que uma auditoria, realizada na mesma época, garantiu a estabilidade da barragem e por que a mineradora não tomou precauções, como mover um refeitório localizado logo abaixo da estrutura que se rompeu.
A Vale disse que o relatório, chamado de “Geotechnical Risk Management Results”, compreendia as opiniões de engenheiros especialistas, que são obrigados a trabalhar dentro de procedimentos rigorosos quando identificam quaisquer riscos. “Não existe em nenhum relatório, laudo ou estudo conhecido qualquer menção a risco de colapso iminente da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho”, disse a Vale em uma nota por e-mail. “Pelo contrário, a barragem possuía todos os certificados de estabilidade e segurança, atestados por especialistas nacionais e internacionais.”
A Vale perdeu cerca de um quarto de seu valor de mercado, ou quase US$ 19 bilhões, desde a tragédia. O colapso da barragem ocorreu em 25 de janeiro e foi a mais mortal tragédia de mineração do Brasil e o segundo desastre envolvendo uma barragem de rejeitos de minério de ferro em pouco mais de três anos no país.
“Zona de atenção”
O relatório interno da companhia de outubro de 2018 colocou a barragem da mina Córrego do Feijão dentro de uma “zona de atenção”, dizendo que “deve ser assegurado que todos os controles de prevenção e mitigação estejam sendo aplicados”.
A barragem foi marcada para descomissionamento. Um fracasso poderia custar à empresa US$ 1,5 bilhão e teria o potencial de matar mais de cem pessoas, segundo o relatório. Outras nove barragens, das 57 que foram estudadas, foram colocadas na zona de atenção, de acordo com o relatório. Um outro relatório da Vale datado de 15 de novembro de 2017, também visto pela Reuters, afirma que qualquer estrutura com uma chance de falha acima de 1 em 10.000/ano deve ser levada à atenção do presidente-executivo e do Conselho de Administração. A barragem de Córrego de Feijão tinha uma chance de colapso duas vezes maior que o “nível máximo de risco individual” tolerável, ou 1 em 5.000/ano, segundo o relatório.
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“Isso não é bom na minha opinião, especialmente se você considerar que essas estruturas são de longo prazo”, disse David Chambers, geofísico do Centro de Ciência em Participação Pública, em Montana, e especialista em barragens de rejeitos.
A mineradora disse em seu comunicado por e-mail que “a criação de um alerta para a alta gestão, sugerida em novembro de 2017, passou a ser estudada dentro do contexto da integração do risco geotécnico ao risco dos negócios da Vale”.
Perguntada sobre o que veio dessa discussão, a Vale disse que tal alerta não havia sido implementado.
Sob investigação
A Vale disse que as causas da ruptura ainda estão sendo investigadas. A empresa afirmou repetidamente que a barragem foi declarada como sólida por um auditor independente em setembro. A auditoria da alemã TÜV SÜD, que foi vista pela Reuters, disse que a represa atendeu as exigências legais mínimas de estabilidade, mas levantou uma série de preocupações, particularmente sobre os sistemas de drenagem e monitoramento da represa. O auditor fez 17 recomendações para melhorar a segurança da barragem. A Vale disse que as recomendações eram rotineiras e que a empresa atendia a todas elas.
O relatório interno de outubro identifica a liquefação estática e a erosão interna como as causas mais prováveis de uma falha potencial. Ainda não se sabe a causa do colapso da barragem em Brumadinho, mas uma autoridade ambiental do Estado disse à Reuters neste mês que todas as evidências apontavam para a liquefação.
A liquefação é um processo pelo qual um material sólido como areia perde força e rigidez e se comporta mais como um líquido. Foi a causa de outro colapso mortal em 2015, que resultou no pior desastre ambiental do Brasil.
“Nós costumávamos dizer que esses tipos de incidentes de mineração eram atos de Deus, mas agora… nós os consideramos fracassos na engenharia”, disse Dermot Ross-Brown, engenheiro da indústria de mineração que leciona em instituição no Colorado.
A Vale disse que vai investir cerca de US$ 400 milhões a partir de 2020 para reduzir sua dependência de barragens de rejeitos, que armazenam detritos da mineração.