Cinco anos após procuradores brasileiros terem exposto um gigantesco esquema de propinas por contratos na Petrobras, a empresa está dizendo aos quatro ventos que está livre da corrupção. A companhia veiculou anúncios na TV divulgando sua linha direta de denúncias, bem como o seu departamento de transparência e conformidade criado após o escândalo de corrupção, que danificou a gigante do petróleo, levou a economia brasileira à recessão e colocou um ex-presidente na prisão. No final de novembro, citando progresso em exterminar a corrupção revelada pela operação Lava Jato e acordos com autoridades, a Petrobras encerrou os trabalhos de uma comissão de investigação constituída em 2014.
Mas entrevistas com seis pessoas com conhecimento direto dos esforços da empresa para conter a corrupção, incluindo o ex-diretor de Governança e Conformidade, João Elek Jr., montaram um panorama de uma organização que continua lutando para erradicar más práticas na empresa. Todos eles disseram que a Petrobras fortaleceu significativamente seus processos de vigilância interna. Uma série de reformulações organizacionais, segundo eles, significa que os assustadores níveis de corrupção de uma década atrás provavelmente foram deixados pelo caminho e podem ser vistos pelo retrovisor. Porém, as duradouras vulnerabilidades da empresa, afirmaram, foram trazidas à mostra em dezembro, com as acusações contra seis antigos funcionários, denunciados por recebimento de propinas na recente fase da operação Lava Jato, focada em irregularidades na divisão de trading.
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Sinais de problemas nessa unidade surgiram anos atrás, mas a Petrobras não agiu rapidamente para desvendar as atividades suspeitas, identificando potenciais suspeitos e colocando-os de lado, disseram as fontes. Cinco dos funcionários indiciados em dezembro já haviam deixado a empresa no momento em que as autoridades os denunciaram.
O sexto, um operador de petróleo baseado em Houston, Rodrigo Berkowitz, continuava na folha de pagamento quando procuradores emitiram um mandado para sua prisão em 5 de dezembro. A Petrobras o demitiu no mesmo dia. O suposto esquema pode ter continuado até o momento de seu desligamento, declarou à época o delegado Felipe Pace, da Polícia Federal.
Berkowitz não respondeu a diversos pedidos por comentários. Ele continua nos Estados Unidos, onde está cooperando com autoridades norte-americanas em suas investigações sobre o suposto esquema no comércio de petróleo, afirmaram à Reuters pessoas com conhecimento do assunto.
A Petrobras foi alertada para potenciais problemas em suas operações comerciais ao menos desde 2014, quando um delator veio a público com alegações de que a gigante da energia estava pagando demais por algumas de suas aquisições de petróleo. O suposto esquema também foi citado por dois ex-executivos da empresa e por um ex-senador que foram presos e fecharam acordos de delação subsequentes com procuradores.
Elek e outros disseram que a pequena unidade de investigações internas, que faz parte do departamento de conformidade (também conhecido como departamento de compliance), enfrentou uma enorme carga de trabalho para ajudar as autoridades a perseguirem alvos conhecidos e de alto perfil em outras área da empresa.
Com isso, não havia equipe suficiente para que fossem mais a fundo em determinadas áreas da divisão comercial, apesar dos sinais de que algo estava errado.
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Além disso, segundo eles, obstáculos burocráticos para a demissão de qualquer funcionário da estatal eram tão grandes que a equipe de conformidade, em alguns casos, deixou para que as autoridades reunissem provas necessárias de irregularidades.
De forma mais geral, a difundida indiferença –e por vezes a hostilidade total– demonstrada pelos funcionários da Petrobras aos pedidos da equipe de conformidade por documentos e outras informações prejudicou seus esforços, afirmaram as fontes. Todos os seis ouvidos pela Reuters estiveram diretamente envolvidos com formulação ou implementação dos programas de conformidade da Petrobras nos últimos anos.
“Houve uma grande resistência cultural” aos inquéritos de corrupção, disse Elek, que comandou o departamento de Governança e Conformidade da Petrobras de janeiro de 2015 a maio de 2018.
Ex-executivo da AT&T, Elek descreveu sua saída da petroleira como amigável e declarou que nunca esperou ficar no posto por um prazo muito longo.
Em um comunicado detalhado, a Petrobras negou vigorosamente que investigadores de conformidade tenham enfrentado obstáculos internos significativos.
“É errado dizer que, desde o começo, o diretor de Governança e Conformidade tenha encontrado resistência”, disse a empresa.
“Não há absolutamente nenhuma resistência interna a respeito da obtenção de documentos, de quaisquer tipos, necessários para investigações internas.”
A empresa afirmou que a razão para não ter derrubado o esquema de propinas na área de trading de petróleo e derivados antes foi a falta de acesso a muitos recursos reservados às autoridades, como escutas telefônicas e acesso a contas bancárias para seguir o caminho do dinheiro das propinas.
Procuradores disseram que, ao menos entre 2011 e 2014, Berkowitz e outros aceitaram 31 milhões de dólares em propinas de intermediários ligados a algumas das maiores empresas de negociação de commodities do mundo, incluindo as europeias Vitol, Glencore e Trafigura.
Em troca das propinas, as empresas de comércio receberam contratos de petróleo a preços vantajosos, defraudando a Petrobras no processo, de acordo com as autoridades.
A Petrobras tem se colocado firmemente como uma vítima de esquemas ilegais perpetrados por alguns poucos informantes desonestos em conluio com contratantes inescrupulosos e políticos gananciosos. Ela minimizou o significado das acusações de dezembro, dizendo que são relacionadas a supostas propinas pagas anos atrás.
“A última fase não envolveu executivos de alto escalão, políticos ou grandes empreiteiras”, declarou a Petrobras em comunicado.
Os procuradores não compartilham dessa opinião.
Eles dizem que estão apenas começando a revelar o que alegam ser uma complexa rede de pagamentos e participantes. O que sabem no momento é apenas a “ponta do iceberg”, disse publicamente o procurador Athayde Ribeiro da Costa.
Assuntos internos
O escândalo revelado pela Lava Jato é um esquema de propinas anabolizado. Fornecedores formavam um cartel para dividir os serviços oferecidos à gigante estatal, inflacionando preços de contratos para esconder seus pagamentos para colaboradores da Petrobras e políticos. A operação ilícita ocorreu por pelo menos uma década antes de ser desmascarada pelos procuradores brasileiros.
Suas investigações ajudaram a aumentar o apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 e levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão no ano passado, por acusações de corrupção. Alguns importantes empresários também foram para a cadeia, entre eles Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht, maior empreiteira da América Latina.
Enquanto isso, a investigação em andamento, agora em sua 60ª fase, espalhou-se para quase todos os cantos das operações massivas da Petrobras.
Elek, uma figura estudiosa, de óculos, que já trabalhou em diversas indústrias, de madeira a telecomunicações, disse que a Petrobras deu passos significativos para prevenir uma repetição.
Ele afirmou que a verificação de fornecedores se tornou muito mais severa, e que agora há melhor acompanhamento dos orçamentos e gastos dos projetos. Elek se diz orgulhoso das conquistas de sua equipe, bem como outros familiarizados aos esforços.
Mas transformar a cultura da Petrobras em uma que defenda a transparência será tarefa de longo prazo, de acordo com Elek e cinco outras fontes com conhecimento da situação, que pediram para não ser identificadas para que pudessem falar francamente.
Cinco das fontes afirmaram que as investigações do time de conformidades são frequentemente atrasadas pela administração, bem como por funcionários comuns. Por exemplo, pedidos de arquivos que poderiam ser facilmente entregues em dias muitas vezes demoram semanas ou meses, disseram.
Alguns chefes, informados da suspeita de irregularidades por parte de subordinados, se mostravam mais interessados em protegê-los do que em descobrir a verdade, completaram as pessoas.
Em um exemplo, advogados externos, contratados pela Petrobras para supervisionarem os esforços de conformidade, entraram em contato com Elek, segundo uma pessoa com conhecimento direto dessa interação, reclamando que um funcionário que acreditava-se amplamente estar envolvido com esquemas de propinas na unidade de distribuição da Petrobras, a BR, não havia sido demitido. Elek disse aos advogados que estava tentando, mas que suas mãos estavam amarradas por burocracias, de acordo com a fonte. Elek não confirmou nem negou o incidente, mas declarou que a situação descrita é consistente com os obstáculos que enfrentou, incluindo leis trabalhistas que à época dificultavam a demissão de funcionários de empresas estatais. A Petrobras afirmou em comunicado que tem “tolerância zero” com corrupção e que está comprometida com a “interrupção imediata” de más condutas. Elek disse que o tamanho modesto de sua equipe de investigações internas também dificultou o trabalho de conformidade. Ele declarou que começou com apenas dois subordinados na unidade de investigações em 2015, levando o departamento a cerca de 40 funcionários, todos de dentro da Petrobras, no momento de sua saída, em 2018. Ele afirmou que tinha a expectativa de recrutar até 100 pessoas para ajudarem a lidar com a carga de trabalho, em uma empresa com mais de 60 mil empregados. Elek, porém, disse que trabalhadores qualificados eram constantemente barrados de seu time pelos administradores. Em um momento de 2017, ele estima, seu departamento tinha mais de 2 mil denuncias para apuração.
“É possível que o nome Berkowitz estivesse lá, em algum lugar”, ele disse, referindo-se ao operador de petróleo preso recentemente.
A Petrobras apontou números muito maiores para o tamanho da unidade de investigações internas. A empresa afirmou que havia contratado 78 pessoas até 2017, número que avançou para 164 empregados, assistidos por mais de 180 conselheiros externos.
Descartando as maçãs podres
Em respostas escritas às questões da Reuters, a Petrobras enfatizou que vem melhorando e aprimorando continuamente seu programa de conformidade desde o início da Lava Jato, em 2014. A empresa também disse que no final do ano passado deu passos para facilitar a punição a funcionários que tenham se envolvido em corrupção, fraude ou assédio.
Ela reformulou um órgão interno de supervisão, que costumava se reportar ao diretor executivo. Agora conhecido como “Comitê Disciplinar”, o grupo composto por três pessoas tem dois membros independentes, incluindo um ex-procurador federal, Marcelo Zenkner, e ações de punição são reportadas diretamente ao conselho de administração.
Adriana Dantas, advogada formada em Georgetown com experiência significativa em investigações corporativas, e José Afonso Stefanelli, coordenador da comissão de ética da Petrobras, também são membros do comitê, de acordo com a empresa.
Mas a Petrobras ainda não mudou a estrutura do departamento de conformidade, que ainda se reporta ao CEO.
Os riscos dessa estrutura foram ilustrados pelo primeiro chefe de Elek: Aldemir Bendine. O ex-presidente-executivo agora está cumprindo uma sentença de 11 anos de prisão, após ser condenado em 2018 por embolsar cerca de 1 milhão de dólares em propinas de uma empreiteira no escândalo da Lava Jato.
Bendine era amplamente conhecido por desdenhar do comitê de conformidade e nunca esteve presente a nenhuma de suas reuniões, afirmou uma pessoa com conhecimento direto da situação.
O advogado de Bendine, Alberto Toron, disse que o ex-executivo estava comprometido com a estrutura de compliance e não teve problemas em sua gestão na Petrobras, mas sim na época do Banco do Brasil. Entretanto, a sentença de condenação cita afirmações de procuradores de que ele teria recebido propinas durante o período em que liderava a Petrobras, apesar de as ter solicitado durante sua gestão no BB.
Elek disse que não tinha problemas pessoais com Bendine, mas que sua posição como diretor de conformidade criou uma tensão natural com o ex-CEO.
Em um comunicado, a Petrobras defendeu sua cadeia de comando, notando que o diretor de conformidade tem acesso ao conselho “sempre que necessário” e só pode ser demitido por votação unânime do colegiado.
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