O conselho de administração da AES Tietê rejeitou, de forma unânime, a proposta de combinação de negócios apresentada pela Eneva no início de março, conforme informou a companhia na noite de ontem (19). Segundo fato relevante divulgado pela empresa, em reunião realizada ontem, o conselho concluiu que a proposta, classificada pela geradora como hostil, “subavalia a companhia”, e possui termos e condições “inadequados ao melhor interesse da companhia e do conjunto de seus acionistas, tendo em vista, principalmente, a incompatibilidade existente entre os negócios e as estratégias da companhia e da Eneva.”
A decisão do conselho de administração da AES Tietê ocorre 50 dias após a apresentação da oferta pela Eneva e depois da rival elevar o tom da disputa nos bastidores das negociações, mudando sua postura de um negociador cordial para um potencial comprador irritado com a atitude protelatória por parte da administração.
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No fato relevante, a AES Tietê critica o modelo de negócios da Eneva, baseado em fontes fósseis como o gás natural e o carvão, e afirma que há uma série de incertezas e riscos relacionados às atividades da rival, por exemplo relacionados à atividade de exploração e produção (E&P) de hidrocarbonetos, que podem não gerar os resultados esperados e ainda impor restrições regulatórias, imposição de taxas, obrigação de compensação, etc. “Na visão do Conselho de Administração, a relação de troca proposta pela Eneva não compensa a assunção de tais riscos pelos acionistas da Companhia”, diz o texto.
Em primeiro de março, a Eneva apresentou uma proposta de combinação de negócios, que na prática significaria a incorporação da AES Tietê, com pagamento da aquisição com troca de ações e pagamento em dinheiro, na proporção de 60% e 40%, respectivamente. A transação compreenderia uma relação de troca de 0,0461 ações ordinárias de emissão da Eneva para cada 0,2305 por UNIT da AES Tietê, mais uma parcela em dinheiro equivalente a R$ 6,89 por UNIT, somando total de R$ 2.750.641.308,80.
Na ocasião, o valor ofertado significava um prêmio de 13,3% sobre o preço de fechamento das ações de emissão da AES Tietê no último pregão antes da oferta e superior à máxima histórica nas 52 semanas anteriores. Após o anúncio da oferta, os papéis da AES Tietê valorizaram-se, sinalizando que o mercado via sentido na operação. Entre os principais pontos positivos da operação, segundo especialistas, estaria a criação de uma geradora de energia de maior peso no mercado nacional, com um portfólio de ativos diversificado e complementar, que minimizaria riscos.
Mas o Conselho de Administração da AES Tietê considerou que a combinação não faria sentido estratégico para os acionistas da companhia. “Eneva e AES Tietê são empresas muito diferentes, e uma união de seus ativos pode ser falsamente defendida como complementar. Entretanto, essa suposta complementaridade só beneficiaria os acionistas da Eneva, diluindo o risco inerente a suas atividades, em detrimento dos acionistas da AES Tietê”, diz a companhia em comunicado à imprensa. No texto, a empresa também afirma que está mais bem posicionada para o futuro, enquanto sua concorrente “representa o passado da geração elétrica”.
O comunicado lembra que a AES Tietê, originalmente criada a partir da privatização de usinas hidrelétricas, diversificou sua atuação para outras fontes de energia renovável, como solar e eólica. “A companhia já está preparada para as profundas transformações que o setor elétrico está passando e foca na sustentabilidade de longo prazo”, reforça a empresa no fato relevante. “Na visão da administração, a implementação do plano estratégico da AES Tietê, de forma independente, tem potencial para gerar mais valor aos acionistas do que em uma estrutura combinada nos termos da Proposta Hostil”, acrescentou.
Alavancagem e sinergias
Ainda segundo a AES Tietê, a análise dos conselheiros e assessores contratados chegou à conclusão que a empresa resultante de uma combinação das duas empresas teria alavancagem “perigosamente elevada” e que as sinergias vislumbradas pela Eneva seriam “irreais”. A companhia contou com a assessoria dos bancos Bradesco BBI, BNP Paribas e Santander, das consultorias especializadas Thymos e Mercurio, e do escritório Cescon, Barrieu, Flesch e Barreto Advogados.
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Para concluir a aquisição da AES Tietê, a Eneva já anunciou que deverá realizar empréstimos bancários, no valor dos R$ 2,7 bilhões, montante que em um segundo momento seria refinanciado no mercado de capitais. Segundo o diretor financeiro da empresa, Marcelo Habibe, seria utilizado o espaço de alavancagem atualmente existente no balanço da AES Tietê e a companhia combinada atingiria um pico de cerca de 4 vezes dívida líquida/Ebitda no fim deste ano. Mas a AES Tietê afirma que, segundo os cálculos dos assessores financeiros contratados pelo conselho, a alavancagem chegaria a cinco vezes sua geração de caixa anual.
Para a administração da AES Tietê, a operação proposta poderia impactar significativamente a capacidade de remuneração dos acionistas, tendo em vista a prática de distribuição de 100% do lucro líquido ajustado. “Ademais, o alto endividamento decorrente de uma potencial implementação da transação constituiria um obstáculo ao crescimento da entidade combinada”, afirmou.
A AES Tietê contou que, em reuniões realizadas com a diretoria da AES Tietê e estudos disponibilizados, a Eneva superestimou as sinergias por conta da fusão das duas empresas, que somariam R$ 3,1 bilhões, mas assessores contratados pelo conselho teriam indicado um valor 50% menor. “Quase metade dessas supostas sinergias viria do aumento na alavancagem da AES Tietê – o que, na prática, não configura sinergia alguma, já que a companhia poderia obter esse suposto ganho sozinha”, diz. Segundo a geradora, as únicas sinergias de fato sob o controle de uma empresa combinada estariam concentradas no corte de custos administrativos a partir de demissões, num valor presente líquido total de R$ 210 milhões.
“No entender da administração, ingressar neste momento em uma operação complexa e altamente alavancada seria não só inconveniente e inoportuno, como elevaria significativamente os riscos para seus acionistas. O momento requer que a administração se empenhe em fazer com que o fluxo de caixa e as reservas da Companhia sofram o menor impacto possível, de modo a assegurar a implementação do plano de negócios aprovado”, afirmou.
Apesar da recusa da proposta, a AES Tietê afirmou a administração se colocou à disposição dos representantes da Eneva para “identificar a possibilidade de aprimoramento e adequação da estrutura da sua proposta de modo a atender os interesses do conjunto dos acionistas da AES Tietê” e salienta que uma eventual nova proposta deverá contemplar a possibilidade de liquidez integral para os acionistas que não desejem migrar para a Eneva, tendo em vista a incompatibilidade existente entre os negócios e as estratégias das duas empresas.
A AES Tietê informa que o conselho de administração convocará assembleia geral de acionistas para deliberar sobre a proposta “na sequência da fase de negociações junto à administração da Eneva”
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Vale salientar que mais da metade do conselho de administração da AES Tietê são nomes ligados à AES Corp., notadamente contrária à operação. Mas, embora a empresa norte-americana detenha o controle da companhia, com 62,61% das ações ordinárias, possui apenas 24% do capital total e a empresa. E tendo em vista que seu estatuto prevê que em casos de incorporação, os acionistas preferencialistas têm direito a voto, a operação poderia ser aprovada mesmo à revelia dos interesses do controlador.
A companhia também informa que realizará uma teleconferência extraordinária, nesta segunda-feira (20), às 11h00. (Com Agência Estado)
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