Recentemente, a Tether, empresa emissora da stablecoin USDT, um tipo de moeda digital, adquiriu cerca de 10% das ações da gigante agrícola argentina Adecoagro, empresa produtora de alimentos e energia renovável. A notícia chamou a atenção porque, geralmente, as empresas de criptomoeda não costumam fazer investimentos fora de seu modelo de negócio.
No entanto, esse não é o caso da Tether e seus diretores, que não só se tornaram multimilionários graças ao seu ativo digital, conhecido na Argentina como “cryptodólar”, mas também têm explorado novos setores de investimento para aplicar suas recentes fortunas.
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De acordo com os dados da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a Tether Investments Limited, uma subsidiária integral da Tether Holdings Limited, possui 10.048.249 ações ordinárias, com valor nominal de US$ 1,50 por ação (“Ações Ordinárias”) da Adecoagro SA. A compra representa mais de US$ 100 milhões (R$ 564 milhões) em investimento e, considerando a quantidade total de ações, significa que a Tether possui 9,8% delas.
Segundo a Forbes, isso torna a Tether um dos principais acionistas da Adecoagro, co-fundada por Mariano Bosch em 2002, empresa que começou com 70 mil hectares de produção agrícola, com produção de açúcar, etanol e grãos, mais pecuária Argentina, onde nasceu, além de Brasil e Uruguai. No entanto, isso não concede à Tether o direito de tomar decisões sobre o futuro da empresa ou ações similares. Até o momento, não houve contatos entre os diretores das duas empresas nem solicitações para participar de próximas reuniões.
O que essa compra demonstra é a intenção de diversificação dos fundadores da Tether, que recentemente se tornaram multimilionários. São eles, na lista de bilionários da Forbes, Paolo Ardoino, e Giancarlo Devasini, ambos italianos, e Ludovicus Jan Van der Velde, de origem holandesa.
Os bilionários, que residem nas Ilhas Virgens Britânicas, são reconhecidos na indústria cripto tanto pelo seu crescimento acelerado nos últimos anos quanto por sua trajetória obscura.
O Negócio Tether
A Tether é uma empresa de criptomoedas com um modelo de negócios simples. Por meio da emissão do USDT, uma stablecoin com paridade ao dólar americano (moeda FIAT), a empresa comercializa esses famosos “cryptodólares” a um dólar por unidade. O detentor de USDT não recebe nada em troca, embora possa converter seus USDT de volta para dólares FIAT quando desejar.
Enquanto isso, a Tether possui garantias principalmente na forma de letras do Tesouro, fundos do mercado monetário, bitcoins e empréstimos garantidos, o que lhe permite obter um retorno de mercado sobre essas “reservas”. É desse retorno que a empresa obtém seus lucros.
A questão crucial no momento é quantas reservas a Tether possui. Segundo o Coingecko, fonte de referência na indústria cripto, o USDT é a terceira criptomoeda com maior capitalização de mercado atualmente, totalizando mais de US$ 118 bilhões (R$ 665 bilhões). Esse é um valor interessante para obter rendimentos no mercado.
Quem está por trás da Tether
A Forbes Argentina investigou quem está por trás da Tether. Segundo estimativas desse meio, se as finanças da empresa forem realmente o que afirmam, ela poderia ser vendida por até US$ 9 bilhões (R$ 51 bilhões). Isso é suficiente para tornar seus quatro principais executivos em multimilionários.
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Segundo os cálculos da Forbes, o diretor financeiro, Giancarlo Devasini, possui mais de 40% da empresa, uma participação avaliada em US$ 4 bilhões. Ele é considerado o cérebro por trás da companhia e parece um cripto multimilionário improvável, segundo várias fontes.
Sua biografia oficial no site da Bitfinex (a exchange de criptomoedas irmã da Tether) pinta a imagem de um pioneiro bem-sucedido no mercado de semicondutores, cujo negócio atingiu 113 milhões de euros (R$ 705,9 milhões) em receita anual antes de vendê-lo às vésperas da crise financeira de 2008.
No entanto, uma investigação do Financial Times em julho de 2021 descobriu que, em 2007, o império empresarial de Devasini tinha apenas 12 milhões de euros (R$ 75 milhões) em vendas e entrou em liquidação no mês seguinte. Além disso, uma empresa de Devasini, chamada Acme, foi processada por violação de patente pela Toshiba sobre especificações do formato de DVD (a Tether afirma que a demanda não teve mérito e não resultou em um julgamento adverso).
Enquanto isso, o ex-CEO e atual diretor da Tether, Jan Ludovicus van der Velde, atua mais como uma figura decorativa, responsável por manter relações estratégicas de alto nível com bancos e reguladores. Tanto Devasini quanto Van der Velde preferem ficar em segundo plano e deixar que Paolo Ardoino, ex-diretor de tecnologia e atual CEO, seja a cara pública da empresa. Van der Velde e Ardoino possuem ações no valor de US$ 1,8 bilhão cada um (R$ 10 bilhões).
Os três mencionados aparecem na apresentação à SEC pela compra das ações da Adecoagro. Mas, segundo a investigação da Forbes, há um quarto multimilionário na Tether. Trata-se do assessor geral da empresa, Stuart Hoegner, que possui uma participação avaliada em US$ 1,2 bilhão (R$ 6,7 bilhões). A Tether não respondeu a um pedido de entrevista.
A diversificação da Tether
Graças às altas taxas de juros dos títulos do Tesouro dos EUA, que se mantiveram durante meses e constituem a maior parte das reservas que respaldam suas stablecoins digitais, a Tether está em uma posição invejável, pois sua fonte de capital é efetivamente gratuita.
Somente no primeiro trimestre de 2024, a Tether declarou “resultados financeiros” não auditados para toda a empresa de US$ 4,5 bilhões (R$ 25,4 bilhões) e um patrimônio líquido de US$ 11,4 bilhões (R$ 64,2 bilhões). Em 2023, declarou um lucro líquido de US$ 6,2 bilhões (R$ 34,9 bilhões), o que provavelmente a torna a empresa mais lucrativa no setor de criptoativos atualmente.
Para comparação, a Coinbase, a maior exchange de criptomoedas dos EUA, teve um lucro de US$ 95 milhões (R$ 535,3 milhões) com uma receita de US$ 3,1 bilhões (R$ 17,5 bilhões) em todo o ano de 2023. No primeiro trimestre de 2024, a receita líquida foi de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,8 bilhões), graças em grande parte ao aumento dos preços das criptomoedas. Em 2023, cerca de 20% dos lucros da Coinbase foram gerados pelos juros recebidos das reservas que respaldam a stablecoin USDC, devido a uma parceria com a Circle.
Com muito capital, a Tether agora olha além das stablecoins em busca de crescimento. Recentemente, a empresa anunciou uma reestruturação estratégica, expandindo-se para novas divisões além das stablecoins: mineração de Bitcoin, inteligência artificial, educação e, agora, o agro.
A Tether já fez avanços significativos em cada área. No ano passado, o gigante das stablecoins participou de um investimento de US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) em uma operação de mineração de Bitcoin em El Salvador, batizada de Volcano Energy, que será alimentada por energia solar e eólica. Também estabeleceu sua própria mina de Bitcoin no Uruguai.
Além disso, a Tether revelou ter gasto US$ 420 milhões (R$ 2,4 bilhões) em 10 mil unidades de processamento gráfico (GPU) H100 da Nvidia, geralmente usadas por empresas de inteligência artificial para processar grandes quantidades de dados, em nome da empresa de mineração de Bitcoin Northern Data, que é listada em bolsa na Alemanha. Em troca dos chips avançados, a Tether recebeu uma participação de 20% na empresa, que pretende alugar os chips para startups de IA.
Outra investida inovadora da Tether ocorreu em abril, quando desembolsou US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão) por uma participação majoritária na Blackrock Neurotech, uma biotecnológica de Salt Lake City que cria implantes cerebrais projetados para permitir que pessoas com distúrbios neurológicos, ou paralisia, possam “comer, beber, operar braços robóticos e enviar e-mails apenas pensando”. A empresa também dobrou seu reduzido quadro de funcionários no último ano, alcançando cerca de 100 pessoas.
Voltando à mineração de Bitcoin, o objetivo da empresa é uma participação de mercado de 5%, o que a colocaria entre as principais montadoras mundiais. “Se você pensa no Bitcoin como a forma definitiva de dinheiro, construída para o apocalipse, você não quer que a maioria da mineração de Bitcoin esteja concentrada em um único país. Então, a maneira de fazer isso é investir em diferentes regiões”, disse Ardoino. “Começamos pela América do Sul e planejamos expandir para diferentes áreas ao redor do mundo, para garantir que a mineração de Bitcoin possa continuar descentralizada.”
De acordo com Kevin Dede, analista da H.C. Wainwright, “quando falamos de competir na mineração de Bitcoin, trata-se realmente do investimento que uma empresa pode fazer. Eles alocaram cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões). Com isso, você pode chegar bastante longe.” Adam Sullivan, CEO da mineradora Core Scientific, que é listada em bolsa, acrescentou: “Atualmente, eles são os maiores investidores em mineração de Bitcoin. É um ajuste natural, pois é isso que realmente impulsiona o negócio deles.”
Sullivan se refere ao recente aumento no preço do Bitcoin, que impulsionou os lucros da Tether, dado seu grande envolvimento no ativo digital. A mineração de Bitcoin deve amplificar os lucros se os preços do Bitcoin continuarem a subir.
No entanto, embora a Tether tenha feito progressos na mineração de Bitcoin, seu avanço na inteligência artificial será mais desafiador. Além de acordos como a Northern Data, a Tether busca estabelecer uma experiência interna na construção de modelos em larga escala e na integração de funções de IA em seus produtos existentes. Os anúncios de emprego em seu site listam vagas como engenheiro de IA e chefe de pesquisa e desenvolvimento de IA.
“Eu acredito que a IA pode ser muito mais útil e estar um pouco menos sujeita aos preconceitos políticos de uma pequena elite que atualmente dirige os maiores projetos de IA do mundo”, afirmou Ardoino, referindo-se ao pequeno grupo de empresas, como Microsoft, OpenAI e Google, que agora lideram a maior parte do desenvolvimento da IA. “Acreditamos que a IA deve se desintermediar dos intermediários, assim como o dinheiro.”