A lista Forbes das 20 Mulheres de Sucesso mais uma vez aponta que a equidade de gênero na sociedade e no mercado de trabalho é um caminho sem volta. A diversidade nas empresas provou ser um poderoso fator de eficiência, inovação, criatividade, produtividade, harmonia e qualidade em todas as suas dimensões. E também de rentabilidade, dado que foi mensurado pelo Instituto Peterson de Economia Internacional em um estudo envolvendo mais de 90 países: no mundo “normal” pré-pandemia, companhias com até 30% de liderança feminina tiveram um aumento de 15% em sua rentabilidade.
Talvez você esteja estranhando o novo nome da lista. Até 2020, ela se chamava Mulheres Mais Poderosas do Brasil. O que motivou a mudança foram os novos tempos, mais inclusivos, democráticos e justos. E também a influência – e o sucesso – da coluna assinada por Donata Meirelles na Forbes. O sucesso da coluna foi tanto que Donata tornou-se cocuradora da lista, sendo decisiva não só na escolha dos nomes perfilados nesta edição como também do novo nome da lista. Nosso agradecimento e nossa homenagem a Donata e a todas essas bravas guerreiras, que tão bem representam a mulher brasileira.
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O grande destaque deste ano foi Djamila Ribeiro. Com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, seu livro “Pequeno Manual Antirracista” foi o mais vendido na plataforma Amazon em 2020. A escritora e filósofa é apontada por muitos como a protagonista da democratização do movimento antirracista que ganhou força no país nos últimos anos, mas ela não se considera a principal responsável pela transformação. “Acredito que meu trabalho editorial, tanto com obras próprias, quanto com a coordenação e edição de coleções de outros autores negros – com preço e linguagem acessíveis –, pode ter ajudado. Não existe outro caminho [para uma mudança real de mentalidade] que não seja o letramento racial. As pessoas precisam ter acesso a essas produções para refletir criticamente”, pontua.
Veja quem são as 20 personalidades de destaque em diversas áreas – da literatura, da música, da luta pela igualdade, dos negócios, da ciência… Cada vez mais, elas têm o poder de mudar o mundo:
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Adriana Aroulho, presidente da SAP no Brasil
Em um dia de junho de 2020, Adriana Aroulho ouviu de Cristina Palmaka, então presidente da SAP Brasil, que a busca por um novo líder para a operação brasileira da gigante de software havia começado, e foi convidada para participar do processo. “[Cristina] vinha formando possíveis sucessores e tinha um leque de opções. Perguntei qual era o tempo estimado [para a tomada de decisão], e ela me disse que o processo duraria entre seis e dezoito meses”, conta a carioca criada na capital paulista.
Depois de um pouco mais de um mês,
Adriana foi escolhida para o cargo, após um rápido movimento em cadeia na liderança da empresa, em que Cristina assumiu a direção da América Latina, cargo anteriormente ocupado por Claudio Muruzabal, hoje presidente da empresa para o sul da Europa. “Foi um momento de muita responsabilidade e emoção”, conta a executiva, que antes de se juntar à SAP em 2017 passou mais de 20 anos na HP, empresa em que ingressou como estagiária depois de concluir o curso de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. Lá, tornou-se líder aos 25 anos de idade, fez diversas movimentações laterais e foi responsável pela área de consultoria e de software da empresa no Brasil.Uma das principais contribuições que Adriana acredita trazer para a liderança de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo é a experiência em três cargos seniores dentro da própria SAP, em que acumulou um repertório importante de gestão: “Em uma grande empresa, ninguém faz nada sozinho, alianças são muito importantes. Existem tensões construtivas por causa de métricas que, muitas vezes, são antagônicas por desenho e é preciso proteger diferentes interesses na empresa”, diz Adriana, que, antes de se tornar presidente da companhia, era COO. “Consigo ter empatia, entender as relações internas e procurar pontos de convergência”, avalia.
Outra marca que Adriana traz para a alta gestão da SAP é a arte: bailarina semiprofissional, a executiva se dedica à dança desde os 4 anos de idade, atividade que também informa seus valores: “[No balé] o que as pessoas geralmente veem é o palco, o produto final, mas por trás daquilo tem horas de prática diária, muitas tentativas até o acerto, dedicação, resiliência”, pontua, acrescentando que traz um “olhar poético” para o trabalho, como as reuniões trimestrais realizadas em diversos museus de São Paulo.
A continuidade da gestão feminina na SAP é testamento do compromisso da empresa com o tema, diz Adriana, que considera a diversidade como um fator importante para a inovação. A executiva quer chegar a 2022 com 30% de mulheres em cargos de liderança na SAP (hoje são 26%). “Quem sabe, chegando aos 30%, conseguimos sonhar com 50%? Mas não pode ser um trabalho só na liderança, temos que trabalhar na base também, na contratação, no desenvolvimento, na cultura de acolhimento.” (AM)
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Divulgação Ana Khouri, designer de joias
A designer de joias Ana Khouri, brasileira radicada em Nova York, é uma das principais vozes da joalheria sustentável no mundo e tem clientes como Michelle Obama, Emma Stone, Lupita Nyong’o, Rihanna, Isabeli Fontana, Emma Watson, Miley Cyrus, Lady Gaga e Jennifer Lawrence.
Seu trabalho inclui apenas ouro certificado pela Fairmined, que garante a origem vinda de mineração artesanal e de pequena escala responsável, com preocupação com o desenvolvimento social da comunidade e proteção ambiental; e gemas de origem responsável e ética. “Considerando o estado de fragilidade do planeta, nossa prioridade deve ser a capacidade de viver dentro de sua capacidade biológica. Como indivíduos e artistas, cada um de nós tem uma obrigação única com esses princípios. Cada aspecto de nossa vida e trabalho depende dos recursos preciosos que a Terra moldou para nós ao longo do tempo. Poucas empresas têm enfrentado a sustentabilidade com tanta convicção quanto o momento exige”, pondera.
Formada em Artes Plásticas, Ana se especializou em escultura para depois chegar à joalheria e entende que essa formação lhe permite uma compreensão mais rica das possibilidades criativas. “Foi na escola de arte que comecei a pensar criticamente sobre escultura e joalheria, mais precisamente sobre a miríade de maneiras que uma peça pode tomar forma no usuário e o equilíbrio que a obra cria com o corpo”, explica.
Trabalha principalmente em peças únicas de joalheria feitas à mão, mas eventualmente lança pequenas edições de joias finas, que podem ser vistas em seu espaço em Nova York ou na The Row, loja fundada pelas irmãs Ashley Olsen e Mary-Kate Olsen com filiais em Londres, Los Angeles ou Nova York.
Ana também usa seu prestígio para impulsionar o Projeto Ovo, criado em 2014 como uma forma sustentável de ajudar os necessitados. Por meio de uma plataforma de venda de itens novos e usados doados por amigos e clientes, os produtos são vendidos na plataforma e toda a receita vai para 70 ONGs brasileiras.
Nos últimos nove meses, em plena pandemia, o projeto arrecadou R$ 2,6 milhões. Para impulsioná-lo, Ana criou um conselho e nomeou embaixadoras, entre elas, Patrícia Abravanel, Carol Bassi e Angélica.
“Tenho muita fé no futuro e acredito que agora é hora de unificar. A mudança não virá se esperarmos por outra pessoa ou outro momento. Nós somos aqueles por quem estávamos esperando. Nós somos a mudança que precisamos buscar”, afirma.
O pensamento ético remonta à infância de Ana – e à maneira como foi criada. Quando começou a trabalhar, naturalmente, essa mentalidade se refletiu em sua obra e na vontade de transformar o mundo. Por isso, em seus planos estão a promoção cada vez maior de práticas responsáveis, éticas, sociais e ambientais, contribuindo para a mudança que ela deseja para o mundo. (SG)
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Victor Affaro Andrea Pinheiro, managing director do BR Partners
Andrea Pinheiro carrega o savoir-faire da profissão no tom de sua voz. Atua como sócia e Managing Director do banco de investimentos BR Partners. A fascinação pela área vem desde a infância. Nascida em uma família de banqueiros, sempre se interessou pelo trabalho, o que fez com que sua vocação fosse incentivada e ela se tornasse uma profissional de sucesso no ramo.
Formada em Administração de Empresas pela Fundação Armando Alvares Penteado (1990) e com um MBA em finanças pela Stern Business School (1996), da New York University, Andrea assumiu como CEO do banco da família, o Banco BMC, em 2000. A instituição foi comprada em 2007 pelo Bradesco, onde ela passou dois anos como diretora e responsável pelo empréstimos consignados. Em 2009, decidiu tirar um ano sabático, mas a labuta logo a chamou novamente e ela foi convidada por dois amigos para participar da criação do BR Partners.
Responsável pela gestão de capital de risco, a banqueira celebra os bons resultados de 2020: o banco independente de investimentos encerrou o ano com o melhor desempenho em mais de uma década de existência. O BR Partners fechou 33 transações e teve um volume total de negócios acima de R$ 100 bilhões. Entre os clientes estão Vivo, Petrobras, Grupo Pão de Açúcar, BNDES, Eletrobras e Telefônica. “Conseguimos nos adaptar manter as coisas acontecendo”, afirma Andrea.
Com foco na área de fusões e aquisições, a empresa liderou a categoria nos rankings da Bloomberg e Mergermarket do ano passado, competindo com bancos nacionais e internacionais. O banco ainda recebeu o prêmio Euromoney de Melhor Banco de Assessoria Financeira da América Latina.
O BR Partners ainda tem um propósito social, na área da educação. Em parceria com a Associação Parceiros da Educação, a instituição adotou duas escolas públicas para doação de fundos. “Esse trabalho social me emociona. A solução para realmente diminuir a desigualdade é a educação. Toda a população deve ter acesso ao ensino de qualidade”, diz.
Ocupando um papel de liderança em um setor dominado por homens, Andrea quer fazer a diferença. “O mercado está mudando muito, mas ainda está longe do ideal.” Uma de suas iniciativas para transformar o cenário foi o incentivo por meio do programa de estágio do banco. Segundo ela, 40% dos estagiários contratados em 2020 foram mulheres. “As próximas gerações darão conta de equilibrar as coisas, pois terão role models como inspiração.”
Para ela, sua profissão encontra-se em um momentum perfeito. “Montar um negócio junto com os meus sócios, minha própria instituição financeira, com um nome tão forte no mercado, é o ápice de uma carreira.” Andrea é categórica ao definir qual é sua maior conquista: “A confiança dos clientes”. (MG)
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Victor Affaro Anna Carolina Bassi, cofundadora da Carol Bassi
As primeiras lembranças da vida de Carol Bassi envolvem a moda. Sua nonna, que veio para o Brasil com os filhos nos braços e uma foto da prima na mão, foi seu primeiro contato com o comércio. Fazia as lições de casa em cima das mesas de corte da loja da mãe e convivia com as costureiras nos fundos de casa. Cresceu fazendo de tudo um pouco naquele comércio que começou no lar e que viria a se tornar um dos grandes nomes da moda nos anos 1990, a Guaraná Brasil, até que decidiu trilhar seu próprio caminho. “Eu tinha dentro de mim uma insatisfação mesmo tendo toda a condição de trabalhar com meus pais de forma harmônica. Sentia que faltava algo, queria ter o domínio das rédeas da minha vida”, relembra.
Os pais cederam um espaço do ponto da Guaraná Brasil, na Alameda Lorena, em São Paulo, onde a empresária começou a marca Carol Bassi, sem vitrine, apenas com uma mesa de trabalho e quatro araras. Foi crescendo aos poucos até que tomou a loja inteira para si. Hoje, ocupa um espaço de 1.000 metros quadrados no shopping Cidade Jardim, depois de muita negociação. Carol não queria perder de forma alguma a experiência que tinha com as clientes na loja de rua. “Não podia trocar a experiência de compra que já estavam acostumadas. O provador da CB virou um ponto onde as mulheres se encontravam, trocavam experiências e interagiam entre elas. Não quero ter rede de lojas, quero promover encontro e troca.”
Essa interação também se faz presente nas redes sociais. Em seu perfil, Carol reúne mais de 330 mil seguidores, com quem compartilha dicas de lifestyle e, claro, de moda. Pela forte presença no digital, sente que sofreu menos com a migração do público para o virtual nos momentos de maior restrição de circulação na pandemia, não demitindo nenhum funcionário da marca, em uma equipe formada 98% por mulheres. “Dentro da minha comunidade digital, sinto que modifico a direção da vida das pessoas de forma sutil, mas faço diferença. É uma grande responsabilidade”, pontua.
Apesar de nunca ter sofrido preconceito, Carol reconhece que para as mulheres a provação é diária e que a enfrenta desde que decidiu empreender. “Eu sinto que a luta de uma mulher é mais forte. A todo momento temos que provar que temos capacidade, que não estamos brincando. E a maior força, a maior motivação vem da luta de ser dona da própria vida. Eu me tornei empoderada quando virei dona das minhas decisões”, ressalta.
Aproveitando cada oportunidade que um novo dia traz, a empresária afirma que comemora cada nascer e pôr do sol. Foi com a nonna, sua maior inspiração, que aprendeu a viver a vida de forma mais leve. Seu maior objetivo é ser como ela: ter fibra, gana e força de vontade para conquistar o que quiser, sem perder a leveza e encontrando o equilíbrio. “Aprendi com ela a viver cada momento, cada desafio. Com atitudes, ela me ensinou a ter calma no caos”. (RS)
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Victor Affaro Camila Magalhães, cofundadora Caliandra Saúde Mental
A pandemia escancarou ainda mais a necessidade de falar sobre saúde mental. Uma pesquisa coordenada pela Fiocruz, em parceria com outras instituições, apontou para sintomas de ansiedade e depressão em 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais durante a pandemia, no Brasil e na Espanha. A mostra contou com 22.876 questionários preenchidos por trabalhadores de ambos os países entre os meses de abril e maio.
Iniciativas surgem com o intuito de transformar o cenário e promover a conscientização. É o caso da Caliandra Saúde Mental, cofundada em agosto de 2019 pela psiquiatra e psicoterapeuta Camila Magalhães Silveira. A empresa trabalha com consultoria, inteligência de dados em saúde mental no mundo corporativo e ações preventivas para a gestão do bem-estar emocional de líderes, colaboradores e funcionários da empresa. Seus cases incluem Itaú Cultural, Puratos, Comfrio, Marsh, Lockton e Mantris.
Não é de hoje que a profissional se preocupa em cuidar das pessoas. “Desde pequena, sinto uma forte empatia pelo outro”, afirma a psiquiatra. “Lembro que na escola um colega tinha dificuldade para andar e ninguém falava com ele. A professora perguntava quem ia sentar com o menino e ninguém queria, eu ia lá e sentava.” Camila sempre soube que seria médica. Teve como exemplo uma outra grande psiquiatra, a prima Laura Helena Silveira Guerra de Andrade.
Após entrar na Faculdade de Ciências Médicas de Santos, começou a trabalhar logo no primeiro ano com a psiquiatria, por meio de uma iniciação científica no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Quando chegou a hora de fazer sua residência, garantiu sua vaga com o psiquiatra Arthur Guerra, professor da Faculdade de Medicina do ABC, mais um nome respeitado na área. Ao encerrar a residência, Guerra chamou-a para trabalhar. Em paralelo, ela adquiriu experiência como médica no Hospital Albert Einstein, integrante do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica, Fellowship no Alcohol Medical Scholar Program da University of San Diego e proprietária de sua própria clínica.
O trabalho de Camila foi reconhecido em 2009 com o Diploma de Mérito pela Valorização da Vida da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Em 2011, sua tese de doutorado ficou em primeiro lugar na premiação do Instituto de Psiquiatria da USP. Cinco anos depois, ela também foi prestigiada com o Prêmio SUS de Incentivo à Ciência e Tecnologia. Em 2020, deu início a uma pesquisa, ao lado da prima, sobre saúde mental nas favelas, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do King’s College, de Londres.
Com a Caliandra, seu objetivo é criar um projeto de saúde mental acessível para as empresas. Ela fez uma sociedade com Guerra e, desde então, continua nessa empreitada. “A psiquiatria me permitiu crescer como ser humano. A maior conquista que eu tive foi a troca humana, não foram os prêmios. Tenho amor pelo que eu faço, muito amor.” (MG)
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Victor Affaro Djamila Ribeiro , filósofa e escritora
Ela é apontada por muita gente como protagonista da democratização do movimento antirracista que ganhou força no Brasil nos últimos anos. Do alto de seu 1,80 metro, porém, a filósofa e escritora Djamila Ribeiro se recusa a ser o centro das atenções. “Não acho que sou a principal responsável, mas acredito que meu trabalho editorial, tanto com obras próprias, quanto com a coordenação e edição de coleções de outros autores negros – com preço e linguagem acessíveis –, pode ter ajudado. Não existe outro caminho [para uma mudança real de mentalidade] que não seja o letramento racial. As pessoas precisam ter acesso a essas produções para refletir criticamente.”
A humildade da santista de sorriso largo não reflete o tamanho de sua contribuição. No final de 2020, seu livro “Pequeno Manual Antirracista” (Companhia das Letras, 2019) – prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas – fechou o ano como o mais vendido na plataforma da Amazon. O sucesso editorial está atrelado à popularidade nas redes sociais. Com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, ela tem plena consciência da responsabilidade de falar para tanta gente num espaço que, segundo a própria, às vezes, fica esvaziado.
Djamila defende que as pessoas não precisam chegar ao ponto de vivenciar situações reais, na pele, para aderir a determinadas causas. “Não é preciso ser negro para se engajar na luta antirracista. Essa é uma responsabilidade de todo mundo. O mesmo acontece com as discussões de gênero”, diz a escritora, que assina o prefácio da edição brasileira do livro “Mulheres, Raça e Classe”, de Angela Davis.
Apesar de reconhecer que ainda há um imenso caminho a ser percorrido, Djamila acredita que houve avanços na causa antirracista, incluindo no ambiente corporativo. “É preciso ter em mente que brancos e negros não partem do mesmo lugar. E esse é um entendimento que só a educação traz. Admiro muito a coragem de alguns empresários que, apesar da resistência, peitam o debate porque compreendem a necessidade da diversidade para a evolução da sociedade como um todo, inclusive do ponto de vista econômico, algo que já foi provado por inúmeros estudos.”
No primeiro semestre do ano, Djamila deve lançar seu quarto livro, “Cartas para Minha Vó”, uma obra de tom mais pessoal. “Como perdi minha avó e minha mãe muito cedo, ele é como se fosse um relato da minha história misturado com um pouco da história delas. Tem sido um processo interessante, já que estou revisitando minhas memórias, olhando para as mulheres da minha família de uma forma mais humanizada.”
Ela também vai continuar editando outros autores como parte de seu trabalho de coordenação da coleção Feminismos Plurais, que se propõe a disseminar conteúdo crítico produzido por pessoas negras, sobretudo mulheres. Para o primeiro semestre, estão previstos títulos de três autoras: Alessandra Devulsky, Letícia Nascimento e Juliana Teixeira. “Acho importante usar os meus espaços para dar visibilidade a outras pessoas.” (GA)
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Victor Affaro Erika dos Mares, proprietária das multimarcas CJ Mares
O sobrenome já revela a grandeza por trás da proprietária das multimarcas CJ Mares. Erika supervisiona e administra a loja localizada no Shopping Cidade Jardim, criada em joint venture com a marca da incorporadora JHSF. Com 1.000 metros quadrados, o espaço comercializa roupas, acessórios e joias de mais de 70 marcas, nacionais e internacionais.
Mineira, a empresária carrega consigo suas origens. Começou a trabalhar aos 16 anos em uma unidade de confecção do extinto Grupo Mineiro de Moda com a mãe, Sheila. Na época, por volta dos anos 1980, Belo Horizonte era considerada um polo do setor e o GMM tornou-se um dos principais players do estilo made in Brazil. “Tive muita sorte de ter vivido esse momento”, comenta Erika.
Seu sucesso, por outro lado, vai muito além de uma coincidência histórica. A experiência no “chão de fábrica” serviu como fonte de aprendizado para seu papel de liderança. “Passei por todas as áreas da empresa, da limpeza ao financeiro. Fiz de tudo”, diz. “Aprendi a lição maravilhosa de que cada função tem um valor importante.”
Em 1990, Erika fundou a Mares junto da mãe e iniciou o processo de angariar marcas para o portfólio da empresa. “Nós engatinhávamos nesse processo. Tive que desbravar o mercado do zero. Viajava com a minha pastinha e explicava [para as marcas internacionais] o que era Belo Horizonte, pois só conheciam São Paulo. Explicava como ia funcionar a multimarcas. Foram muitos anos até nos estabelecermos”, afirma. A empresária teve a oportunidade de aprender sobre moda em países como Inglaterra, França, Itália, Espanha e Estados Unidos.
Erika tomou a iniciativa de abrir a primeira Mares em São Paulo e, em pouco tempo, passou para uma unidade maior. A parceria com a JHSF, anunciada em novembro de 2019, veio como uma vitória para ambas as partes. “De um lado, a experiência que acumulei por mais de 30 anos no setor de moda. Do outro, a estrutura da JHSF.” Em Belo Horizonte, quem continua cuidando do negócio é Sheila, com uma equipe “como se fosse uma família”.
Entre fusos horários e línguas diferentes, a empresária pretende proporcionar experiências. Visando o bem-estar, a CJ Mares oferece ambientes diversificados e setores que vão da praia à festa. Na entrada, clientes são recebidos com café e pão de queijo, claro. “A raiz nunca se perde.” A atenção ao detalhe está até nos guardanapos, que trazem frases aspiracionais diferentes de acordo com o dia da semana.
Uma de suas realizações profissionais é saber que a CJ Mares é referência em curadoria e inovação. “É uma característica minha, trabalho com uma curadoria dos sete mares. Não focamos nas marcas que todo mundo conhece.” Sua outra conquista é o reconhecimento do cliente. “Atendemos várias gerações. É muito importante para nós que avó, mãe e filha vão à loja para ocasiões especiais, um casamento, uma festa. Três gerações, 30 anos de experiência. Isso me motiva muito.” (MG)
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Divulgação Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo
Filha e neta de médicos, Ester Sabino sempre quis seguir a tradição familiar, com foco em pesquisa. No entanto, o início de carreira não foi fácil para a diretora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo e coordenadora da equipe brasileira que sequenciou o Sars-CoV-2 (vírus da Covid-19), 48 horas após o primeiro caso confirmado no Brasil. A falta de oportunidades a levou a fazer residência em pediatria ao mesmo tempo que iniciava a carreira de pesquisadora no Instituto Adolfo Lutz, numa época em que surgia o HIV e um êxodo de especialistas da área ocorria em meio ao governo militar.
“A faculdade de medicina perdeu muita gente, os grandes cientistas foram embora, e eram poucos os orientadores no Brasil na área de virologia, epidemiologia e saúde pública”, lembra Ester, que foi selecionada antes do final da pós-graduação para o programa de formação para pesquisadores focado em HIV da Fundação Fogarty, através da Universidade de Berkeley, na Califórnia.
Durante os dois anos do programa, Ester foi treinada no banco de sangue de São Francisco, uma das cidades norte-americanas mais atingidas pela epidemia de aids. Voltou ao Brasil e entrou na Fundação Pró-Sangue, onde participou dos primeiros sequenciamentos dos genomas do HIV e do Zika vírus. Coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde), financiado pelo Medical Research Council (MRC), do Reino Unido, e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a pesquisadora também tem o trabalho voltado às questões de saúde pública.
Além do trabalho em relação ao novo coronavírus, que inclui estudos da nova variante descoberta em Manaus com apoio da Fapesp e do MRC, Ester está envolvida em atividades focadas em dados de bancos de sangue do Brasil apoiado pelo National Institute of Health dos Estados Unidos, que fornece recursos para um projeto focado na doença de Chagas. Segundo Ester, a agilidade de iniciativas do setor privado na liberação de recursos para apoio à pesquisa, como a Todos pela Saúde, fez toda a diferença no enfrentamento à Covid-19. “Ter acesso a recursos que não demorem tanto, como é o normal na academia, facilita muito”, aponta.
Com exceção de um grupo montado pela prefeitura de São Paulo no início da crise, Ester diz nunca ter sido convidada pelo governo federal para contribuir com sua expertise no enfrentamento à crise. “É uma epidemia coordenada por homens: só eles participam de todos os comitês.” A pesquisadora critica a falta de uma resposta estruturada por parte do governo em relação ao coronavírus: segundo ela, o cenário atual é muito diferente da reação à epidemia do HIV, em que houve uma estratégia com a atuação de pesquisadores junto ao poder público, que atravessou diversas administrações. “Quando comparamos [a resposta ao HIV e à Covid-19] vemos duas histórias diferentes: uma de sucesso e outra de total fracasso.” (AM)
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Kiko Ferrite Gisselle Ruiz Lanza, diretora geral da Intel Brasil
Primeira mulher a assumir a diretoria geral da Intel Brasil, Gisselle utiliza suas habilidades de maratonista para fazer frente aos desafios nada modestos do cargo. A empresa passa por um momento de transformação interna, com o objetivo de se colocar como a principal referência em dados para o desenvolvimento das chamadas tecnologias do futuro, unindo, por exemplo, inteligência artificial com internet das coisas.
Além disso, a Intel quer continuar crescendo em cloud e games, e aguarda a definição do país em relação ao 5G, que trará a modernização da infra-estrutura de rede, abrindo as portas para uma série de tecnologias emergentes que interessam aos clientes da empresa.
Com disciplina, foco, resiliência e controle da própria mente, Gisselle tem obtido resultados extraordinários, abrindo espaço para as mulheres em um setor ainda dominado pelos homens. Há mais de duas décadas na Intel, ela já ocupou posições relevantes na empresa na Argentina, no Brasil e no México.
Além de comandar a companhia no Brasil e promover a mudança cultural necessária para o futuro da Intel, Gisselle acumula a posição de presidente do Women at Intel Network (WIN), o programa interno de promoção da igualdade de gênero, que pretende criar um forte ambiente inclusivo na empresa em nível mundial.
No Brasil, o WIN atua em parceria com a Cloud-Girls e PrograMaria em ações com o objetivo de aumentar a representatividade feminina nas áreas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), diminuindo a diferença de gênero no setor. “Nosso compromisso é levar a inclusão para toda a comunidade. Com essas ações, queremos incentivar essas conversas e mudanças dentro das outras organizações, para que a mulher esteja presente onde ela quiser e que possamos todos juntos, através da tecnologia, ajudar a construir o futuro.”
O impacto da tecnologia e da colaboração ficou evidente na pandemia, quando a Intel liberou mundialmente para os pesquisadores as suas ferramentas de desenvolvimento de softwares e convidou outras empresas a fazerem o mesmo. No Brasil, forneceu para o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a infraestrutura e as ferramentas de inteligência artificial que estão sendo utilizadas para o treinamento dos algoritmos para o diagnóstico da Covid-19 e de outras doenças pulmonares por meio de um sistema de reconhecimento de tosse.
Gisselle e a Intel querem fomentar, cada vez mais, um ecossistema que permita fazer o bem e melhorar a qualidade de vida das pessoas, por isso tem dedicado cada vez mais tempo para dar palestra, oferecer mentoria e coaching para startups. No médio e longo prazo, quando ocorrer a sua transição de carreira, ela pensa em apoiar a sociedade com algum projeto de educação com tecnologia.
Por enquanto, dedica-se a buscar um equilíbrio saudável entre trabalho e família e a planejar a próxima maratona que fará depois da pandemia, pois, como uma boa adepta do maraturismo, além do preparo físico, a escolha do local da corrida é de extrema importância. (SG) -
Divulgação Ingrid Silva, bailarina
O balé não foi um sonho da vida de Ingrid Silva. Mas aos 8 anos, por meio de um projeto social na comunidade em que vivia no Rio de Janeiro, ela foi encontrada pela dança – e se apaixonou. Enquanto fazia faculdade e vivia sua rotina dando aulas, descobriu o Dance Theatre of Harlem, de Nova York. Fez o teste, passou com louvor e se jogou no mundo, sem saber inglês, sem saber muito bem como seria, mas com muita vontade de ir atrás dos seus objetivos e expandir seus horizontes.
No Dance Theatre of Harlem, uma companhia pautada em diversidade, se enxergou como não conseguia no Brasil. Por lá, já havia o costume de pintar as sapatilhas, primeiro com pó de café, depois com maquiagem. Os calçados servem como extensão do corpo dos bailarinos e era necessário ver, no palco, a representação da multiculturalidade dos integrantes. “Eu nunca tinha parado para pensar na meia-calça e na sapatilha rosa. Nunca tinha questionado. A primeira vez que vi isso foi aqui e comecei a entender que não era ato de ativismo, era pertencimento”, explica. Durante 11 anos, Ingrid pintou os pares de sapatilha que usava semanalmente com maquiagem. Depois de muitas conversas, a marca que fornece seus calçados decidiu criar peças exclusivas para ela, no tom de pele certo. E as sapatilhas pintadas foram para o Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian. “Associamos peças de museu a quem já morreu, ao passado, mas estou viva, quebrando barreiras, propondo diálogos sobre inclusão e diversidade. Sendo brasileira, é um marco gigantesco”, comemora.
Depois de passar por uma transição capilar e assumir o cabelo natural em 2014, a bailarina começou a refletir mais sobre o papel do ativismo. Desse estalo, veio a vontade de criar projetos: o Empow.Her NY é uma plataforma global que promove encontros entre mulheres para que se sintam seguras para usarem suas vozes. Se não fosse pelo coronavírus, teria feito evento com palestras no Brasil, em parceria com o Consulado Americano do Rio de Janeiro. “É muito bom criar um espaço onde a gente se orgulhe de ser mulher, independentemente das batalhas que passamos. Acolhemos, damos suporte, para que possam expandir suas asas”, explica. Já o Blacks in Ballet, criado em parceria com dois colegas bailarinos, é uma biblioteca digital para promover inclusão no mundo do balé clássico, com histórias de talentos negros. Já ajudaram dois projetos sociais no Brasil, doando barras para que crianças possam fazer aulas de balé em casa.
Mãe de Laura, nascida em dezembro de 2020, Ingrid deseja que a filha viva em um mundo com mais acesso. Se não acontecer, que ela saiba criar suas próprias oportunidades. “Estar em lugares pouco ocupados por negros é também redescobrir e inserir a minha ancestralidade. Quem veio antes de mim nem sonhava com as oportunidades que tive. Conhecimento é poder. Quando você sabe quem é, o espaço que ocupa e a responsabilidade da sua voz, você pode mover a sociedade.” (RS)
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Victor Affaro Karla Felmanas, vice-presidente da Cimed
As incertezas provocadas pela pandemia trouxeram novos desafios para a vice-presidente da farmacêutica Cimed, Karla Felmanas, que optou por seguir em frente em meio às adversidades, entre elas, a de manter a produção de medicamentos durante o lockdown que dificultou a importação de insumos da China e da Índia. Mais que manter, ela antecipou o lançamento de novos produtos com o foco aumentar a imunidade, a grande demanda do ano. Assim, a Cimed se tornou uma das líderes do mercado em unidades de medicamentos vendidos e aumentou consideravelmente o faturamento.
Arrojada, ela e o irmão João Adibe Marques, CEO do grupo, mantiveram a todo vapor a construção da nova fábrica da empresa em Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais, destinada à produção de medicamentos comprimidos genéricos e similares. A obra de 44 mil metros quadrados de área construída está orçada em R$ 220 milhões. A primeira fase foi inaugurada em novembro de 2020: um centro de distribuição com capacidade de armazenamento de 12 mil pallets. O restante ficará pronto ainda este ano, o que dobrará a capacidade de produção da empresa.
Um dos diferenciais da companhia é a cadeia vertical de distribuição, ou seja, possui centros de distribuição próprios espalhados em todos os estados do Brasil. Quase metade dos cargos da empresa são ocupados por mulheres, que representam também 17% da diretoria. “É um número alto, considerando que o segmento farmacêutico ainda é bastante conservador”, comenta a executiva que atua fortemente no engajamento e empoderamento feminino.
Karla é da terceira geração de uma família que abraçou o ramo farmacêutico. Seu avô, João Marques, foi um pioneiro ao fundar na década de 1950 o laboratório Prata; o pai, João de Castro Marques, montou o laboratório Hornoterápica e adquiriu as empresas Cimed e Windson na década de 1970, dando origem ao Grupo Cimed. Ela e o irmão mantêm o legado investindo em inovação. “Estamos mudando nossa sede em São Paulo para um espaço mais amplo e aberto, que vai estimular uma cultura mais colaborativa na empresa. É um processo que inclui a transformação digital da Cimed, pois, além da fábrica e da distribuição, pretendemos ficar muito mais perto do consumidor final”, afirma. Uma proximidade que se percebe na solidariedade demonstrada em um período difícil. Apesar de não ter álcool em gel no portfólio da empresa, logo no início da pandemia, Karla alterou a produção de uma das linhas de cosméticos para fazer álcool em gel 70% apenas para doação para prefeituras e ONGs de todo o Brasil utilizando os centros de distribuição da empresa pelo país.
Com os três filhos crescidos e acostumados com a mãe empresária, Karla pretende agora dedicar parte do tempo para trabalhos sociais. Para ela, só contribuir financeiramente e com doações não é mais suficiente. Adepta da meditação e extremamente focada em cada atividade que executa, ela consegue se dedicar ao trabalho, à família, praticar esportes, viajar e curtir os amigos. (SG)
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Victor Affaro Katia Vaskys, gerente geral da IBM no Brasil
Apesar de ter uma década de casa, a nova líder da IBM Katia Vaskys ainda é percebida como uma outsider em alguns círculos da empresa, onde executivos constroem carreiras de duas décadas ou mais. No entanto, não ser prata da casa não a impediu de responder a diversos desafios na Big Blue, começando pela missão inicial, de estruturar o negócio de business analytics do zero, em um momento em que se começava a falar em termos como big data e internet das coisas.
A criação da nova linha de serviços deu tão certo que o escopo de trabalho da executiva cresceu, para integrar a área de analytics com todas as outras ofertas da IBM, em uma função subordinada ao gerente geral. “Eu era um sapo de fora, num cargo inédito, que não tinha nem descritivo. Tinha tudo para dar errado, mas funcionou maravilhosamente bem, pois a IBM tem um ambiente muito aberto e pronto para inovar”, explica.
No entanto, Katia, que já tinha servido como country manager em outra multinacional de tecnologia, almejava o cargo máximo da IBM no Brasil (gerente geral), para o qual foi nomeada em janeiro deste ano – é a primeira mulher a comandar a empresa no país. “Sempre quis [a liderança]. Vim para causar impacto, fazer diferença, construir algo relevante.” A jornada até o topo incluiu um processo interno de mentoria e formação e a entrega de projetos que deram visibilidade à executiva, em particular no Bradesco, que consome diversas tecnologias de ponta da IBM, com a plataforma de inteligência artificial (IA) Watson.
Uma das prioridades de Katia em 2021 é atender às demandas de clientes por meio de tecnologias como nuvem híbrida e uso massivo de IA. “Empresas têm urgência em promover sua transformação digital, ganhar agilidade, em ter processos automatizados. Minha missão primordial é levar isso para os clientes de maneira prática, com modelos de garagem, de experimentação.”
Além disso, Katia quer “assegurar uma presença mais sólida da IBM na transformação da sociedade”. Patrocinadora executiva do grupo de afrodescendentes da empresa desde 2017, ela diz que a atuação nesse grupo (que causou mudanças como a remoção da exigência do inglês para trainees na empresa) influencia desde a forma como cria sua filha até seu cotidiano. “Muitas vezes, pensa-se em soluções muito grandiosas [para endereçar o racismo estrutural]. Mas o dia a dia que é realmente transformador.”
Nascida em São Caetano do Sul, no ABC paulista, Katia perdeu o pai aos 7 anos de idade. A orientação da mãe, que aos 40 anos de idade se viu com cinco filhas para criar sozinha, era de que elas só poderiam ter o que produzissem por meio do trabalho, e isso formou a tônica da trajetória da executiva. “Estudei em escola pública, não fiz orientação vocacional, não frequentei clubes, não fiz intercâmbio. Trabalhei durante o dia e fiz faculdade à noite – e cheguei lá. Sinto a obrigação de contar esta história.” (AM)
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Andrea Marques Margareth Dalcomo, pesquisadora da Fiocruz
Neta de imigrantes italianos, a capixaba Margareth Dalcolmo foi criada no Rio de Janeiro numa família tradicional, em que ser brilhante não era nada anormal. “Eu chegava com aquele boletim lindo, e meu pai dizia ‘não faz mais do que a obrigação, você tem comida, casa, saúde; vá em frente, minha filha’. Sempre ouvi isso, e foi algo muito educador”, diz a médica pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A dedicação e a modéstia fazem parte da visão de mundo de uma das principais vozes no enfrentamento à pandemia – mais especificamente, sobre a vacina – da Covid-19 no Brasil. Aos 17 anos, “muito nerd” e já fluente em inglês e francês, Margareth abandonou o plano de estudar relações internacionais. “Tive uma crise de consciência, resolvi que não ia ser diplomata coisa nenhuma, e que seria muito mais útil como médica. Jamais tive um momento de hesitação”, conta, sobre a decisão, em meio à ditadura militar, de cursar medicina.
Reservada, acostumou-se com a avalanche de solicitações que tem recebido durante o último ano da mídia e da população sobre a crise sanitária, demandas que espreme entre os atendimentos em sua clínica e o serviço público. “Nós, médicos e pesquisadores, passamos por uma espécie de humanização compulsória nesse período”, aponta. “Valorizo o reconhecimento da opinião pública sobre a ciência brasileira.”
Por outro lado, Margareth, cuja crítica emocionada ao governo em relação às negociações iniciais para obter os insumos necessários para a produção de vacinas viralizou na internet, se diz indignada com a atual diplomacia brasileira. “Nós erramos em não comprar as vacinas de quem fez estudo no Brasil. Nós podíamos ter a vacina da Pfizer aqui, e não tivemos porque não soubemos negociar de maneira adequada”, argumenta a pesquisadora, que aponta outras falhas dos tomadores de decisão em um cenário de recrudescimento da pandemia e crise socioeconômica.
“Falta uma coordenação [entre o governo e empresas], assim como falta coordenação harmônica entre nós da academia e o poder público. Desde o início, estamos nesse embate onde dizemos que esse tratamento não serve para nada, e o Ministério da Saúde continua recomendando cloroquina para os doentes”, ressalta Margareth, que defende parcerias público-privadas para apoiar a ciência no Brasil.
Apesar dos desafios, a pesquisadora diz ter um “prazer inenarrável” no trabalho, que também trouxe reconhecimento internacional: Margareth tem um projeto na África Subsaariana para doenças respiratórias, coordenado e financiado pelo Banco Mundial, e atua na Organização Mundial da Saúde, no grupo de aprovação de medicamentos essenciais. Outra área atual de foco é um ensaio clínico com a vacina BCG para a Covid-19 na Fiocruz. Além disso, planeja um livro de crônicas e não pensa em desacelerar – nem quando a crise for finalmente superada: “A gente tem a eternidade pra descansar, e a eternidade deve ser muito chata.”
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Victor Affaro Maria Paula Capuzzo, presidente da Colgate-Palmolive no Brasil
Maria Paula Capuzzo tinha acabado de assumir a presidência da Colgate-Palmolive no Brasil quando a pandemia se alastrou pelo mundo. Rapidamente, a companhia, que está presente em mais de 200 países, lançou um plano global para apoiar as iniciativas de contingência da Covid-19, das quais a principal é lavar bem as mãos.
Aqui no Brasil, 1,7 milhão de sabonetes da marca foram doados para serem distribuídos pelo Unicef em Manaus e Salvador. Para São Paulo, 500 mil unidades foram partilhadas entre o poder público e outras instituições. Mais 2,9 milhões de produtos de higiene oral e pessoal foram entregues para instituições assistenciais e parceiros para distribuição em Manaus, Maceió, Rio de Janeiro, ABC Paulista, entre outras localidades. Ao todo foram doados mais de 4,6 milhões de produtos que somavam mais de R$ 17,2 milhões.
O desafio foi grande, mas não foi o único. Primeira brasileira a liderar a Colgate-Palmolive no Brasil e primeira mulher no cargo, Maria Paula tem acelerado no país as diretrizes globais da companhia em termos de diversidade e inclusão, contratando mais mulheres e oferecendo mentorias para que as funcionárias possam crescer na carreira. O mesmo vale para a inclusão de negros e deficientes, com parcerias com a Empregueafro e a APAE, e a criação de comitês e agendas internas. Uma experiência tão inovadora que o grupo brasileiro foi convidado a apresentar para o restante da empresa no mundo o que está sendo realizado por aqui.
“Abracei os desafios sem precedentes com humildade, coragem e compromisso. Junto a um time formidável, transformamos o otimismo em ações concretas e assertivas para ser parte da solução”, afirma. Para ela, o segredo está em liderar com a cabeça e ainda mais com o coração. “O ano de 2020 reforçou a necessidade de priorizar o mais importante: cuidar das pessoas, sua saúde e bem-estar“, comenta, lembrando que o otimismo é palavra de ordem na empresa e que, para a Colgate, o sorriso empodera.
Da menina que aos 8 ou 9 anos ajudava o pai no balcão da lojinha de parafusos, Maria Paula mantém o gosto pelo contato com o consumidor e busca pela satisfação do cliente. Depois de 21 anos atuando na Colgate fora do Brasil – ela chegou a ser responsável pelas operações da empresa em toda a América Latina –, a executiva está feliz por trabalhar novamente em português. Aqui pode dedicar mais tempo para escutar diferentes gerações e atuar como mentora, devolvendo para a sociedade e contribuindo para construir líderes do futuro.
Incansável, ela busca encontrar o equilíbrio entre seus papéis de mãe, esposa, filha e líder inovadora. Ela joga tênis, corre, faz musculação, lê diariamente e considera sagrado o tempo para brincar com os filhos. Priorizando a família e a saúde física e mental, Maria Paula planeja viver cada dia com mais espiritualidade e tempo dedicado à comunidade. (SG)
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Andrea Marques Nísia Trindade Lima, presidente da Fundação Oswaldo Cruz
Quando encontra o neto de 4 anos, a cada quinze dias, Nísia Trindade Lima recebe a pergunta: “E a vacina?”. O pequeno ainda não entende a dimensão do trabalho da avó, presidente da Fundação Oswaldo Cruz. Em seu segundo mandato, Nísia foi a primeira mulher a ocupar o cargo em 120 anos de Fiocruz.
A história com a Fundação já se mistura com a história da própria vida. Entrou bem nova, enquanto fazia mestrado em Ciências Políticas e dava aulas na rede pública estadual de ensino. Formada em Ciências Sociais pela UERJ, havia projetado para si uma carreira acadêmica e passou por uma mudança de rumo ao entrar para a instituição. “Tinha a trajetória de uma jovem comum em uma área difícil. A Fiocruz é importante porque me desafiou, com a formação de Ciências Sociais, a construir agendas com a saúde como foco”, pontua.
Desde o início de seu primeiro mandato como presidente, em 2017, Nísia enfrentou emergências sanitárias como os novos surtos de febre amarela e as decorrências das síndromes congênitas causadas pelo Zika vírus. Desafios que a prepararam para atuar no combate ao coronavírus. Em fevereiro, a Fiocruz iniciou oficialmente a fabricação das vacinas de Oxford no país. A previsão é de 100 milhões de doses para este primeiro semestre do ano. “É um cotidiano de muito trabalho, mas não deixa de ser um privilégio trabalhar e dar a minha contribuição nesse momento. Do meu escritório, seja na Fiocruz, seja em casa, eu viajo da minha cadeira para Brasília, São Paulo, Genebra. É um momento muito crítico, todas as energias têm que ser canalizadas para superar essa crise”, explica. Para desligar a mente da rotina tão intensa de trabalho, pratica ioga. “Procuro começar o dia assim. Então vejo as notícias e o relaxamento se vai…”, brinca, dizendo procurar manter o humor, mas que não tem sido fácil com tantas perdas.
Nísia afirma que pretende deixar como resultado de seus mandatos o fortalecimento da Fiocruz como instituição de Estado com forte articulação com a sociedade civil, estabelecendo um ecossistema favorável à pesquisa, ciência, tecnologia e inovação. “Cheguei à constatação de que tenho mais tempo como pesquisadora da Fiocruz do que antes de fazer parte desse corpo de trabalhadores. Qual sentido dar ao fato de ser mulher à frente da principal instituição de ciência e saúde na América Latina? Como mobilizar o que acumulei ao longo de seis décadas de vida a favor de projetos e ações em que acredito, sempre pensando no coletivo?”, reflete.
Nísia admite que nunca pensa no adjetivo “poderosa” para si. Vê-se como uma mulher dedicada, disciplinada e com capacidade de exercer verdadeiramente a liderança. Tem como referência a avó materna, que a criou, após perder a mãe ainda na infância. “Ela era uma pessoa forte e severa. Eu tinha uma característica mais tímida por muito tempo. Nessa interação, sem dúvida, forjei a minha personalidade. Eu me vejo muito parecida com ela hoje.” (RS)
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Victor Affaro Regina Esteves, diretora-presidente da organização social Comunitas
Regina ficou apreensiva quando a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil, em março do ano passado. Ela sabia que o timing da gestão pública brasileira não era adequado para a urgência da situação e haveria uma tragédia, principalmente entre os mais vulneráveis. Era a hora então de abrir sua agenda de contatos no celular e acionar seu network pessoal para fazer alguma coisa. Arrecadou R$ 50 milhões.
A maior parte do valor foi utilizado para a compra de respiradores, oxímetros e outras máquinas que garantiram a instalação de 260 leitos de UTI nos estados de São Paulo, Goiás, Espírito Santo, Tocantins e na cidade de Paraty. O restante foi distribuído para alunos em situação de extrema pobreza da rede pública de ensino em vários pontos do país.
Foi um trabalho tão rápido e importante para o momento, que Regina foi convidada pelo governador de São Paulo, João Doria, a integrar uma das diretorias do Comitê Empresarial Solidário, criado para levantar doações para ações no combate à pandemia no estado. Desde então, o comitê arrecadou mais de R$ 750 milhões em doações.
Regina também está à frente da captação de recursos para a construção da nova fábrica do Instituto Butantan, que ficará pronta em outubro deste ano e dará autonomia ao Brasil na produção de vacinas. A sua organização, Comunitas, em parceria com a InvestSP e a Fundação Instituto Butantan, já captou R$ 135 milhões dos R$ 160 milhões necessários. Entre os doadores estão o Todos pela Saúde, liderado pelo Itaú; e as empresas Ambev, Bradesco, Safra, BRF, JBS, BTG Pactual, Confidencial, XP Investimentos, Votorantim, Isa Cteep, Santander, Rede D’Or, Península, Cosan/Comgás, B3, Magalu, Novellis, Stone, Minerva Foods, Banco Daycoval, Sinditêxtil, Astellas, Sindusfarma, além de doações de pessoas físicas.
Mais que arrecadar dinheiro, o projeto da fábrica de vacinas inclui a governança privada da construção, reunindo expertises diversas para acelerar a obra.
Atuando há 20 anos como empreendedora social, Regina Esteves sempre acreditou em projetos integrados entre os setores público e privado como caminho para superação dos desafios socioeconômicos da sociedade. Começou a carreira na iniciativa privada, na área de educação, foi para o governo federal, onde trabalhou diretamente com a então primeira-dama Ruth Cardoso, seguiu empreendendo ações de impacto social e hoje se dedica à agenda público-privada.
Entre os planos para o futuro, ela destaca que seu próximo desafio será atuar na pauta mais estratégica das políticas públicas: a educação. Seu objetivo é aglutinar esforços de maneira mais efetiva para ter a educação como uma prioridade no país.
Mãe de dois adolescentes, Regina costuma dizer que teve a sorte de poder se dedicar àquilo que acredita e, com muita simplicidade, comenta: “Todo mundo pode fazer algo para impactar as pessoas.” (SG)
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Andrea Marques Sandra Benites, antropóloga e educadora, primeira curadora indígena do Masp
Nascida Ara Rete na aldeia guarani Porto Lindo, em Japorã (MS), cidade próxima à fronteira com o Paraguai, Sandra Benites tem como missão trazer a discussão sobre o imaginário indígena para o mainstream. A antropóloga e educadora é a primeira curadora indígena do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp) e trabalha na exposição Histórias Indígenas, em que abordará temas como o impacto da crise ambiental e do apagamento da ancestralidade para essa população.
“Há uma urgência em ocupar os espaços de instituições como museus para falar do silenciamento que o povo indígena tem sofrido desde a colonização em 1500”, aponta Sandra, que estuda formas de apresentar a visão de mundo indígena e o processo que inclui a violência sofrida ao longo dos séculos desde a descoberta do Brasil por esses povos, atualmente representados em 305 etnias e 274 línguas.
O convite do Masp veio após a repercussão positiva e ineditismo da exposição Dja Guata Porã – Rio de Janeiro Indígena, que ocorreu no Museu de Arte do Rio (MAR), em 2017. A mostra do MAR foi a primeira incursão na arte da antropóloga, que até então focava em pesquisa acadêmica e foi a única indígena na equipe de curadoria que incluía a crítica de arte Clarissa Diniz e os pesquisadores José Ribamar Bessa e Pablo Lafuente.
A pandemia impactou a mostra do Masp, que teve problemas em trazer obras de outros países como Canadá e Austrália em meio às dificuldades da crise sanitária, e adiou a estreia para 2023. Por outro lado, as circunstâncias trouxeram a Sandra reflexões sobre como aproximar mais a mostra da realidade indígena, uma intensa atividade em debates virtuais, e o contato de instituições interessadas na temática indígena, como o Sesc Ipiranga (SP), com quem vai fazer uma exposição online, prevista para abril.
Além da mostra do Masp e da adaptação de seu trabalho para o ambiente digital, Sandra está envolvida em projetos que incluem um livro em parceria com outros acadêmicos, bem como sua pesquisa de doutorado junto ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com foco na percepção indígena do corpo feminino, que, segundo o ponto de vista guarani, é a própria terra.
A arte é um veículo poderoso para expressar os saberes indígenas, ressalta Sandra, bem como advertências. “Temos uma visão coletiva e integrada de mundo, em que estamos inseridos nele como seres da terra, e portanto temos a visão de cuidado aos seres não humanos, como animais, plantas, as águas”, diz a antropóloga, que defende a visão de que seu povo, um dos mais vulneráveis durante a pandemia, também poderia ter contribuído com seu conhecimento para o enfrentamento da Covid-19.
“A narrativa de que, se não tivermos cuidado com os seres da terra, chegará o momento que chamamos de fim do mundo, está sempre presente [no imaginário indígena]. Se nossa sabedoria ancestral tivesse sido ouvida, talvez a pandemia não tivesse chegado ao ponto em que chegou; há um desencontro e dificuldade de aceitação sobre nossos saberes – e é por isso que precisamos ocupar e dialogar.” (AM)
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Julio Vilela Sylvia Coutinho, presidente do banco UBS no Brasil
O ano de 2020 foi extremamente produtivo para a presidente do banco UBS no Brasil, Sylvia Coutinho. Ela lançou em setembro o UBS BB Investment Bank, uma joint venture com o Banco do Brasil que inicia suas operações como uma plataforma completa de banco de investimentos, combinando a ampla rede do BB no país para pessoas físicas com a abrangência global do banco suíço UBS.
Esse gol de placa não foi o único do ano. Ela também concluiu a aquisição da Consenso, líder de mercado no setor multi family office no Brasil, com a qual já atuava desde 2017; e, entre diversos avanços, impulsionou a agenda de ESG no Brasil, fomentando investimentos sustentáveis, de impacto e o chamado green finance.
Múltipla, além de liderar o banco suíço no Brasil, Sylvia acumula a função de chefe de gestão de fortunas para a América Latina do banco e atua no conselho de empresários do Instituto Ayrton Senna; no conselho do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas; no board da BrazilFoundation; na coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e ainda como conselheira de algumas multinacionais.
Engenheira agrícola de formação, ela está convicta de que os ativos ambientais e o agronegócio são a melhor aposta para o Brasil ter reconhecimento global. Sustainable investments, ou investimentos sustentáveis, têm sido seu foco de atuação na área de gestão de fortunas (wealth management). “Em qualquer processo no qual você retira mais do ecossistema do que adiciona, você não está sendo sustentável. O que precisamos é adicionar valor. É preciso trazer mais do que retirar”, afirma.
Sylvia é entusiasta de reengenharia de processos e tecnologia e conseguiu rapidamente organizar o UBS para o período de isolamento social, investindo em conteúdo, inovação e gestão. Deu certo. O banco teve um ano recorde. A executiva atribui os bons resultados ao time diverso que trabalha na instituição.
“Está mais do que provado que existe uma correlação direta entre diversidade e resultados. Aqui temos metade do comitê executivo formado por mulheres, apesar de termos mais homens na população total do banco, uma curva inversa ao que se costuma observar no mercado financeiro”, comenta, lembrando que a diversidade torna o debate mais rico e que o UBS se juntou a outros bancos para fomentar mais oportunidades de carreira para mulheres para o mercado financeiro.
No início deste ano, Sylvia optou por fazer home office mais próximo da natureza. Está em sua fazenda em Dourado, no interior de São Paulo, lugar que pretende transformar em oásis, com agrofloresta de espécies nativas, horta com plantas medicinais e muitos bichos para cuidar. É nessa conexão com a natureza, a família e os amigos que ela se revitaliza e ganha energia para continuar como uma das poucas mulheres líderes no mercado financeiro. (SG)
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Andrea Marques Teresa Cristina, cantora
A pandemia se mostrou um grande desafio para todos nós, mas para Teresa Cristina o período de isolamento social serviu como uma oportunidade para apresentar o seu trabalho de duas décadas em um palco inédito, para uma plateia nova.
Em março, no momento de maior incerteza e confusão acerca da pandemia, a artista sentiu que precisava encontrar uma forma de distrair sua mãe, absorta nas notícias infelizes sobre o coronavírus. Decidiu fazer lives cantando ao lado dela aos domingos e, quando se deu por si, já tinha virado um hábito diário, atraindo cada vez mais público. “Vi que aquilo me consumia de uma ótima maneira. Passava o dia procurando informações, preparando repertório, foi ocupando meu tempo e minha cabeça. Foi uma redescoberta para mim, me senti confortável com a minha imagem e com a resposta das pessoas”, conta.
Sem grandes cenários e investimentos, Teresa liga a câmera do celular, canta e conversa com seus seguidores. Ao mesmo tempo que já recebeu Marisa Monte, Bebel Gilberto e Caetano Veloso, entre muitos outros famosos, também abre espaço para novos artistas buscando uma oportunidade de mostrar seu talento. Em poucos meses, triplicou o número de seguidores no Instagram (hoje já reúne mais de 380 mil Cristiners, como são chamados seus fãs).
Preocupada com a família, Teresa não aceitou convites para fazer lives fora de casa e acaba de adiar pela segunda vez um show que faria presencialmente. Até a vacinação estar em ritmo mais acelerado, continuará assim. Nome importante do samba, apaixonada pela Portela, passará pelo primeiro Carnaval sem pular. Chegou ao auge da carreira dentro do quarto de sua casa. “Eu pedi tanto a Deus para correr o Brasil com o meu trabalho, desde o início. Nunca tive condições de fazer uma turnê nacional, os contratantes diziam que não me conheciam. Já que não consegui pessoalmente, hoje falo com pessoas de todo o país assim. Isso pode me ajudar no futuro”, profetiza sobre as oportunidades que o sucesso das lives pode trazer.
Teresa faz questão de abrir espaço para mulheres, sejam cantoras, compositoras, instrumentistas, poetisas. Cede os holofotes para que possam brilhar. “É uma sensação tão revigorante, deixa a gente tão forte. Quando as mulheres se juntam é um encontro de águas, não existe divisão de espaço. É uma soma de forças. A quantidade de mulheres talentosas no Brasil é o que dá esperança para nós. [Essa troca] não tem preço, é uma coisa abstrata, emotiva.” Para a artista, uma mulher poderosa é aquela que empodera outras, que é empática com a trajetória da próxima, puxando as mãos para que a corrente se forme e a força cresça. “Estar em evidência é igual moda, vai passar. A evidência não pode chegar na frente do seu discurso, a sobrevivência é diária. Que poder é esse se for só meu, enquanto outras não podem terminar um relacionamento sem medo?” (RS)
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Victor Affaro Teresa Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira
Uma das principais referências femininas do agronegócio no Brasil, assumiu em 2020 a presidência da centenária Sociedade Rural Brasileira. É a primeira vez que uma mulher chega ao comando da entidade. Poderosa, Teresa passou a ser também a primeira mulher presidente da Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm).
Além de levar a diversidade de gênero para um dos ambientes mais tradicionais da economia e organizar grupos de mulheres ruralistas pelo Brasil, Teresa está promovendo outros avanços, entre eles a discussão da questão ambiental entre os produtores rurais.
Logo após a crise das queimadas, ela visitou a Amazônia Legal para conhecer de perto como os produtores locais lidavam com a questão da preservação ambiental. Em plena pandemia, Teresa foi para Marabá (PA), dormiu em assentamentos, conheceu de perto os problemas de regularização fundiária da região e as demandas tanto dos pequenos como dos grandes fazendeiros do norte do país.
Com essa bagagem, passou a fazer parte do Conselho Consultivo Amazônia, formado pelos bancos Bradesco, Itaú e Santander, que tem o objetivo de propor ações completas para a região; e do conselho consultivo do Fundo JBS pela Amazônia, dedicado a fomentar e financiar iniciativas e projetos que visam o desenvolvimento sustentável do bioma amazônico.
Disposta a abraçar toda a complexidade do setor rural, Teresa pegou a estrada e foi ouvir o produtor. Encontrou gente discutindo pecuária orgânica e sustentável no Pantanal e diversos projetos inspiradores para os quais busca dar visibilidade, atraindo principalmente a nova geração de empreendedores do campo. Em 2020, o Rural Jovem, departamento da Sociedade Rural Brasileira, registrou a associação de cerca de 500 jovens, vindos das faculdades de veterinária, zootecnia e outras, atraídos pelo interesse de Teresa em fomentar a pesquisa e o desenvolvimento científico agropecuário.
Socióloga por formação e pecuarista por herança familiar, Teresa utiliza sua habilidade em abrir diálogos para aglutinar os diversos setores que compõem o agronegócio e articular com o restante da sociedade, incluindo o governo, as pautas de interesse do campo.
Em São Paulo, a mobilização promoveu no início do ano um tratoraço para que o governo do estado derrube a lei que aumenta a alíquota de ICMS sobre insumos agropecuários e outros itens que impactam os custos de produção do setor.
No tempo livre, ela gerencia suas propriedades em Flórida Paulista (SP) e no Mato Grosso do Sul, onde prioriza técnicas de melhoramento genético, qualidade de pastagem, sanidade, preservação ambiental e bem-estar animal.
Esse tempo livre deve ficar mais curto no pós-pandemia porque ela quer viajar pelo Brasil e Mercosul para conhecer e agregar as diversas paisagens do que chamamos de agro. Teresa sabe que para fazer a diferença nesse mundão é preciso pegar a estrada. (SG)
Adriana Aroulho, presidente da SAP no Brasil
Em um dia de junho de 2020, Adriana Aroulho ouviu de Cristina Palmaka, então presidente da SAP Brasil, que a busca por um novo líder para a operação brasileira da gigante de software havia começado, e foi convidada para participar do processo. “[Cristina] vinha formando possíveis sucessores e tinha um leque de opções. Perguntei qual era o tempo estimado [para a tomada de decisão], e ela me disse que o processo duraria entre seis e dezoito meses”, conta a carioca criada na capital paulista.
Depois de um pouco mais de um mês,
Adriana foi escolhida para o cargo, após um rápido movimento em cadeia na liderança da empresa, em que Cristina assumiu a direção da América Latina, cargo anteriormente ocupado por Claudio Muruzabal, hoje presidente da empresa para o sul da Europa. “Foi um momento de muita responsabilidade e emoção”, conta a executiva, que antes de se juntar à SAP em 2017 passou mais de 20 anos na HP, empresa em que ingressou como estagiária depois de concluir o curso de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. Lá, tornou-se líder aos 25 anos de idade, fez diversas movimentações laterais e foi responsável pela área de consultoria e de software da empresa no Brasil.
Uma das principais contribuições que Adriana acredita trazer para a liderança de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo é a experiência em três cargos seniores dentro da própria SAP, em que acumulou um repertório importante de gestão: “Em uma grande empresa, ninguém faz nada sozinho, alianças são muito importantes. Existem tensões construtivas por causa de métricas que, muitas vezes, são antagônicas por desenho e é preciso proteger diferentes interesses na empresa”, diz Adriana, que, antes de se tornar presidente da companhia, era COO. “Consigo ter empatia, entender as relações internas e procurar pontos de convergência”, avalia.
Outra marca que Adriana traz para a alta gestão da SAP é a arte: bailarina semiprofissional, a executiva se dedica à dança desde os 4 anos de idade, atividade que também informa seus valores: “[No balé] o que as pessoas geralmente veem é o palco, o produto final, mas por trás daquilo tem horas de prática diária, muitas tentativas até o acerto, dedicação, resiliência”, pontua, acrescentando que traz um “olhar poético” para o trabalho, como as reuniões trimestrais realizadas em diversos museus de São Paulo.
A continuidade da gestão feminina na SAP é testamento do compromisso da empresa com o tema, diz Adriana, que considera a diversidade como um fator importante para a inovação. A executiva quer chegar a 2022 com 30% de mulheres em cargos de liderança na SAP (hoje são 26%). “Quem sabe, chegando aos 30%, conseguimos sonhar com 50%? Mas não pode ser um trabalho só na liderança, temos que trabalhar na base também, na contratação, no desenvolvimento, na cultura de acolhimento.” (AM)
*TEXTOS ANGELICA MARI, DONATA MEIRELLES, GABRIELA ARBEX, MATTHEUS GOTO, REBECCA SILVA E SOLANGE GUIMARÃES
FOTOS ANDREA MARQUES E VICTOR AFFARO
MAKE RENAN TAVARES
TRATAMENTO DE IMAGEM ANDRÉ RICCI E RODRIGO GONÇALVES
EDIÇÃO DÉCIO GALINA E JOSÉ VICENTE BERNARDO
Reportagem publicada na edição 84, lançada em fevereiro de 2021
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