Turismóloga e professora de inglês, Leila Gravano, 55 anos, sempre foi a única negra nas escolas nas quais trabalhou. Depois que começou a dar aulas particulares, precisou migrar para o ambiente virtual por dificuldades financeiras: o dinheiro que recebia dos alunos – adultos entre os 40 e 60 anos – mal dava para pagar os custos de aluguel da sala. “Acabei sendo dona do meu negócio, algo que nunca havia feito. Senti necessidade de me profissionalizar. Busquei cursos de empreendedorismo e só encontrava jovens, o que começou a mexer comigo”, relembra.
Picada pelo bichinho do empreendedorismo, ela começou a perceber quantas pessoas da sua convivência estavam presas dentro de um sistema tradicional, sem perspectiva de melhoria, e notou que inúmeros talentos estavam sendo desperdiçados. Por que não traduzir o conhecimento que estava aprendendo para que outras mulheres pudessem melhorar de vida? “Conheço tantas mulheres da minha geração que enfrentam obstáculos. Cheias de sonhos, mas com limitações. Meu negócio não é inédito, mas trago esse recorte etário e, principalmente, racial.”
Surgiu, então, o Empreendendo aos 50, projeto de mentoria para promover a troca entre mulheres para que elas possam entender melhor como dar o pontapé inicial no próprio negócio quando já não são mais tão jovens.
A própria Leila está tendo de derrubar barreiras. Por causa da pandemia, o projeto precisou ser reformulado, já que o ambiente virtual pode representar dificuldades para pessoas mais velhas, como internet lenta, falta de ambiente propício em casa, celular com tela quebrada. “O empreendedorismo sempre esteve enraizado na vida das mulheres negras, mas por necessidade. Nunca teve o peso do profissionalismo que o mercado exige hoje. E isso assusta”, afirma Leila. Agora, a empreendedora dá o exemplo e enfrenta seus próprios medos e limitações para poder cumprir o propósito de auxiliar mulheres como ela, por meio de um esquecido canal do YouTube, criado em 2013. Um único vídeo havia sido carregado na plataforma, mas mantido oculto, para a inscrição em um curso. Agora, ela se esforça para gravar vídeos curtos, sem edição, para inspirar outras mulheres.
A empreendedora ressalta que o apoio da família é essencial para que as mulheres se sintam capazes de ir atrás dos seus sonhos. “Para muitos, envelhecer é sinônimo de pegar a agulha de crochê, mas essa não é a realidade da maioria. É preciso eliminar essa visão de que somos incapazes porque isso nasce no íntimo e é reforçado pela sociedade”, lamenta. Essa visão é ainda mais primordial no caso das negras, que costumam construir tudo do zero, sem reserva financeira, com dificuldade de acesso a financiamentos em banco e portas constantemente fechadas. Empresários negros têm crédito negado três vezes mais do que os brancos, de acordo com o SBA (Small Business Administration), em um país onde pretos e pardos representam 56% da população e movimentam uma renda própria de R$ 1,9 trilhão por ano.
Com a aceleração do plano de vacinação, Leila espera dar gás no Empreendendo aos 50 e tirar do papel todos os projetos de eventos presenciais que imaginou. A história de superar medos? Viajar de avião era um deles. Com a possibilidade de viajar novamente, quem sabe ela não aproveita para visitar a filha, já adulta, que vive em Lisboa? Só o tempo dirá. Tempo cada vez mais rápido e complicado de acompanhar. “Minha geração foi criada para tudo durar, tudo ser para sempre. Hoje tudo mudou: o celular não dura, ninguém usa mais CD, ter apego ao que você teve um dia é paralisante. Não dá tempo de ficar lamentando como foi um dia. Não vivemos no antigamente. Então o que vamos fazer hoje?”, pergunta.
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