Há 40 anos, quando a maioria dos personagens desta reportagem começou sua vida profissional, havia 32% da população na chamada classe E – em bom português, o grupo que reúne as pessoas mais pobres do país. Na ponta oposta da pirâmide social, em 1974, havia apenas 3,5% dos habitantes do Brasil na classe A. Na época, um ajuntamento de 3 milhões de pessoas. Mas uma pessoa pode estar na classe A e não ser necessariamente rica. E o que dizer daqueles que são muito ricos? Eles representam bem menos de 1% da população inteira do Brasil.
Isso significa que, em quatro décadas, estes personagens galgaram a pirâmide social – muitas vezes sem nenhum alarde – e chegaram ao bloco que reúne os mais abastados do país, algo como 1 milhão de pessoas. Ou seja: estamos falando de gente que ascendeu de uma pobreza sofrida para frequentar as salas do poder em Brasília. Pessoas que mal tinham o que comer e hoje jantam nos restaurantes mais finos do Rio e São Paulo. Fulanos que passavam em brancas nuvens no Natal e hoje podem comprar uma, duas ou três fábricas de brinquedos se quiserem.
O sucesso dessas pessoas só reforça o fato de que o Brasil, apesar de sofrer grandes dificuldades de infraestrutura e na condução de sua economia, ainda é um dos países com maior mobilidade social do mundo. Os números de FORBES Brasil ajudam a entender essa tese. O Brasil é o quinto país com o maior número de bilionários em todo o mundo, superando nações tradicionalmente muito mais ricas. Tome-se, nestes últimos 40 anos, outro número expressivo. Se no início dos anos 1970 havia apenas 3,5% da população na classe A, hoje temos 24,4%, ou 44 milhões de habitantes.
Quando os americanos querem enaltecer seu país, dizem “only in America”. Aqui, geralmente, o “só no Brasil” é dito de uma forma pejorativa, reforçando nossas piores características. Diante desses exemplos de sucesso, porém, fica a pergunta: não será o caso de começarmos a nos orgulhar das riquezas que aqui são criadas? E criar um novo e positivo sentido para a expressão “só no Brasil”?
1. Edson Godoy Bueno
“SEJA SEMPRE HUMILDE”
Dizem que as pessoas revelam sua verdadeira personalidade jogando um esporte pelo qual são apaixonadas. Tome-se o exemplo do empresário e médico Edson Godoy de Bueno, fundador e presidente do Conselho de Administração da Amil, uma das maiores operadoras de plano de saúde do país. Bueno é um entusiasta do tênis. Gosta tanto desse esporte que tem quatro quadras em sua casa de praia.
No início do mês, num torneio de tênis entre empresários e executivos, Bueno chegou à final na disputa de duplas. Na quadra, ficava totalmente concentrado, de frente para a rede, sem mexer um músculo. Após o saque adversário, jogava-se numa movimentação frenética pela quadra. Quando errava, ralhava consigo mesmo por apenas dois ou três segundos. E passava para frente.
Ele é daqueles que fazem qualquer coisa para ganhar uma partida? Não. Embora seja muito competitivo, Bueno é o fairplay em pessoa. Ao enxergar que o saque de seu time tinha resvalado na linha adversária, fato que o time oposto não havia percebido, não teve dúvida: parou a partida e disse que a jogada não tinha sido válida.
Ao final da partida, que ele perdeu, colocou um sorriso no rosto, cumprimentou os vencedores e zerou a fatura – como, aliás, costuma fazer em qualquer situação. “Pergunta para a minha mulher se eu chego em casa deprimido, preocupado ou com raiva”, desafia. “Isso nunca aconteceu e nunca vai acontecer.”
Bueno é hoje reverenciado pelos adversários e empresários de outros setores, especialmente por conta de sua trajetória. De fato, ele veio de longe. Muito longe. Ainda menino, perdeu o pai, o que deixou sua família numa situação financeira delicada. Para ajudar as finanças em casa, até a adolescência, o garoto Edson ajudava no orçamento como engraxate na cidade de Guarantã, próxima a Bauru, no estado de São Paulo. Vida difícil, cheia de provações e de privações.
Lições desse período? “Seja sempre humilde”, disse ele em entrevista à FORBES Brasil. “Nunca mudei em minha humildade, pois foi com ela que conquistei tudo o que tenho até hoje.” Hoje, ocupa o posto de número 639 do ranking dos bilionários da FORBES, com US$ 2,8 bilhões no bolso.
Como todo bom brasileiro, foi aos poucos customizando sua própria religião. Do catolicismo buscou a fé nos santos e em Jesus. De Alan Kardec, os ensinamentos do espiritismo. E, de Buda, o conceito de Karma. “Acredito muito no Karma”, afirma. “Nós pagamos pelo mal que fazemos. É por isso, também, que deixo a humildade me guiar.”
Curiosamente, este homem de fé inabalável viu recentemente seu filho, de 23 anos, revelar-se agnóstico. Ele aceitou a posição do filho, mas fez questão de mostrar-lhe seu ponto de vista. “Eu disse a ele: viver sem fé é difícil. É muito bom contar com a própria fé quando se tem um problema. Se você é agnóstico, vai se apoiar em quem?”, questiona.
Bueno, como muitos empresários de sucesso, é insistente. Garoto, teve de repetir quatro vezes a quarta série do primário (5ª série do ensino fundamental, hoje). Depois dessa experiência, sofreu um acidente durante uma brincadeira e foi levado ao pronto-socorro de sua cidade. Foi reavivado pelo único médico da região. Ficou tão encantado pela profissão que resolveu naquele momento que iria ser médico quando crescesse. Em função das repetências, formou-se somente com 28 anos. E, recém-saído da escola, recebeu uma proposta inusitada da clínica de saúde na qual trabalhava: assumir as dívidas e ficar com o negócio. Impetuoso, Bueno topou e fez dessa pequena clínica o ponto de partida da Amil, que tem hoje milhões de planos de saúde vendidos.
2. Alberto Saraiva
“FRACASSO É DESISTIR ANTES DA HORA”
Alberto Saraiva, fundador e dono do Habib’s, foi obrigado a parar a faculdade de medicina após seu pai, um português, ser assassinado durante o assalto à pequena padaria que tinha em São Paulo. A tragédia marcou a vida de Saraiva para sempre, não só pela dor, mas também pela mudança de rota. O que poderia resultar no pior futuro profissional, na verdade, foi o impulso que faltava para aflorar o lado empreendedor do jovem estudante de medicina.
“A padaria que herdei de meu pai era a pior do mundo, com equipamentos sucateados, funcionários sem qualificação, cinco concorrentes no entorno e preços tabelados pela Sunab. Cheguei muito perto de desistir dela, mas não o fiz. Eu a reergui assumindo o papel de padeiro, fazendo os melhores pães da região e vendendo 30% mais barato que os outros. Em pouco tempo havia filas na minha porta. Da pior, eu a transformei na melhor do bairro. É preciso acreditar e insistir”, ensina Saraiva.
No início da Ragazzo, rede de comida italiana do grupo Al Saraiva, o cardápio foi modificado 19 vezes. “Hoje, a rede faz muito mais sucesso do que esperávamos. E se tivéssemos desistido na quinta ou sexta vez? Nunca admiti a situação de fracasso. Fracasso nada mais é do que desistir antes da hora. Dificuldades, ao contrário de me desestimularem, me motivam. Por mais que forem pensadas e planejadas, as coisas nem sempre dão certo na primeira vez.”
Saraiva conta que sua grande ambição sempre foi ser o melhor no que ele se propunha a fazer. Teve vários negócios durante a vida. “Quando tive a padaria, era o melhor padeiro; quando tive pizzaria, era o melhor pizzaiolo; quando abri o Habib’s, era o melhor esfiheiro; agora me dedico a fazer do Habib’s o melhor fast-food do Brasil. Acima de tudo sou um comerciante, algo que aprendi muito cedo, ainda criança, acompanhando meu pai, que vendia doces pelo interior do Paraná num pequeno caminhão.”
Em 2013, o Habib’s celebrou 25 anos com mais de 400 lojas em 100 cidades e uma operação verticalizada, com fábricas, centros de produção, sistema de call center e entregas.
3. Janguiê Diniz
“SEMPRE CONSEGUI ESTUDAR SEIS HORAS POR DIA”
Quais as chances de um menino humilde de uma cidade pequenina do interior da Paraíba (Santana dos Garrotes), que começou a trabalhar aos 8 anos de idade como engraxate, depois vendedor de mexericas e, mais tarde, de picolés, transformar-se em um bilionário, dono do maior grupo de educação do Norte e Nordeste do país, com 24 unidades em operação e mais de 110 mil alunos que estudam de direito a medicina? Diante de um começo tão ingrato, qualquer um diria zero. Mas Janguiê Diniz, 49 anos, presidente do Grupo Ser Educacional, holding controladora das Faculdades Maurício de Nassau (Uninassau) e Joaquim Nabuco, dentre outras instituições de ensino, foi longe. Tão longe que, no ano passado, estreou na Bolsa. A empresa da qual é controlador com 71% está avaliada em cerca de R$ 2,6 bilhões. E esse patrimônio não é tudo. “Aí não estão inclusos os imóveis do grupo, que dão uns R$ 500 milhões (neste caso, ele é o único dono).” Em paralelo, tem negócios na área de comunicação, infraestrutura, moda e informática. Sua participação em todos é como investidor.
Herbert Steinberg, presidente da consultoria Mesa Corporate Governance, que ajudou na montagem do conselho de administração da Ser Educacional e que atende Diniz há anos, conta que o fundador do grupo é o rei da educação no Nordeste. “O negócio criado pelo Janguiê é de tão alto potencial de crescimento que, em outubro de 2013, quando as coisas não estavam indo bem na Bolsa, ele conseguiu levantar R$ 620 milhões. Não foi por acaso que o Grupo Ser atraiu o interesse dos investidores.”
Sorte? Networking? Jogada de mestre? Não. Mas uma combinação de disciplina e determinação. E isso não é conversa da boca para fora. “Como eu vim de uma família muito pobre, era por meio do estudo que eu buscava alcançar meus objetivos. Sou uma pessoa muito determinada. Costumo, inclusive, me definir como obstinado. Achei que a única forma de vencer na vida era traçar metas, fugir do status quo. Ou ganhava na loteria, ou estudava. Consegui fazer letras, mestrado e doutorado. Sempre cumpri metas como a de estudar seis horas por dia, mesmo aos sábados, domingos e feriados. Se ficasse doente e não pudesse estudar um dia, pagava as horas no outro”, afirma Diniz à FORBES Brasil.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, o empresário faz questão de enfatizar que nunca faltou comida na mesa de casa. Exigentes, os pais o obrigavam a estudar. E ele estudou. Em escola pública. E, em paralelo, passou a trabalhar, ainda na infância. Quando finalizou o ensino básico, aos 14 anos, Diniz se mudou para o Recife, pois em Pimenta Bueno (RO), cidade onde então vivia, não havia ensino médio. Já na capital pernambucana, foi morar com um tio, com quem trabalhou como digitador, e o grande responsável por abrir seus olhos para o direito. Nessa época, trabalhava e estudava para o vestibular, pois não teria condições de fazer uma faculdade particular. “No primeiro vestibular, fui aprovado na Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco.”
Fazer mais do que o necessário é um dos conselhos de Diniz. Foi assim, na batalha contra as adversidades, que o empresário foi, mais tarde, aprovado no concurso para juiz, procurador, até chegar ao status atual. “Eu fui um garoto que não participou de baladas. Enquanto meus colegas da escola estavam nas festas, eu estava estudando para passar no vestibular da Federal.”
E ser pobre não é desculpa. Ele lembra que existe o Prouni – Programa Universidade para Todos. “Tudo que conquistei na minha vida foi oriundo dos estudos. Foi estudando que consegui cursar direito e letras, fazer pós-graduação, mestrado e doutorado.” Com a vida, aprendeu outra lição: bem preparado pelos estudos, é preciso também ser perspicaz para ficar atento às oportunidades. Era sua vontade, desde cedo, ter um negócio na área de educação.
Enquanto estudava, percebeu que haviam poucos cursinhos especializados e, então, decidiu que quando conquistasse seu objetivo inicial de ser um magistrado, iria ensinar outros interessados como se preparar para a prova. “Quando fui aprovado no concurso para juiz do trabalho, comecei com um cursinho em uma sala, onde eu mesmo ensinava. O número de alunos foi crescendo e precisei trazer alguns outros professores para me ajudar. Assim surgiu o Bureau Jurídico. Daí para frente, tudo foi consequência.”
4. Carlos Wizard Martins
“PENSE ALTO, GRANDE E POSITIVO”
O mórmon Carlos Wizard Martins, fundador do Grupo Multi, que engloba redes de ensino como Wizard e Yazigi, tem uma história fortemente marcada pelo empreendedorismo antes de vender seu negócio à Pearson e aparecer na lista dos bilionários da FORBES, com uma fortuna de US$ 1 bilhão. De família humilde, largou os estudos aos 17 anos e decidiu tentar a vida nos Estados Unidos. Chegou à América com uma passagem aérea financiada em dez vezes e apenas US$ 100 no bolso, conquistados em uma rescisão contratual com seu empregador. Lá, trabalhou como garçom.
Anos mais tarde, foi aceito na Universidade Brigham Young, em Utah. Ao retornar ao Brasil, chegou a dar aulas de inglês na sala de sua casa até fundar, em 1987, a rede Wizard na cidade de Campinas (SP). Com o slogan “Fale inglês em 24 horas”, cresceu por meio de franquias e chegou a todos os cantos do país.
“Desde muito cedo, desejei acumular riquezas e construir um grande patrimônio. Aprendi que a independência financeira, a prosperidade e o sucesso são possíveis a todos, mas não são fruto do acaso. A conquista só acontece para quem deseja muito e tem disciplina para alcançar a vitória”, conta.
De origem humilde, Martins lembra dos conselhos da mãe. Quando era menino, ela costumava dizer: “Pense alto, pense grande, pense positivo, querer é poder. tudo que você desejar na vida você alcançará”. Com o pai aprendeu o valor do trabalho e da integridade. “Costumo dizer que o sucesso acontece quando a preparação encontra a oportunidade. O que muita gente não sabe é que às vezes a oportunidade aparece disfarçada em forma de trabalho.”
Antes de se tornar um bilionário, Martins fracassou. Muito e por inúmeras vezes. Nunca foi um aluno exemplar. Ainda no colegial foi reprovado, abandonou os estudos e somente conseguiu se formar no ensino fundamental aos 22 anos. Como empreendedor, tem uma lista extensa de negócios fracassados. “Pessoas que vivem presas a reveses do passado não progridem”, ensina.
5. Alexandre Costa
“MISTURE CORAÇÃO E RAZÃO”
Alexandre Costa, dono e presidente da Cacau Show, nasceu em uma família muito humilde – seu pai era tecelão e a mãe, vendedora de porta em porta. Ele sonhava em ser roqueiro, mas a realidade o levou para um posto de gasolina. “Ficava ao lado da bomba de combustível, em caso de os motoristas precisarem dos meus serviços”, recorda. Morador do bairro da Casa Verde, em São Paulo, teve uma ideia na Páscoa de 1988 que mudaria sua vida para sempre. Três anos antes, sua mãe e sua tia criaram um catálogo de chocolates caseiros e o batizaram de Cacau Show. O negócio, no entanto, nunca saiu do papel. Naquele ano, contudo, o jovem de 17 anos estava disposto a ganhar dinheiro a partir da venda de ovos de chocolate. Conseguiu uma encomenda de 2 mil unidades de 50 gramas cada. O plano era comprar tudo de um fornecedor, vender, pagar a dívida e ficar com o lucro. Tudo parecia perfeito não fosse um detalhe: o fabricante não produzia ovos tão pequenos. Para honrar o compromisso, resolveu produzi-los por conta própria. O tio conseguiu levantar US$ 500, valor usado para comprar matéria-prima em um atacadista de doces. Lá conheceu uma senhora que produzia chocolates caseiros e aceitou ajudá-lo. “Foram três dias seguidos de trabalho, com jornadas diárias de 18 horas para cumprir o prazo”, lembra.
“Mas paguei a senhora, o material, devolvi o dinheiro ao meu tio e ainda tive US$ 500 de lucro. Entendi que se tratava de um bom negócio, fiz as contas e vi que havia espaço para vender chocolates finos a preços acessíveis.” No começo, os produtos eram vendidos por meio de catálogo. Hoje, a empresa contabiliza mais de 1,6 mil lojas em todo o país e é considerada a maior rede de chocolates do mundo. No ano passado, Costa criou a holding Cacau Par, que nasceu com um capital de US$ 50 milhões para uso em novos projetos e aquisições. Os conselhos de Costa para quem quer construir um negócio campeão são: faça um bom planejamento, busque diferenciais, tenha disciplina, recicle-se sempre e mantenha os pés no chão. “Tente encontrar a mistura perfeita entre o coração e a razão. Sonhar é importante, mas sem deixar de lado os números”, acredita.
6. Daniel Mendez
“SÓ SE VENCE TRABALHANDO MUITO”
o ex-garçom uruguaio Daniel Mendez conseguiu, em 21 anos, transformar-se no dono de uma das maiores empresas de refeições coletivas do Brasil. Ele é o fundador da Sapore, negócio que faturou R$ 1,2 bilhão líquido no ano passado a partir do fornecimento de 1 milhão de refeições por dia em 1,1 mil restaurantes de empresas de todo o país. Da Vale à Fiat. O próximo passo agora é aguardar a aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para iniciar a operação da Sabor Raiz, joint-venture estabelecida com a gigante Raízen, cujo objetivo é levar restaurantes para 100 postos de estrada da marca Shell.
Só que antes de chegar aonde chegou, este filho de maître e cabeleireira teve que servir muita mesa. A experiência em Jaguarão (RS), município de 28 mil habitantes e fronteiriço com o Uruguai, foi definitiva para o seu futuro sucesso. Mendez, então um menino de 14 anos, estudava de manhã do lado uruguaio e corria para o pequeno restaurante do pai do lado brasileiro para servir os clientes. Ele trabalhava no almoço e no jantar, todos os dias, incluindo os fins de semana. Mas ele não queria aquela vida. Para fugir do destino de garçom, mudou-se para Porto Alegre, onde foi trabalhar no RH do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola).
Mendez tentou fugir do destino, mas o destino não abriu mão dele. Algum tempo depois, foi parar novamente na cozinha. Desta vez na do Hotel Embaixador, um quatro estrelas da capital gaúcha. “Comecei como cumim e abria o café da manhã todo dia às 5h. Mas não queria aquela vida. Olhei para fora e percebi que em supermercado não se trabalhava aos domingos. Mudei de emprego e iniciei como encarregado de lanchonete, depois gerente de lanchonete e, mais tarde, gerente de rotisserie do supermercado, quando consegui lançar pratos de sucesso. Mas não queria trabalhar aos sábados.”
Resolveu sair e foi atuar na área operacional de uma empresa de refeições coletivas do Rio Grande do Sul. Ficou lá seis anos e aumentou em dez vezes o número de refeições servidas por dia. “Era moleque, simpático, conhecia muito de alimentação e já havia aprendido com meu pai a fazer pratos diferenciados e decorá-los.” Essa experiência o levou a se mudar, aos 30 anos de idade, para Campinas (SP) e a fundar a Sapore. “É preciso sonhar alto, persistir. Só se vence trabalhando muito. Não conheço outra forma”, conta o empresário de 51 anos.
7. Miguel Abuhab
“O SUCESSO VEM DE OUSAR”
Miguel Abuhab, fundador da Datasul (empresa de software que vendeu para a Totvs por US$ 778 milhões), cita uma frase inspiradora que demonstra sua veia empreendedora: “Se a oportunidade não bater, construa uma porta”, diz, ao citar seu guru, o físico israelense Eliyahu Goldratt. Advindo de uma família humilde de imigrantes judeus, é o mais novo de oito filhos. “Apesar das dificuldades, meus irmãos me ajudaram nos estudos e consegui me formar pelo ITA [Instituto Tecnológico da Aeronáutica]. Depois, fui trabalhar com um ex-professor em sua pequena consultoria. Fui encarregado por um projeto da nova fábrica de refrigeradores Consul, em Joinville (SC). Após esse projeto, recebi uma proposta para ficar na Consul e tive a oportunidade de implantar um sistema de controle de produção por computador”, recorda. Pouco tempo depois, Abuhab passou a oferecer sistemas de controle de produção para diversas empresas de manufatura no Brasil. Nascia assim a Datasul, que mais tarde se tornou uma das maiores empresas de sistema de gestão empresarial do país, chegando a atender mais de 4 mil clientes. Em 2008, a Datasul foi incorporada à Totvs.
Abuhab também fundou a NeoGrid por entender que a tecnologia da internet poderia mudar as regras de negócio. “Anteriormente a essa tecnologia, os ERPs enxergavam apenas a empresa como uma operação isolada de seus clientes e fornecedores. Com a internet, a regra de negócio pôde ser mudada e a NeoGrid passou a integrar as empresas a partir de softwares de B2B.” Hoje, a NeoGrid possui escritórios até em Tóquio. “Sempre fui determinado e gostei de resolver problemas, era bom em matemática. Empreendedor precisa ousar, quebrar algumas regras da disciplina, e daí vem o sucesso.”
8. Zica Assis
“VENDEMOS AUTOESTIMA”
Insatisfeita com os cabelos muito crespos e sem maleabilidade, a faxineira Heloisa Helena Belém de Assis (conhecida por Zica), natural da comunidade Catrambi (RJ), resolveu buscar uma solução. Nos anos 1970, contudo, ou a mulher alisava os fios com produtos que prejudicavam demais as madeixas ou assumia o chamado black power. Decidida, fez um curso de cabeleireiro na igreja da comunidade e estudou, durante dez anos, o fio crespo. A partir de inúmeras misturas e testes de cremes e produtos capilares, cujo intuito era chegar a um resultado de cabelo natural, criou uma fórmula “super-relaxante”.
O passo seguinte era abrir um salão, negócio que se concretizou em 1993, a partir da combinação de várias economias: seus mais de 13 anos trabalhando como faxineira e a partir da venda do único bem da família, o Fusca do marido, Jair. As economias da amiga Leila Velez e do irmão Rogério Assis, que trabalhavam em uma rede de fast-food, também ajudaram.
Foi assim que nasceu o salão, hoje conhecido por Instituto Beleza Natural, em uma pequena sala do bairro da Tijuca (RJ). Sem dinheiro para divulgação, os primeiros anúncios eram pequenos cartazes colados nos vidros dos ônibus que circulavam pelo bairro e diziam “se seus cabelos são um problema, nós somos a solução”. As clientes começaram a formar filas na porta.
Hoje, são 20 salões em quatro estados brasileiros, empreitada que rendeu a Zica Assis diversos prêmios como o das “10 Mulheres de Negócios Mais Poderosas do Brasil”, da FORBES, em 2013. “Não vendemos produto, vendemos autoestima”, afirma Zica. Hoje ela atende 100 mil clientes por mês só para fazer tratamento em 20 unidades de quatro estados. O GP Investiments adquiriu 33% do negócio. “Acho que tudo que fiz na minha vida até hoje teve um dedinho de Deus. Mas a gente tem que fazer por merecer. Sucesso é você poder trabalhar com aquilo que ama.”
9. Arri Coser
“QUANDO AVANÇAR E FREAR”
Aos 14 anos, o gaúcho Arri Coser começou a trabalhar em restaurante, atuando nas mais diversas funções – de lavador de pratos a garçom. Com apenas alguns tostões no bolso, tinha um sonho: ser dono de uma grande churrascaria. Em 1979, ao lado do irmão Jair, deu seu primeiro grande passo. Abriu um restaurante simples em Porto Alegre, negócio que se transformaria em um verdadeiro império da carne chamado Fogo de Chão.
Fundador e gestor da marca por mais de 30 anos, o empresário chegou a abrir cerca de 23 filiais, sendo a maior parte nos Estados Unidos. Em 2011, vendeu a rede composta então por 25 unidades e uma receita de US$ 195 milhões para a GP Investiments. O valor da venda ele não revela até hoje.
O segredo do sucesso? “Poderia ficar dias a fio listando as razões pelas quais obtemos sucesso na vida. Mas o mais importante foi desenvolver a sensibilidade de perceber a hora de avançar e frear nos negócios. Reconhecer as oportunidades na hora em que surgiram. E trabalho duro, é claro.” Independentemente da hora que se escolha atuar, ele diz ser essencial ter foco. “Permanecer full time nos negócios. E fazer projeto de longo prazo, no mínimo de 15 ou 20 anos.”
Com milhões no bolso, Coser poderia ter se aposentado. Mas não: surpreendeu o mercado ao anunciar o projeto da marca NB Steak, um rodízio de carnes nobres. E não é só isso. Aos 51 anos, ele também acaba de montar o empório de carnes NB Market, que oferece cortes de carne premiados, vinhos, cervejas especiais e cachaça. Arri está no comando da expansão das marcas Maremonti Pizza & Cucina, cujo intuito é criar uma rede nacional de pizzarias.
10. Ailton Caseli
“OU VOCÊ CRESCE, OU DESAPARECE”
Ailton Caseli, estudante de um internato de Colatina (ES), tinha 15 anos quando seu pai faleceu. O menino foi obrigado a deixar os estudos para procurar emprego. Conseguiu uma vaga de aprendiz no cartório da cidade enquanto a mãe foi trabalhar em uma fazenda de café. Lá, um escrevente sempre dizia que ele deveria mirar nas Lojas Pernambucanas, “o emprego dos sonhos, promissor e estável”. Em paralelo, o menino completou o segundo grau. Aos 18 anos, ele finalmente conseguiu ser contratado pelas Pernambucanas para ser auditor de loja no Rio de Janeiro, matriz da empresa. Três anos depois foi promovido a gerente de loja. Com o passar dos anos, percebeu que não tinha perspectiva para crescer dentro da empresa. “Comecei a economizar, até que surgiu a oportunidade de vir para o Mato Grosso como gerente da Pernambucanas de Cuiabá. Fui transferido e, após três anos, fiz um acordo para sair. Em 1978, abri uma loja de 50 metros quadrados no centro da cidade, a Maracanã dos Tecidos.”
Com o tempo, percebeu que havia necessidade de crescer não só pela ambição da expansão, mas como defesa. A concorrência no comércio sempre foi agressiva. “Ou você cresce, ou desaparece.” Foi aí que abri a segunda, terceira loja. Mas muitas unidades de uma mesma marca na mesma cidade não faziam sentido. Foi assim que Caseli criou uma segunda marca, a Tecelagem Avenida, que ele chama de “concorrente de fachada”, pois os produtos e preços eram praticamente os mesmos.
Com o tempo, para não ter duplicação de custos, resolveu manter apenas uma marca, que ganhou o nome de Lojas Avenida, varejista de moda que fechou 2013 com 113 lojas em 13 estados e faturamento de R$ 520 milhões. O pulo do gato da chamada “C&A do Centro-Oeste” foi a expansão para cidades do interior. Em março, 25% da empresa foram vendidos ao Kinea, fundo do Itaú, por R$ 250 milhões. Ou seja, aquele menino do internato conseguiu criar um negócio avaliado em R$ 1 bilhão. O próximo passo? IPO em um prazo de três a quatro anos e expansão em regiões onde a marca não está presente. A lição de Caseli? “O homem inteligente faz o que gosta. O sábio gosta do que faz.”
Ele merece nota 10 em pragmatismo.
OUTRAS INSPIRAÇÕES
11. Alair Martins
Mineiro nascido em Martinésia, a 20 quilômetros de Uberlândia, aos 19 anos convenceu a família a usar as poucas economias para abrir um pequeno armazém de secos e molhados, o embrião do futuro atacadista Grupo Martins (veja matéria à página 77).
12. David Pinto
Começou como office-boy na Microlins aos 17 anos. Cresceu dentro da empresa até chegar ao setor de expansão. É o fundador da Resolve Franchising, que faturou R$ 350 milhões em 2013 e tem negócios como a Doutor Resolve Reparos e Reformas.
13. Itamar Serpa Fernandes
Fundador da Embelleze, empresa de beleza, trabalhou como office-boy e foi cobrador de ônibus. Passou
no vestibular de Engenharia Química em duas universidades públicas (Uerj e UFRJ). Em 1969, junto com dois amigos, criou o negócio.
14. José Batista Sobrinho
Mais conhecido por Zé Mineiro, comprava boi para revender aos frigoríficos. Em 1953, resolveu abrir com o irmão um açougue em Anápolis (GO). Hoje, a JBS é a maior produtora de proteínas do mundo.
15. José Carlos Semenzato
Filho de pedreiro e dona de casa, aos 12 anos ele já ajudava na renda de casa vendendo coxinha de porta
em porta. Um pouco mais velho, chegou a trabalhar em uma copiadora e, depois, como programador. Fundou a Microlins (posteriormente vendida) e a SMZTO Holding de Franquias, que tinha negócios como Casa X (da Xuxa), L’Entrecotê Paris e Instituto Embelleze.
16. Junichiro Yamada
O ex-produtor de carvão, vendedor de frutas, hortaliças e fritador de peixe, é o grande nome por trás
do Grupo Yamada, hoje o mais forte supermercadista do norte do país.
17. Lirio Parisotto
Nascido em Nova Bassano (RS), abandonou a vida de agricultor aos 13 anos para se tornar seminarista,
depois bancário, médico, comerciante, até chegar a industrial dono da Videolar e investidor da Bolsa.
18. Luiz Barsi Filho
Filho de imigrantes europeus que chegaram ao Brasil sem dinheiro algum, começou trabalhando como ajudante
de operador de pregão, quando passou a aplicar o que sobrava do salário em ações. Hoje é um dos bilionários da Bolsa.
19. Marcos Molina
Neto e filho de açougueiros, nasceu em Mogi Guaçu (SP), onde começou a trabalhar aos 12 anos. Foi emancipado aos 16 anos e passou a comprar bucho, rabada e língua de importadores, a preços muito baixos, e a revendê-los a supermercados e açougues.
20. Ricardo Nunes
Aos 12 anos, após a morte do pai, começou a vender mexericas na rua. Seis anos mais tarde, passou a transportar bichos de pelúcia de São Paulo para vender em sua cidade, Divinópolis (MG). Em 1989, abriu
com a família uma loja minúscula chamada Ricardo Eletro.
21. Salim Mattar
Neto de libaneses, começou a trabalhar cedo como office-boy. Aos 23 anos, financiou a compra de seis Fuscas usados, dando origem à Localiza, hoje a maior rede de aluguel de carros da América Latina.
22. Samuel Klein
Polonês naturalizado brasileiro, vendia roupas de cama, mesa e banho em uma charrete, de porta a porta, pelas ruas de São Caetano do Sul (SP). Quando alguém não podia pagar, oferecia a quitação em prestação, um dos grandes méritos de sua Casas Bahia.
23. Sergio Amoroso
Filho de agricultores, nasceu em um sítio em Birigui (SP). Começou a trabalhar aos 10 anos e chegou a passar fome na capital paulista. Fundou o Grupo Orsa, gigante da área de celulose e papel para embalagens. É presidente do conselho do Graac.
24. Sidney Oliveira
Nascido em Umuarama (PR), nunca frequentou uma escola. Alfabetizou-se sozinho com a ajuda dos livros do Mobral e, aos 9 anos, foi trabalhar em uma farmácia. Enriqueceu com sua Ultrafarma.
25. Silvio Santos
O apresentador e empresário começou a trabalhar aos 14 anos como camelô no Rio de Janeiro. Ele vendia capas de plástico para embalar o título de eleitor e canetas tinteiro. Tempos mais tarde trabalhou como locutor de rádio até criar o império de tevê.
Publicado na revista FORBES Brasil de maio de 2014