Ele é mais ágil que um piscar de olhos – e não se está falando aqui de coisas indefiníveis e distantes, como a velocidade da luz ou a força do pensamento. Na verdade, mais breve (precisamente, três vezes mais breve) que uma piscadela é o tempo no qual se dá a troca de informações em meios eletrônicos cada vez que alguém usa um cartão de crédito. É o que conta, em entrevista à FORBES Brasil, João Pedro Paro, presidente da Mastercard no país e em outras quatro nações sul-americanas (Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai). “Tornamos o processo de uso de nosso produto rápido, seguro e amplamente disseminado – hoje em dia, quase todo estabelecimento vende via cartões. Mas há uma nova fronteira à frente, uma nova tendência, e estamos atentos a ela já há alguns anos”, revela Paro. Qual? “O uso de celulares, roupas, automóveis e até pares de óculos para efetuar pagamentos. Esse é o futuro”, responde Paro. “E nós queremos estar nele.”
Tal determinação nasceu em um momento específico da história de 47 anos da companhia (a Mastercard surgiu, em seu formato atual, em 1966 nos EUA). Na metade de 2010, o executivo indiano Ajaypal Singh Banga foi anunciado como seu novo CEO global. Após sua posse, ele determinou que a empresa passasse a investir ainda mais em tecnologia, para adequar-se ao que via como o futuro da indústria de meios de pagamento: o emprego de gadgets os mais diversos para compras. Banga (um homem de 54 anos, que usa sempre um vistoso turbante negro e barba, exigências de sua fé sikh) ampliou o centro tecnológico do grupo, em Saint Louis, no Missouri, e os chamados Masterlabs, os “laboratórios de novas ideias” da Mastercard; hoje, há unidades do tipo na Irlanda, em Cingapura, na Austrália e nos EUA. “Estamos criando novos Masterlabs. Em algum momento, é possível que um deles seja aberto no Brasil”, adianta Paro.
O lucro líquido mundial da empresa no segundo trimestre deste ano cresceu 9,8%, atingindo US$ 931 milhões, ante US$ 848 milhões em igual período de 2013. A empresa tem cerca de 11 mil funcionários em todo o mundo (pouco mais de 200 no Brasil), e está presente em 216 países. Nos últimos dias de agosto, a companhia informou esperar que sua receita líquida dobre na América Latina ao longo dos próximos quatro a cinco anos. “Existe muito mais crescimento na América Latina – em termos de expansão percentual em base anual – do que em lugares como os Estados Unidos e a Europa”, disse na ocasião Ann Cairns, que comanda os negócios da Mastercard fora da América do Norte. “O motivo é que se tem uma combinação de gastos (maiores) dos consumidores e uma mudança secular, do dinheiro para pagamentos eletrônicos”, acrescentou a executiva ao final de um tour pela região.
“No futuro, e este futuro talvez esteja muito próximo”, explica Paro, “as pessoas provavelmente poderão pagar suas contas apenas movendo os olhos, por mais incrível que isso pareça hoje”. Ele está se referindo aos novos usos que aparelhos como o Google Glass (uma espécie de óculos que disponibiliza uma pequena tela acima do campo de visão) deverão ter em breve. “Também vão pagá-las apertando um botão em seu carro ou em sua moto, ou por meio de algum gadget acoplado a um casaco. E, é claro, vem aí a onda de transações via celular. O que nossa empresa busca, no Brasil e no resto do mundo, é ser a fornecedora de soluções a todas essas novas formas de pagamento e à quaisquer outras que surjam. Não estamos deixando o setor de cartões, de forma alguma – estamos agregando novos negócios àquilo que já fazemos.”
E, de fato, parece ser esse o sentido da corrente. No início de setembro, por exemplo, foi anunciado que os próximos telefones celulares da Apple, o iPhone 6 e o iPhone 6 Plus (e também o primeiro modelo de relógio da empresa, o Apple Watch) serão capazes de operar como uma carteira digital móvel. Para tanto, a companhia do Vale do Silício está trabalhando com empresas como Visa, American Express e a própria Mastercard. E esse deve ser só o primeiro de muitos anúncios semelhantes que virão. Paro acredita que, em breve, inúmeros gadgets já sairão da loja equipados para servir como plataforma de pagamento para compras.
O executivo discorre sobre tais assuntos de seu escritório, na sede paulista da Mastercard. É um homem magro, que aprecia esportes (corrida e equitação). Nasceu no município de Colina, interior paulista (um entre seis irmãos), e cedo mudou-se para os EUA, onde fez o equivalente ao nosso curso secundário. Ao voltar para o Brasil, graduou-se (em 1982) em engenharia mecânica e construiu sua carreira em bancos, tendo trabalhado no Itaú, Citibank, ABN AMRO e outros. Em 2008 juntou-se à Mastercard; em setembro de 2013 foi nomeado presidente da companhia no país. O último livro que leu foi Sonho Grande, que conta a trajetória dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Discreto, revela apenas que sua marca preferida de automóveis é BMW e seu restaurante predileto, o paulistano Gero.
“O Brasil é nada menos que a segunda nação mais importante do planeta para a indústria de meios de pagamento. Só está atrás, nesse ranking, dos Estados Unidos”, conta Paro, causando espanto. Mas e a China, com sua enorme população e economia pujante? “A China não entra na lista, pois é extremamente fechada. Eles têm seus próprios cartões e seu próprio sistema de compensação, que só funciona dentro de suas fronteiras. Assim sendo, é de fato o Brasil o segundo mercado do mundo para nossa atividade.” Mas, então, qual o potencial de expansão que os pagamentos eletrônicos ainda ostentam por aqui? Enorme, garante. “A maioria das pessoas fica surpresa quando sabe disso, mas 55% dos salários no Brasil ainda são pagos em dinheiro”, conta ele (frisando que tal porcentagem refere-se à quantidade de operações, não aos valores). “Ou seja, temos realmente muito espaço para crescer.” E quais novidades a Mastercard local está tirando da manga para conquistar tal espaço?
Primeiro, há o programa de relacionamento da própria Mastercard, por meio do qual qualquer cliente que tenha um cartão da companhia – e isso independe de quem o tenha emitido – pode trocar os pontos que acumula, fazendo despesas, por benefícios. Há mais de 700 ofertas disponíveis no site da Mastercard. E, além disso, há o Mastercard Controle, uma ferramenta pensada para que o consumidor possa controlar seus gastos e manter-se protegido, além de ajudá-lo na administração de despesas. Aqui e no exterior, de qualquer modo, continuamente a companhia elabora novas estratégias visando conquistar e fidelizar clientes – os Masterlabs existem justamente para isso.
O funcionamento do setor de cartões de crédito não é algo simples. Há muitos atores no processo além de empresas como a Mastercard; bancos, por exemplo, que emitem os chamados plásticos, além de companhias que fornecem a conexão entre os elos da cadeia operacional. As operadoras de cartão entram no circuito assumindo o processamento dos pagamentos. E tudo isso, vale frisar, em um tempo três vezes menor do que um piscar de olhos. Trata-se de um setor que, claro, usa pesadamente TI (tecnologia da informação) e, sobretudo, marketing. A imagem, para essas companhias, é um ativo ainda mais precioso que para a maioria das demais organizações. A aposta da Mastercard, desde que Banga passou a liderá-la, é tornar-se de fato (e ser conhecida como) a líder na adaptação ao novo cenário que a disseminação dos meios de pagamento vem desenhando.
“Nossa empresa teve três grandes momentos em sua história”, explica Paro. “O primeiro, que chamamos de Mastercard 1.0, foi de 1966 até 2006, quando nos tornamos uma companhia com ações negociadas em Bolsa. O segundo foram os anos seguintes ao IPO, nos quais nos adaptamos à realidade de um grupo de capital aberto. Esses foram os anos da Mastercard 2.0. E nosso terceiro grande momento é agora, quando trabalhamos para nos tornar a companhia-símbolo de um mundo onde a tecnologia transformará radicalmente as formas de pagamento hoje existentes.” E qual o maior rival que a Mastercard enxerga para si nessa jornada? Engana-se quem pensou na Visa ou na Amex. “Meu maior competidor é o papel-moeda”, responde de imediato o executivo. “Temos o sonho de atingir um estágio no qual o dinheiro físico praticamente deixe de existir. Tudo será feito eletronicamente. Será melhor para o meio ambiente, mais cômodo para as pessoas, mais seguro. E vamos chegar lá, pode acreditar.” Bem, vindo de quem conhece (e investe) tanto nesse setor, não resta dúvida: esse mundo se tornará realidade – pode acreditar .