Elas são a coluna vertebral da economia brasileira. Embora muito se fale acerca do vigor de nosso agronegócio, de uma explosão na procura por mão de obra nos serviços e da boa-nova que foi o surgimento da China como uma megacompradora de minério de ferro, não há na história exemplo de nação que tenha conseguido desenvolver-se sem cultivar um sólido setor industrial. No Brasil, o exemplo disso são as montadoras de automóveis. O país tem muitas delas – tantas que, juntas, geram, 25% do PIB industrial do país. E várias outras vêm chegando.
FORBES Brasil entrevistou, com exclusividade, Cledorvino Belini, presidente da Fiat Chrysler para a América Latina e da Fiat brasileira, e Santiago Chamorro, presidente da GM do Brasil. A questão abordada, sob vários ângulos, foi: as empresas estão hoje investindo no país, apesar do momento delicado pelo qual passa a economia local? As respostas dadas foram contundentes – e surpreendentes, dado o tom sombrio que hoje domina, por exemplo, os cadernos de negócios dos jornais.
“Anunciamos recentemente que iremos investir R$ 6,5 bilhões até 2018 no Brasil. Esse montante será destinado basicamente ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologias” – adianta Chamorro. “Vale ressaltar que a empresa, com mais esse aporte, irá investir por uma década mais de R$ 1 bi- lhão ao ano, em média, no país”. E quanto aos ítalo-americanos da Fiat Chrysler? Por eles, Belini responde: “Estamos em meio a nosso maior ciclo de investimentos no Brasil. Serão R$ 15 bilhões no período 2013-2016”. E no que serão empregados tantos recursos? “Prosseguimos erguendo uma nova fábrica em Goiana (PE), com capacidade para 250 mil veículos/ano. Fica pronta em 2015. Lá faremos o Renegade, um utilitário da linha Jeep. No horizonte de dois anos, a Fiat Chrysler planeja lançar no Brasil cinco novos modelos Fiat e dois novos modelos Jeep.” E Belini acrescenta: “Estamos também ampliando nossa fábrica mineira, em Betim, que já é a maior unidade de produção do grupo Fiat Chrysler em todo o mundo”.
Vale a pena deter-se um pouco mais nesse complexo de Betim, inaugurado há 38 anos. Poucos sabem, mas trata-se da segunda maior fábrica de automóveis do planeta (só perde, em capacidade de produção, para uma outra localizada na Rússia e que pertence a uma montadora local, a AvtoVAZ). E, apesar de tal porte, ela continua crescendo: a nova linha de pintura que nela está sendo instalada será oito vezes maior que a atual. Quando todas as ampliações que ali vêm sendo feitas, a capacidade produtiva da unidade vai crescer de 800 mil para 950 mil carros/ano. No complexo de Betim, a Fiat monta nada menos que 16 modelos de carros. Só para o trabalho de funilaria da unidade foram comprados, neste ano, 70 robôs (no total, há 287 dessas máquinas operando no setor).
O ranking das maiores montadoras do Brasil por vendas totais costuma conter algumas constantes – e também algumas variáveis. No primeiro campo figura a Fiat, que há um bom tempo detém sua liderança. Nos demais degraus do pódio, no entanto, persiste uma renhida disputa pelo segundo lugar entre a Volkswagen do Brasil e a General Motors local. Neste ano, os números mais recentes dão conta de que a companhia alemã está assegurando (por enquanto) o posto de vice-líder nacional do mercado, com 17,7% das vendas contra 17,4% da GM. A diferença entre ambas as fabricantes é mínima, portanto – mas os americanos, nessa disputa, guardam um trunfo, garante Chamorro.
“Nossa marca é líder no varejo. Isso nos deixa bastante orgulhosos, pois se tratam de vendas feitas para o consumidor comum, muito mais atento em relação à qualidade do produto que o frotista, o qual geralmente arremata grandes volumes focado apenas em descontos”, diz ele. O executivo observa que um bom exemplo do portfólio da Chevrolet no país é o hatchback Onix, lançado em 2013. “O modelo oferece aquilo que o brasileiro procura: um carro acessível, com bom espaço interno, visual atraente, mecânica confiável e confortos modernos, como tecnologias de conectividade.” Há quase 90 anos atuando no Brasil, a GM, comenta-se no mercado, pretende usar parte dos aportes que fará por aqui na criação de uma família de novos carros compactos. Nesse pacote também estaria incluso o lançamento de um novo utilitário-esportivo para o mercado nacional. Apenas para tais iniciativas, acredita-se, estariam já reservados R$ 2,5 bilhões.
O Brasil é, no momento, o quinto maior mercado do mundo para o comércio de veículos. Também esta é uma posição oscilante – o país e a Alemanha alternam-se no quarto lugar de tal ranking. A grande demanda local por automóveis e os incentivos do governo para que eles sejam produzidos internamente vêm fazendo brotar, território afora, mais e mais fábricas de montadoras de todo o planeta. A última foi a unidade local da chinesa Chery em Jacareí, interior de São Paulo. A companhia (conhecida no Brasil por seu modelo popular, o QQ, hoje o carro mais barato do país – custa, mesmo sendo importado, apenas R$ 24 mil) investiu US$ 400 milhões para erguer sua fábrica nacional (a primeira da empresa fora da China). Mais US$ 130 milhões foram usados na construção de outra fábrica, também em Jacareí, que vai produzir os motores dos carros Chery. Na mesma toada outra montadora chinesa, a JAC Motors, está tirando do chão uma fábrica própria na Bahia. Já a montadora de caminhões e ônibus MAN Latin America pretende aportar, até 2016, R$ 1 bilhão em sua fábrica de Resende, no Rio de Janeiro. E há vários outros exemplos nesse sentido.
Salta aos olhos que, quando o assunto é indústria automobilística, cifras gigantescas surgem por todos os lados. Trata-se de uma atividade que exige capital intensivo. No Brasil, as montadoras têm investimentos programados que, somados, atingirão R$ 75,8 bilhões para o período 2012-2018. Essa gigantesca quantia demonstra de forma cabal que, com ou sem crise, há muitas pessoas – fisícas e jurídicas – que não cessam de investir no país. Mas o que as motiva a fazê-lo?
Chamorro é incisivo na resposta: “A General Motors acredita muito no Brasil. Sim, existem hoje grandes desafios para o governo, como o desenvolvimento da infraestrutura e a reforma tributária. Mas o potencial do país é muito grande, por vários fatores. Um deles é
o baixo índice de motorização por habitante. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa há quase um carro para cada duas pessoas, no Brasil um veículo serve a seis pessoas. Até mesmo a Argentina apresenta uma relação do tipo bem superior a nossa: 3,7 habitantes por veículo”. E ele completa: “Para tentarmos reaquecer as vendas e impulsionar o mercado nacional, a indústria automobilística está trabalhando, junto com o governo, visando a criação de mecanismos que facilitem a recuperação de veículos pelo banco financiador em caso de inadimplência. Hoje esse processo é demorado e dispendioso, o que dificulta e encarece a tomada de crédito por parte do consumidor que quer ter seu automóvel”.
De sua parte, Belini traça uma análise da conjuntura local: “Estamos vivendo um surto de pessimismo em relação à economia brasileira, muito influenciado pelo acirramento da disputa político-eleitoral. Esse clima contamina a percepção da realidade, pois cada lado trata de chamar a atenção e amplificar os problemas e fraquezas do outro. O pessimismo acaba por ter força suficiente para moldar seu entorno”, pontua ele. Mas crava, na sequência: “Se focarmos no longo prazo, porém, o Brasil continua sendo um país com muitas oportunidades. Os ganhos sociais e a melhora na distribuição de renda verificados na última década resgataram 40 milhões de pessoas da pobreza, incorporando-as ao mercado de consumo. Isso fez com que a classe média passasse de 38% da população em 2003 para 54% em 2014, devendo chegar a 58% em 2023. O Brasil conta hoje com um mercado interno de 200 milhões de habitantes e baixa taxa de desemprego. Há uma enorme demanda potencial latente no país, para todos os setores de nossa economia”. Tudo indica que é precisamente essa visão que continua levando nossos empresários a continuar apostando fortemente no Brasil. É ela, portanto, o melhor fecho para esse debate.