Seu utilitário esportivo se embrenhava mais e mais na remota extremidade nordeste da Índia conhecida em inglês como “Chicken’s Neck” (Pescoço de Frango), quando Rodrick Markus notou que o número de carros que o acompanhava estava se multiplicando. Um guia local explicou que esse era o Terceiro Mundo “extremo”, o tipo de lugar onde “a qualquer momento algo insano pode acontecer”. Mais utilitários esportivos somavam-se ao grupo e, quando o comboio finalmente parou em uma propriedade rural, 40 homens armados pularam dos veículos e o conduziram para dentro. Com o vestuário todo preto que é sua marca registrada – o terno, a camisa e o lenço no bolso estão sempre combinando –, os cabelos penteados para trás, a barba por fazer e os óculos Mykita, Markus mais parecia um traficante de armas nucleares. Mas ele estava lá apenas para o chá. Um chá um tanto exótico.
Meio Indiana Jones, meio Willy Wonka, Markus, de 42 anos de idade, ajuda os melhores restaurantes dos Estados Unidos a manter sua reputação de vencedores do prêmio James Beard por meio da importação dos ingredientes mais raros do mundo. Em todo o país, chefes de cozinha venerados por sua culinária gourmet – Thomas Keller e Wolfgang Puck entre eles – contam com os produtos exóticos de Markus para se manter criativos. Todos os menus que Grant Achatz já ofereceu em seu restaurante Alinea, que fica em Chicago e ostenta três estrelas Michelin, utilizaram iguarias do arsenal de Markus e, seis meses depois de inaugurar a Madame Zuzu’s Teahouse em Chicago, o líder da banda Smashing Pumpkins, Billy Corgan, fez de Markus seu fornecedor exclusivo.
Situado em uma esquina comum do bairro de Ravenswood, em Chicago, ao lado da ferrovia, o Rare Tea Cellar de Markus é um pequeno armazém que abriga as maiores maravilhas comestíveis do mundo: lima-dedo da Nova Zelândia, casca de limões que só crescem ao lado das pirâmides do Egito, sal safira do Himalaia, trufas de mel da Hungria, uvas do mar de Okinawa, resina de árvores do Marrocos, pistaches esmeralda da Sicília, pimentas da Tasmânia e 450 tipos de chá – entre os quais o Emperor’s Private Reserve Himalayan Dream (US$ 8 mil o quilo), preparado a partir dos melhores filamentos de uma folha de chá que é arrancada com delicadeza somente em noites de lua cheia.
A sensualidade epicurista, uma profunda estimulação dos sentidos, é o que Markus oferece desde que abriu o Cellar, em 2005. Originalmente, ele fazia experiências com a mistura de chás – envelhecendo as folhas em barris de bourbon ou adicionando ingredientes potentes, como farelo de cacau e casca de frutas cítricas –, mas o empreendimento decolou quando os chefes de cozinha locais começaram a pedir os refinados aditivos separadamente para que pudessem usar em seus próprios pratos. Hoje ele vende 1.600 ingredientes que mantém na loja, com acesso a mais de 4 mil produtos do mundo todo, a 1.200 restaurantes. “Todas as pessoas com quem eu trabalho sabem que sempre quero o que não está na lista”, diz Markus sobre seus ingredientes, os quais, às vezes, parecem produtos do mercado negro. “É emocionante caçar chá em muitos lugares distantes, mas, ao mesmo tempo, quando ele está à sombra de algo horrível, eu não quero nem chegar perto – é quase como diamantes de sangue.”
“Ele está lá para encontrar coisas que ninguém mais encontra para os chefes de cozinha”, diz Curtis Duffy, chefe e proprietário do Grace, de Chicago, que neste ano recebeu duas estrelas Michelin. “Não há nenhum ingrediente que eu não possa dizer ao Rod: ‘Você consegue isto para mim ou descobre onde conseguir?’. Dois dias depois ou uma semana depois ele já conseguiu. E não só isso: a qualidade do produto está entre as melhores.” Duffy gosta de finalizar pratos seletos com uma gota do óleo de argan de Markus. Trata-se de um produto caro e incomum: as cabras comem as castanhas de argan e as digerem, o que rompe as cascas, quase impossíveis de quebrar, e então as expelem. Os tratadores peneiram o estrume e fazem o óleo a partir das castanhas amolecidas.
Markus já sondou os recônditos dos mercados de Dubai à procura do melhor açafrão. Negociou a autorização de um chefe indígena do Oregon para obter uma raiz altamente perecível. Uma vez, irrompeu no Moto, restaurante de Chicago pioneiro em gastronomia molecular, com uma maleta Zero Halliburton de aço presa a seu pulso por uma algema, colocou-a sobre o balcão e revelou uma trufa da Austrália de 800 gramas que valia US$ 7 mil.
Está a fim de um chá de qualidade superior ao que a rainha da Inglaterra bebe? Markus oferece o Emperor Aged Keemun. Quer um luxo ainda maior? O Rare Tea Cellar tem um chá pu-ehr safra 1949 que custa US$ 30 mil o pedaço. Há coisas – como uma pepita de âmbar-cinzento (ou dejeto de baleia), cuja venda é ilegal – que ele deixa apenas em exposição. Do tamanho de uma noz, essa massa seca de detrito expelida pelo espiráculo do animal foi trocada por ele com um garoto que a encontrou nas praias de Londres. “Esse tipo de coisa não é algo para você ficar traficando”, diz Markus.
Criado em Highland Park, Illinois, Markus sempre “sentiu uma ligação muito forte com a comida e com as bebidas alcoólicas”. Depois de se formar em psicologia pela Universidade de Vermont, acabou seguindo sua paixão por produtos finos. O começo foi modesto: vendia vinhos e charutos em seu carro. Logo, ele expandiu sua rede para a internet.
Mas foram anos de insucesso até ele dominar um mercado volátil. “Eu quebrei umas dez, 15 vezes.” Markus muitas vezes tirava um salário pequeno e colocava 90% do lucro de volta no negócio em períodos de vacas magras ou de contração do mercado. Ele depende de países do Terceiro Mundo, onde as pessoas não sabem que não se pode enviar um produto caro e perecível em um saco plástico ou uma caixa de cartolina. E tem de torcer para que os chefes de cozinha que ele atende continuem independentes e atuantes. É tudo uma aposta. “Mesmo crescendo, há muitas ocasiões nas quais eu sou o último a ser pago. É mais importante fazer a coisa crescer do que tirar dinheiro.”
Finalmente bem-sucedido, Markus não poupa esforços para manter a aparência de homem de gosto refinado. No tempo livre, ele pratica o corte de presunto ibérico curado. Gosta que a carne de seus hambúrgueres seja moída com tutano e leva sempre um envelope de trufas e um ralador porque adora “fazê-las chover sobre tudo”.
Markus também cria seus próprios produtos no Cellar, como o Rare Botanical Bitters. Inspirado em sua paixão pelo coquetel Negroni, ele trabalhou em colaboração com a Boyd & Blair para lançar neste ano um vermute de bálsamo branco feito com 25 ingredientes, que Markus espera causar uma “revolução” na cena etílica de Chicago. A bebida ainda depende da aprovação do governo. Diz ele que um toque do vermute transforma até um destilado inferior em um coquetel saboroso e personalizado. “Sem dúvida, é a coisa mais importante na qual eu já me envolvi”, explica.