Douglas Durst está 80 andares acima do local, em Manhattan, que felizmente é conhecido cada vez menos como Ground Zero e cada vez mais como One World Trade Center, símbolo do orgulho americano com 1.776 pés (541 metros) de altura – o mais alto edifício do Hemisfério Ocidental. Ele consegue enxergar toda Manhattan, chegando a Nova Jersey e, a leste, a Greenwich, em Connecticut, que se projeta sobre Long Island South 64 quilômetros ao norte. Trinta metros abaixo, um helicóptero parece um brinquedo de criança. O empreendimento tem apenas um porém: pouquíssimas pessoas estão comprando ou alugando suas dependências.
Desde que a Durst Organization entrou em cena, três anos atrás, para gerir a construção e locação do símbolo da recuperação de Nova York após o 11 de setembro, somente seis inquilinos locaram espaço. Em novembro, quando o edifício for inaugurado e a editora de revistas Condé Nast se mudar para lá, a torre estará apenas 60% ocupada, diz Durst. Para melhorar essa cifra desanimadora, o valor dos andares intermediários da torre caiu 10% recentemente, chegando a US$ 743 por metro quadrado.
Pelas últimas contas, para a Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey essa é uma má notícia: ela está investindo quase US$ 4 bilhões na construção do One World Trade e US$ 10,8 bi- lhões adicionais na incorporação do restante do local. Para os Durst, por outro lado, a baixa performance das vendas não importa muito. Eles têm uma participação de apenas 10% na torre e um contrato de 99 anos para operá-la e locá-la – tudo isso com pouco risco financeiro. Quer o edifício seja totalmente alugado na semana que vem, quer isso leve anos para acontecer, no fim eles saem ganhando: o One World Trade gerará uma renda certa e constante para as futuras gerações que tocarem os negócios imobiliários da família, sem mencionar a valorização do edifício. Do ponto de vista financeiro, o One World Trade é meio quilômetro de puro lucro.
Transações habilidosas como essa fizeram dos Durst uma das grandes dinastias do ramo imobiliário de Nova York, com patrimônio conjunto de US$ 4,4 bilhões, segundo FORBES, graças a uma carteira de imóveis que inclui 11 arranha-céus em Manhattan – entre os quais o One Bryant Park, terceiro edifício mais alto da ilha, com 366 metros. O avô de Douglas criou a Durst Organization há quase 100 anos; o pai, Seymour, construiu o primeiro arranha-céu da família; Douglas desempenhou um papel importante na remodelação da Times Square e, agora, no One World Trade. Frequentemente descritos como excêntricos, alguns dos 33 membros da família que controlam esse império têm interesses muito distantes dos imóveis: Seymour era obcecado pela dívida pública, então construiu um Relógio da Dívida Pública, gigante e iluminado, perto da Times Square; o ambientalista Douglas é dono de uma fazenda orgânica; sua filha Anita, ex-atriz de vanguarda, oferece espaço de estúdio gratuito em edifícios da família e em outros lugares. E tem também Robert Durst. Ele já não faz parte da empresa da família e foi suspeito do desaparecimento de sua esposa e de dois assassinatos, embora não tenha sido condenado (veja boxe na pág. 59).
Além da excentricidade, os familiares têm outro traço em comum: um desprezo declarado pela dissipação de recursos públicos e intervenção no mercado por parte do governo – além de um dom especial para tirar proveito disso. Em 2007, quando a “Freedom Tower”, como o edifício era chamado na época, não passava de um buraco no chão, Durst, junto com Anthony Malkin (cuja família controla o Empire State Building), publicou um anúncio de página inteira em jornais de Nova York exortando o governador Eliot Spitzer a desacelerar a construção.
O argumento deles era que a Autoridade Portuária devia esperar para construir a torre mais importante quando as outras quatro torres estivessem prontas, de modo que o One World Trade pudesse tirar proveito do sucesso dos demais edifícios. Durst e Malkin também criticavam o plano (que acabou por ser abandonado) de instalar órgãos públicos no One World Trade: “Por que o governo pretende agora bancar a construção de um projeto excessivamente caro a ser ocupado por órgãos do governo pagando aluguéis excessivamente caros, tudo à custa do dinheiro do contribuinte, que poderia ser mais bem empregado?”.
No entanto, quando os políticos seguiram em frente, Durst ganhou o contrato para administrar o edifício mesmo assim. E por que não? “Eu era contra, antes da construção”, Durst admite com um sorriso sardônico, vestindo capacete, óculos pretos octogonais e sua marca registrada: gravata e meias verdes. “Se é para distribuir subsídios, que eles venham para nós. …Sempre achamos isso.”
A história da família de Durst começa com Joseph Durst, alfaiate que, em 1902, saiu do que é hoje a Polônia e chegou a Nova York com US$ 3 no bolso. Em uma década, era sócio e modista da Durst & Rubin. O patrimônio da família começou a tomar forma em 1915, quando ele comprou seu primeiro edifício, no Garment District de Manhattan.
Joseph e sua esposa, Rose, tiveram cinco filhos. Três seguiram o pai nos negócios da família. Seymour, o mais velho, colocou os Durst no ramo de arranha-céus. Usava nomes falsos para comprar pequenos lotes e, no fim, formar terrenos prontos para grandes empreendimentos. “Ele era um homem realmente maravilhoso: calmo, discreto, invisível”, diz Jerry Speyer, um dos sócios-fundadores da Tishman Speyer de Nova York, empresa do ramo imobiliário que controla o Rockefeller Center e o Chrysler Building. “Tinha uma coragem incrível para montar terrenos, reunir lotes, essas coisas.”
A vida pessoal de Seymour foi atingida pela tragédia: em 1950, sua esposa, Bernice, na época com 32 anos de idade, despencou para a morte do telhado da casa deles em Scarsdale, deixando quatro filhos pequenos (Douglas, o segundo, tinha apenas 6 anos). Seymour nunca voltou a se casar, mergulhando no mundo imobiliário e em seus muitos hobbies, entre os quais protestar contra as intrusões desnecessárias por parte do governo.
Para isso, ele constituiu o “Comitê por um World Trade Center Razoável”, combatendo a incorporação, pela Autoridade Portuária, do terreno que sua família hoje administra. Em 1968, o comitê publicou um anúncio de página inteira no New York Times mostrando as Torres Gêmeas com a imagem – que hoje dá arrepios – de um avião seguindo em direção aos pisos superiores dos arranha-céus. Não que estivessem prevendo um ataque terrorista; estavam criticando a possível interferência das torres na navegação aérea e na recepção de sinais de televisão. É claro que eles tinham outros motivos para combater o projeto. Embora seja hoje lembrado com saudade, no início dos anos 1970 o World Trade Center era basicamente 900 mil metros quadrados de área comercial financiada pelo governo e jogada no mercado de Nova York – bem no momento em que a cidade entrava em uma amarga recessão.
A luta deles contra o Trade Center prenunciou uma batalha pública ainda maior. Durst estava entre os vários incorporadores proeminentes que, na surdina, tinham acumulado dezenas de imóveis em toda a Times Square. Havia inquilinos abjetos, como operadores de cabines eróticas, “salões de massagens” e gente envolvida em todas as outras imoralidades eternizadas na maioria dos filmes realistas dos anos 1970. Em 1984, em um único quarteirão da Rua 42 aconteciam 2.300 crimes por ano. Assim como em relação ao World Trade Center, uma entidade paragovernamental tentou mudar a situação – impondo uma renovação de US$ 2,6 bilhões impulsionada por US$ 240 milhões em reduções de impostos concedidas a outro chefão do ramo imobiliário, George Klein. Mais uma vez, os Durst foram à guerra, entrando com três processos, supostamente financiando mais de 40 outros (eles negam) e instigando a opinião pública. (“Talvez toda aquela nova área comercial só traga mais consumidores para o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas que hoje caracterizam um dos quarteirões mais notórios do mundo”, escreveu Seymour em um artigo opinativo em 1988.) Com a ajuda da economia, que andava ruim, eles conseguiram emperrar a renovação durante a maior parte da década de 1980.
Foi então que, em 1994, com o mercado imobiliário em expansão, eles deram o bote. Douglas comprou os direitos de incorporação de Klein – um dos incorporadores designados pela cidade e alvo de um processo de Durst –, aproveitando US$ 100 milhões dos mesmos incentivos fiscais contra os quais a família tinha protestado com veemência. “Sim, é irônico”, disse Durst ao New York Observer na época, na linha do que ele diz hoje sobre o World Trade Center. “Mas não fomos nós que colocamos os incentivos fiscais em vigor. Se eles estão lá, vamos usá-los.” O 4 Times Square, exatamente na Rua 42, era o maior projeto da família e a menina dos olhos de Douglas (Seymour faleceu em 1995, ficando Douglas como o indiscutível sucessor; Robert, o irmão mais velho, saiu da empresa). Ele conseguiu que a Condé Nast, que antes ficava na Avenida Madison, fosse a âncora dos locatários, e a disneyficação da Times Square prosseguiu rapidamente. “É uma família incrível”, diz Steve Spinola, presidente do Conselho Imobiliário de Nova York desde 1986. “São controversos? Eu acho que, se você não é controverso, não é bom no que faz.”
Depois que esse edifício ficou pronto, em 1999, os Durst direcionaram seu empenho para um conjunto de lotes que possuíam ao lado. O Bank of America contatou a família, na esperança de construir uma sede social no local, financiando a metade da construção e concordando em ocupar a maior parte do edifício. O Bank of America Tower at One Bryant Park, arranha-céu de US$ 2 bilhões e 51 andares com um pináculo de 90 metros, foi o primeiro a receber a certificação LEED Platinum na América do Norte, com direito a compostagem no telhado, sistemas de filtragem de ar de alta tecnologia e usina de calor e energia própria.
Até 2010, quando a torre foi concluída, os Durst eram senhores de 900 mil metros quadrados de área comercial e de 140 mil metros quadrados de locações residenciais. Tudo com menos de 30% de dívida – em um setor no qual 50% é um valor considerado conservador –, graças à antiga tradição da família de construir principalmente com recursos próprios. Então surgiu a oportunidade de remodelar um ícone nacional, aquele que eles vinham atacando havia mais de 40 anos. Para entender como os Durst acabaram administrando o One World Trade, é necessário retroceder uma década e conhecer uma das sagas imobiliárias mais épicas e polêmicas da história da cidade de Nova York (levando em conta que Manhattan foi adquirida pela primeira vez por nativos trapaceiros com quinquilharias, isso não é pouca coisa). Seis semanas antes de 11 de setembro de 2001, o incorporador nova-iorquino Larry Silverstein firmou com a Autoridade Portuária o arrendamento das Torres Gêmeas por 99 anos no valor de US$ 3,2 bilhões. O valor mensal era de US$ 10 milhões – contanto que os inquilinos dele pagassem mais do que isso, ele teria lucro.
Quando as torres foram destruídas, ele ficou com um espantoso buraco de US$ 120 milhões por ano – e com uma influência extraordinária, em virtude de uma indenização do seguro no valor de US$ 4,6 bilhões, sobre os planos de renovação. O arquiteto de origem polonesa Daniel Libeskind concebeu um plano mestre com cinco novas torres, inclusive um novo e único One Word Trade com simbólicos 541 metros de altura. Mas o projeto logo virou uma extravagância, com dois arquitetos (Libeskind e depois David Childs, escolha pessoal de Silverstein), 25 órgãos públicos e um monte de políticos, todo mundo querendo influir. “O trabalho ficou parado por um ano devido aos desentendimentos entre os vários órgãos”, conta Libeskind.
As obras finalmente começaram em 28 de abril de 2006. Em novembro, Silverstein deixou de ser incorporador. Mesmo com o valor do seguro, ele simplesmente não tinha dinheiro para construir – nem de longe. A Autoridade Portuária convenceu o então governador George Pataki de que era capaz de fazer melhor e pagou US$ 21,5 milhões para Silverstein sair.
É difícil pensar em um projeto de construção mais complicado. E não só pela aura de veneração e forte emoção do local: as dificuldades técnicas são enormes. Para preparar as fundações, por exemplo, os operários tiveram de cavar manualmente, com pás e enxadas, para não interferir em uma linha de metrô de Nova York nem no trem Path, que vai a Nova Jersey. Durante os anos em que o trabalho subterrâneo foi realizado, quem passava por lá tinha a impressão de que a obra não estava progredindo. Ao mesmo tempo, os custos subiam.
Em 2008, o então governador David Paterson designou um novo presidente para a Autoridade Portuária, Chris Ward, que tomou uma das poucas boas decisões do fraco mandato de Paterson. “Nós sabíamos que o conjunto de competências da Autoridade Portuária não daria para construir a maior e mais cara torre comercial dos Estados Unidos”, diz Ward, que saiu do órgão em 2011. Sob sua direção, foi feita uma licitação com cinco incorporadoras. Os Durst, inimigos de todas as propostas referentes ao World Trade Center por décadas, venceram. Por quê? Eles ofereceram as condições financeiras mais vantajosas, vinculando sua taxa de administração a economias de custos para a Autoridade Portuária, diz Ward. E, embora a Autoridade exigisse que todos os licitantes pagassem US$ 100 milhões por uma participação no edifício e concordassem com um contrato de 99 anos, os Durst melhoraram sua oferta com uma estratégia na qual foram pioneiros em transações anteriores.
Enquanto os quatro outros licitantes ofereceram uma tradicional taxa de administração polpuda mais participação, os Durst propuseram um sistema “flutuante”, no qual o valor de sua participação só será determinado quando a torre estiver 92% locada ou em 2019, o que vier antes. Isso os obriga a conseguir inquilinos com mais rapidez e por valores mais altos. Foi o que os ajudou a deixar os rivais para trás.
“Na verdade, eles foram escolhidos para que tivéssemos uma incorporadora confiável do setor privado com interesse em fazer a coisa andar”, diz Scott Rechler, diretor da Autoridade Portuária que supervisiona o Trade Center.
Douglas Durst diz que não há mágica na estratégia. Eles tinham musculatura financeira, recursos humanos e expertise para dar à Autoridade Portuária o que esta queria, com pouco risco para a empresa da família. “Nós nos pusemos no lugar da outra parte e formulamos o que era bom para ela.” Quando os Durst assumiram, o esqueleto da torre estava quase pronto, mas a família deu a forma final. A taxa de administração para supervisionar as últimas fases da construção incluía vultosos US$ 15 milhões mais 75% de quaisquer economias de custos até o limite de US$ 24 milhões, além de uma porcentagem decrescente por economias de custos obtidas além desse valor.
Incentivados, eles mandaram ver. Já estão próximos de sua meta de economia de custos: os Durst abocanharam US$ 14,5 milhões com mudanças como a ventilação pela lateral do edifício em vez do topo e a não colocação de degraus de aço inox na praça. Ao mesmo tempo, convenceram a Autoridade Portuária a lhes conceder parte da economia obtida por vetarem um revestimento de alta tecnologia para o pináculo de 124 metros no topo da torre. Um visual mais rústico, insistiram os Durst, expondo a antena e o equipamento de transmissão do lado de dentro, seria suficiente.
Depois de ganharem algum dinheiro fácil, os Durst passaram à estratégia de longo prazo. Nos termos do acordo com a Autoridade Portuária para o próximo século, toda vez que um novo inquilino fechar contrato, os Durst ficarão com 8% a 13% do aluguel no primeiro ano. Isso faz do One World Trade uma aposta de baixo risco que proporcionará às próximas gerações uma fonte de renda constante. A primeira jogada deles foi trazer a âncora do edifício da família na Times Square, a Condé Nast, que está alugando 93 mil metros quadrados de área comercial – um terço da torre. Foi um gol dos Durst logo no começo da partida e um negócio de pai para filho para a Condé Nast, que conseguiu um aluguel, segundo relatos, de US$ 646 por metro quadrado, sendo que a locação de áreas comerciais semelhantes no centro da cidade chega a custar até US$ 807 por metro quadrado. John Bellando, COO e CFO da Condé Nast, diz: “Temos um relacionamento muito sólido com os Durst”.
Os Durst também aceitaram de bom grado o tipo de inquilino do setor público que costumavam achincalhar – neste caso, a Administração de Serviços Gerais, que alugou 25 mil metros quadrados. Afora esses, os Durst conseguiram apenas três novos inquilinos privados, em meio às preocupações com a segurança e à letargia da economia. Com esses cinco locatários, além de um grupo do setor de hotelaria que operará os três andares de observação para turistas, o edifício está 56% alugado.
A taxa de administração anual para operar o edifício não é particularmente lucrativa – a US$ 7 por metro quadrado, chegará a apenas US$ 2,1 milhões neste ano. Mas é uma renda que aumentará a cada ano e algo que os Durst podem facilmente absorver com escala e recursos humanos, ao mesmo tempo em que lustram a marca da família. Com relação ao pagamento de US$ 100 milhões por cerca de 10% do edifício, eles acreditam que será recuperado em poucos anos, quando o One World Trade estiver totalmente alugado e valer mais de US$ 2 bilhões.