Nos Estados Unidos, da seção de panelas do Walmart às lojas de acessórios de grife para a cozinha, uma marca brasileira tem lugar cativo ao lado das famosas e invejadas caçarolas francesas. Trata-se da gaúcha Tramontina, companhia familiar fundada em 1911 como uma pequena ferraria em Carlos Barbosa (RS) e hoje uma das maiores fabricantes de panelas, talheres e utensílios para cozinha do mundo. São 11 fábricas, 7 mil funcionários, 18.000 itens no portfólio, com presença em 120 países e uma receita prevista de R$ 4 bilhões em 2014, 17% a mais que no ano passado. Nos Estados Unidos, o gigante global do mercado de consumo, as panelas da marca brasileira já são as terceiras mais vendidas. E só não é a primeira ou a segunda porque seus produtos são premium e não populares, o que tornaria difícil a disputa com as baratas peças chinesas. No país desde 1986, a gaúcha tem uma fábrica em Manitowoc, no Wisconsin.
O homem por trás da revolução gaúcha das panelas é Clovis Tramontina, 59 anos, presidente há 22 anos do negócio fundado por seu avô Valentin e, anos mais tarde, conduzido por seu pai, Ivo. Nascido em Carlos Barbosa, berço da companhia, Clovis não chegou ao cargo apenas pelo sobrenome. Teve que estudar muito na teoria e na prática. Desde cedo, passou a conhecer e a atuar em cada setor da empresa. Em paralelo, estudou administração de empresas na PUC de Porto Alegre e direito na Unisinos, em São Leopoldo. Mesmo com três filhos e com uma rotina pesada de trabalho, fez pós-graduação em administração pela Fundação Getulio Vargas (São Paulo) e MBA empresarial e um programa de gestão avançada (PGA) pela Fundação Dom Cabral (Belo Horizonte).
Entre funcionários e clientes, Tramontina é frequentemente citado como o homem que levou o marketing para os negócios e dele extraiu os melhores resultados. Também é considerado um especialista na arte de negociar. Todo dia ele chega à empresa pontualmente às 9h da manhã, de onde só sai após concluir todas as tarefas. De fala doce e desapressada, o empresário é bastante ligeiro quando o assunto é a expansão dos negócios.
Com a estratégia de se manter na categoria premium – e também na superpremium –, conseguiu uma façanha para quem trabalha com escala: crescer em volume sem, necessariamente, popularizar seus produtos. Ou seja: mesmo diante da superoferta de panelas asiáticas muito baratas, Tramontina teve sucesso em vender mais produtos de maior valor agregado.
Em um evento da marca ocorrido há algumas semanas em São Paulo para grandes varejistas, inclusive compradores do Walmart, do Grupo Pão de Açúcar e da Preçolândia, dentre tantas outras redes espalhadas pelo país, Tramontina parecia mais um guru com discípulos ao seu redor. A conversa que ele teve com FORBES Brasil foi interrompida inúmeras vezes por gerentes e diretores de compras de clientes que queriam se despedir, conversar sobreos próximos lançamentos ou simplesmente ouvir sua opinião sobre a economia brasileira dali para frente.
“Ninguém pode negar que o mercado está bastante travado. Mas os últimos quatro meses do ano são os melhores e, para 2015, estou cogitando um crescimento de 15% nas vendas”, afirma Tramontina. Sua arma para continuar crescendo: um lançamento a cada três dias, como as novas Duo Color, uma linha de panelas de aço inox coloridas por fora. No ano passado, a empresa investiu R$ 40 milhões na construção de uma fábrica exclusiva para produção de panelas em aço inox, o que ampliou sua capacidade de produção de 250 mil para 400 mil panelas por mês. E essa é uma de suas grandes apostas para crescer. Mas não a única. De olho no explosivo conceito de espaço e varanda gourmet, que avança nos edifícios residenciais de todo país, a companhia também tem impulsionado sua linha superpremium Tramontina Design Collection, que oferece desde bandejas, saladeiras e pratos dentro do conceito de “luxo rústico” até porta-copos, chaleiras e faqueiros mais glamourosos para celebrações sofisticadas.
Tramontina diz que para que os projetos saiam do papel, cada uma de suas fábricas conta com um centro de inovação, pesquisa e desenvolvimento na própria planta, o que traz agilidade e ideias nas tomadas de decisões. Ter uma marca conhecida também ajuda. “Segundo pesquisas, a Tramontina é conhecida por 95% da população, recall que foi alcançado com a ajuda de produtos de qualidade, marketing e uma capacidade de distribuição espetacular. Sem exagero, nossa capilaridade é muito boa. São cinco centros de distribuição no Brasil e 12 unidades no exterior”, conta.
O empresário acredita que o giro de seus produtos não sofrerá crise. “Nossos produtos são quase de primeira necessidade. A única crise que pode haver é em caso de desemprego, e não acreditamos que isso vá acontecer. O índice hoje é de quase pleno emprego no Brasil”, observa. Mas e a rentabilidade? “Ela está acompanhando o crescimento a partir do uso da automatização para corte de custos. Hoje, as unidades industriais contam com muita robotização em áreas mais perigosas e competitivas.”
Embora seus produtos não sejam acessíveis a todas as classes sociais – a não ser os de cutelaria, como as facas para churrasco –, Tramontina diz que ter sua marca na cozinha é uma aspiração dos consumidores emergentes. “Hoje ele não tem capital para comprar uma Tramontina, mas tem vontade de ter”, explica. E essa oportunidade é observada pela companhia, que hoje tem 60 mil clientes pessoas jurídicas em seu cadastro. O maior vendedor de Tramontina hoje? As Lojas Americanas, revela o empresário.
Mesmo assim, a marca ainda não está bem representada em todos os cantos do país. Para fortalecer sua presença em locais de baixa penetração, Tramontina aderiu à loja própria. Batizada de T Store, ela opera no Rio de Janeiro. A próxima unidade será aberta em Salvador. Em paralelo, a marca que tem entre as facas de churrasco e as panelas de inox solar (há 40 anos no mercado) entre os seus itens mais vendidos, começa a entrar no mercado de food service com mais afinco. Embora já tenha lançado produtos para hotéis, restaurantes e hospitais em 2013, é a partir de 2015 que a Tramontina vem com tudo para cima desse mercado. “Hoje somos fortes nas residências. Com a aposta em cozinhas profissionais, devemos adicionar uns 10% de receita às vendas atuais ”, estima.
Em market share, hoje a Tramontina diz deter entre 65% e 70% do mercado brasileiro de panelas e cerca de 75% em cutelaria. As exportações respondem por R$ 500 milhões, de um total de R$ 4 bi- lhões em vendas. Os principais destinos são os Estados Unidos (onde a empresa tem uma fábrica e também recebe produtos made in Brazil), os Emirados Árabes, o Leste Europeu e a África. O Brasil, no entanto, continua prioritário para a empresa. Ainda tem muita cozinha para a Tramontina desembarcar.