“Concentre-se em seus pontos fortes; reconheça suas fraquezas; agarre as oportunidades; proteja-se das ameaças.” Esses conselhos, dados pelo general chinês Sun Tzu (544 – 496 a.C.) em sua obra A Arte da Guerra, ecoam com fidelidade a descrição feita por Silvio Stagni – que no final de setembro foi nomeado presidente da Lenovo Brasil – da postura global da gigante dos aparelhos eletrônicos: “A Lenovo pratica uma estratégia que chamamos de proteger e atacar. Ela se traduz em proteger nosso negócio principal, que é a fabricação de computadores pessoais, onde somos líderes, e atacar naqueles segmentos nos quais ainda não temos a presença que gostaríamos – no caso, tablets, smartphones e TVs. Esse é o nosso caminho”, afirma ele.
Stagni recebeu FORBES Brasil logo após assumir o comando local da multinacional chinesa, em sua sede na capital paulista. Dali, ele agora lidera um dos maiores complexos fabris de tecnologia do país, erguido via grandes aportes ao longo dos últimos nove anos (a empresa chegou ao Brasil em 2005).
“Em janeiro de 2013 abrimos nossa fábrica em Itu, no interior de São Paulo. Nós a construímos ao custo de US$ 30 milhões, em apenas seis meses. É uma das unidades mais modernas da Lenovo em todo o mundo”, conta o executivo. Não parou por aí: antes mesmo do término das obras em Itu, a empresa arrematou a CCE, pertencente à família Sverner, por R$ 300 milhões. A aquisição da fabricante local de tablets, TVs, celulares e computadores de mesa rendeu-lhe clientes da base da pirâmide brasileira de consumo (a CCE, sigla que significa Comércio de Componentes Eletrônicos, tem por foco as classes C e D) e uma planta industrial em Manaus; aliás, hoje a Lenovo exporta itens do portfólio da CCE para a Colômbia e o México, além de vendê-los internamente.
Por fim, em novembro do ano passado a empresa anunciou um investimento de US$ 100 milhões na abertura de um centro de pesquisa e desenvolvimento em Campinas (SP), que terá por função criar softwares para os servidores do grupo vendidos no Brasil e no exterior.
Tantos aportes por aqui têm uma razão precisa – a mesma, por sinal, que levou à contratação de Stagni para a direção nacional da Lenovo: conquistar os consumidores finais de tecnologia, aqueles que vão às lojas atrás de notebooks, smartphones, tablets, PCs e televisores para uso próprio. Na outra face desse mercado, as aquisições corporativas (ou seja, a venda de hardware para empresas), a força da Lenovo já está bem estabelecida.
Aos números: no Brasil, a companhia responde por 13,4% das vendas de PCs à empresas e 13,7% do mercado de servidores. Para um setor, o tecnológico corporativo, que por aqui é bastante pulverizado, são bons índices. Eles derivam de duas aquisições globais importantes feitas pela companhia no passado: a da marca de PCs e notebooks empresariais da IBM, ThinkPad, em 2005, e a da divisão de servidores x86, também da IBM, por US$ 2,1 bilhões em setembro último. O grupo fechou o ano fiscal 2013/2014 em abril com receita global recorde de US$ 38,7 bilhões, um aumento de 14% em relação ao ano anterior. A companhia está agora no terceiro trimestre de seu atual ano fiscal. Recentemente foram anunciados os resultados do segundo trimestre, os quais trouxeram uma receita de US$ 10,5 bilhões.
“Eu fui chamado para isto: fortalecer ao máximo a empresa nas vendas ao consumidor final”, reforça Stagni. “Nesse mercado, trabalhamos com a marca Lenovo propriamente dita nos tablets, desktops e notebooks. São produtos diferentes dos ThinkPads, com um design mais leve e outras funções. Acreditamos que o mundo digital em torno de cada indivíduo se tornará progressivamente maior e mais complexo, mas os PCs continuarão a ser o centro de todos os aparelhos eletrônicos que o consumidor terá. E nossos computadores são os melhores, então partimos daí para atacar os demais segmentos, como o de smartphones”, detalha o executivo, em termos que lembram os princípios citados por ele anteriormente: proteger e atacar.
Quando Stagni menciona smartphones, é claro que está se referindo à última grande cartada da Lenovo em se tratando de gadgets: a compra da Motorola Mobility, a qual só foi totalmente fechada em outubro deste ano, quando os órgãos reguladores de todo o mundo deram sinal verde para a operação. A empresa de celulares pertencia ao Google, e custou à companhia oriental US$ 2,91 bilhões. Com a aquisição, automaticamente a Lenovo tornou-se a terceira maior fabricante de smartphones do planeta, atrás somente da Apple e da Samsung.
“No Ocidente, principalmente nos EUA e Brasil, o recall que o nome Motorola tem é ótimo”, afirma o executivo. “Por aqui, em especial os aparelhos da empresa, como o Moto X e o Moto G, somem das prateleiras. Vejo a Motorola como uma grande arma de nosso grupo na missão de nos tornarmos líderes absolutos do varejo de eletrônicos.” Um detalhe curioso, conta Stagni, é que essa é a segunda vez que sua vida é atravessada pela companhia: “Eu fui o funcionário número 1 da Motorola Celulares quando ela chegou ao Brasil, em 1992. Foi nesse ano e nessa empresa que comecei a trabalhar com eletroeletrônicos. E agora ela surgiu de novo em meu caminho. Tomara que seja um bom presságio”, diz ele, sorrindo. Deve ser: atualmente, cerca de 18% dos celulares vendidos no Brasil são da Motorola; isso faz do país o lugar onde essa empresa tem a maior fatia do mercado no qual atua em todo o mundo.
Hoje com 53 anos, casado e com dois filhos, o executivo, após trabalhar na Motorola até 2001, mudou-se para a Sony, depois para a Samsung, e agora para a Lenovo. É formado em engenharia eletrotécnica, mas sempre atuou em gestão e vendas, daí sua entrada na filial brasileira de uma fabricante mundial de apetrechos tecnológicos que quer aumentar sua fatia de mercado no Brasil. Stagni foi precedido no comando da Lenovo local pelo americano Dan Stone, um profissional de perfil mais técnico a quem coube gerenciar a incorporação da CCE. Agora, chegou o momento de disputar uma importante fatia de mercado na praça brasileira.
A empresa, revela Stagni, provavelmente não venderá celulares com a marca Lenovo no Brasil (o que faz, com sucesso, na China e no Sudeste Asiático). Será mesmo a Motorola que terá por tarefa tornar a companhia asiática líder no mercado nacional de smartphones. Na verdade, no país a maioria das marcas com que o grupo trabalha – ThinkPad, CCE, os servidores x86 e agora a Motorola – não eram originalmente suas. Foram todas empresas adquiridas. “A Lenovo tem uma cultura de comprar concorrentes, é assim que crescemos. Mas nós nunca impomos a uma companhia incorporada nosso modo de trabalhar; preferimos trazer para a Lenovo aquilo que de melhor as recém-chegadas têm dentro de si”, ressalta ele.
Fundada em 1984 na China por 11 empreendedores com um capital inicial de apenas US$ 25 mil, a Lenovo cresceu exponencialmente de lá para cá. Seu conselho de gestores reúne-se todo mês em algum lugar do planeta para decidir os destinos do conglomerado – em fevereiro deste ano, por exemplo, o encontro foi em solo brasileiro. “O Brasil é o terceiro maior mercado de PCs do mundo. Qualquer empresa de tecnologia que deseje ser uma player global tem de estar aqui. Por essa razão, nosso foco no país é enorme”, finaliza Stagni. E acrescentaria Sun Tzu: “A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque”. A Lenovo resolveu atacar.